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Protágoras era agnóstico ou ateu?

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Protágoras, sofista grego (veio da cidade de Abdera) viveu no século V da era atual (entre ~485 - 410).

 

A despeito de lhe serem atribuídas várias obras (dentre elas As antilogias e A verdade.) chegraram até nós panes alguns poucos fragmentos dos ensinamentos deste homem que se nos apresenta como a lua de um sol envolta por nuvens espessas que não a deixam brilhar em sua plenitude.

 

 

Os fragmentos têm gerado inúmeras interpretações e, portanto, disputas, a fazer do sofista desde um pensador de primeira grandeza indo até a “uma planta que fala”!

 

Algumas dicas, tais como pistas para os detetives, para nós, demonstram que Protágoras, realmente, era de uma inteligência invulgar, caso contrário, como teria se acercado de Péricles (tão decantado em verso e prosa) e tornado-se seu conselheiro e legislador para a cidade pan-helênica de Túrio, fundada por Atenas no auge do “século de ouro” grego?

 

Conta-nos Plutarco que Péricles ficou um dia inteiro ao lado de Protágoras discutindo uma questão de responsabilidade jurídica! Eis:

 

“Péricles e Protágoras gastaram todo um dia para apurar, de acordo com o raciocínio correto, a quem se

atribuiria a culpa do acidente, se ao dardo, se a quem o lançara ou se aos árbitros dos jogos”.  (Fonte:

Plutarco, Vidas – Péricles, Cultrix, São Paulo, tradução de Jaime Bruna, sem data, p. 101/102).

 

Poderia o grande líder grego ficar tanto tempo junto a “uma planta que fala”?

 

E o que dizer de Platão, o mais famoso difamador da sofística, que, além de ter escrito um diálogo que leva em seu título o nome de Protágoras, trás à luz o pensamento deste mesmo Protágoras em outros de seus diálogos?

 

Aristóteles, “também perdeu seu precioso tempo com Protágoras”! Isto comprova-se lendo o Livro beta de sua Metafísica. Sendo de sua autoria a afirmativa de que os sofistas “eram como plantas que falavam”.

 

Protágoras é o homem das verdades voláteis. Das verdades edificadas sobre base de gelatina, ao perceber os limites impostos ao conhecimento humano pela constante mutabilidade das coisas da e na vida (da natureza). O que hoje apresenta-se assim, amanhã já não é mais. O remédio que hoje cura amanhã será veneno. Até o amor eterno de hoje será o ódio do dia seguinte!

 

Protágoras oferece o que é real, ao entregar os destinos do homem ao próprio homem, obrigando-o a se entender com os demais e, somente mediante esse acordo, é possível a vida em sociedade.

 

Nisso ele difere fundamentalmente de Platão que vem a oferecer a ilusão do mundo das idéias, o mundo onde tudo é perfeito!

Da ilusão platônica foi apenas um pequeno passo para o “mundo depois da morte que receberá os justos e punirá os injustos!

Entre Protágoras e Platão, as religiões (maiores preservadoras da cultura escrita) optaram por quem?

 

Mas os arautos da verdade conseguiram acuar Protágoras? Não, pois esses arautos apresentaram seus libelos acusatórios quando ele já estava morto (logo, não podendo se defender) e, até agora, passados mais de dois milênios, sequer conseguiram definir o que é a tal verdade!

 

O argumento de Protágoras (da limitação do conhecimento) será reforçado e desenvolvido pelas famosas teses de Górgias, segundo as quais: (i) nada é, (ii) se é, é impossível ser conhecido, (iii) se for conhecido, não pode tal conhecimento ser transmitido para outrem.

 

Sexto Empírico, citado por Miguel Spinelli, em Filósofos pré-socráticos, EDIPUCSR, 2ª edição, p. 259., assim explica Górgias:

 

Pois se existem seres visíveis, audíveis e universalmente sensíveis e de uma existência que nos é externa, desses seres, os visíveis são percebidos pela vista, os audíveis pelo ouvido e esses sentidos não podem intercambiar funções, e, portanto, como será possível revelar a outros esses seres? Pois o meio de que dispomos para revelar o desconhecido é o discurso, e o discurso não é nem a substância e nem os seres, pois não são os seres que revelamos àqueles que nos circundam; nós só lhes revelamos o discurso que é diferente das substâncias”.

 

Resumindo: como digo o sabor do sorvete (que paladar) com palavras, que não tem sabor?

 

Enquanto isso, Protágoras continua atraindo a atenção daqueles que têm o prazer de conhecê-lo!

 

É uma constante que quase todas as pessoas conhecem a famosa frase pitagórica “o homem é a medida de todas as coisas”, e a repetem sem maiores preocupações, geralmente para condenar o sofista. Hoje existem praticamente tratados que giram unicamente em torno desta famosa frase, mas não é com ela, nesse momento, que iremos nos preocupar, embora ela possa servir de suporte para a pergunta título deste.

 

A frase de Protágoras a que vamos nos ater é a seguinte: “... Acerca dos deuses, não posso saber se eles existem ou se não existe, nem como são quanto à sua aparência. Porque muitos são os obstáculos: não só a sua invisibilidade, como a brevidade da própria vida humana.

 

Como tudo que foi conservado sobre Protágoras, esta frase também recebeu inúmeras interpretações e eu não me arriscarei a apresentar mais uma, pois as que dispomos me parecem suficientes.

 

Vejamos algumas curiosidades laterais à frase: (i) ela foi preservada por Eusébio na obra “Preparação Evangélica”, XIV, 3, 7, DK 80 B4; (ii) Eusébio de Cesaréia ou Eusébio de Panfílio foi “bispo e teólogo neoplatônico” que viveu entre 263 e 340 da era atual. Ou seja, alguns séculos (cerca de oito) depois de Protágoras; (iii) era bispo. Portanto, um religioso e, para os religiosos, Protágoras parece ser (e é) erva daninha; (iv) era neoplatônico. Portanto, acompanhava o pensamento do maior dos anti-sofistas.

 

Entretanto, tendo eu lido várias obras específicas e/ou capítulos sobre a Sofística (dentre elas: O sofista, de W. K. C. Guthrie; História da Filosofia, de Giovanni Reale; O movimento sofista, de G. B. Kerferd; Os pensadores da Grécia, de Theodor Gomperz; Justiça e Concórdia em Protágoras e Antifonte, de José Augusto Caiado Ribeiro Graça; Os grandes Sofistas da Atenas de Péricles, de Jacqueline de Romilly; Sofista, de Giovanni Casertano; Os sofistas, de Gilbert Romeyer-Dherbey; Ensaios sofísticos, de Barbara Cassin, dentre outros), não encontrei nas nominadas uma atenção específica para a seguinte frase atribuída por Platão à Protágoras quanto trata do assunto honorários (pagamento por seus ensinamentos):

 

Quando alguém aprender algo comigo, se o quiser efetivamente, paga-me o dinheiro que peço; senão ele vai a um templo, declara sob a fé do juramento o preço que ele estima aquilo que aprendeu e paga-me justamente esta soma” (Platão, Protágoras, 328b).

 

Paul Demont, citado por Alonso Tordesillas em PLATÃO, PROTÁGORAS E O HOMEM-MEDIDA (Traduzido do francês por João Hobuss (UFPel) e Luís Rubira (UFPel). in Plato’s Theaetetus” em Antoni Bosch-veciana (ed.), Philosophy and Dialogue. Studies on Plato’s Dialogues, vol. II. Barcelona: Barcelonesa d’Edicions, 2009. (disponível na internet em 03.08.12), aborda o tema por ângulo diverso do que ora nos leva a formular as seguintes dúvidas:

 

a) Protágoras, agnóstico ou ateu, levaria seu aluno a um templo para exigir-lhe juramento?

 

b) Se era seu aluno, tinha aprendido com Protágoras que os deuses existem ou que não existem?

 

c) Os deuses somente existiriam para o aluno?

 

d) Mas o aluno não tinha aprendido com o mestre, e, justamente por ter aprendido é que teria que pagar?

 

São dúvidas que deixo aos mestres a incumbência de respondê-las, guardando, para mim mesmo, por enquanto, a resposta que aflora das próprias perguntas formuladas.

 

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