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Ainda a briosa polícia brasileira e a PEC 37.

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O policial é sempre um membro do Ministério Público que parou no meio do caminho e foi chorar seus males.

O desentendimento interpretativo sobre a faculdade constitucional de o Ministério Público poder investigar ou não crimes vem de longe! Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, já que não se pode falar da batalha travada no seio da Constituinte (1987/1988) sobre o assunto.

 

Para essa não pacificação muito contribui muito a omissão do Supremo Tribunal Federal em julgar definitivamente o tema (sobre isso escrevi em 25.05.1999! “O Ministério Público, a Polícia e o Supremo”. Correio Brasiliense, 25/05/1999, Revista Consulex, Ano III, nº 32, ago/99) (está em: http://www.osoriobarbosa.com.br/node/294).

Está em tramitação no Congresso Nacional a PEC 37, que dá o monopólio da investigação criminal à Polícia!

Defendendo o citado projeto de Emenda Constitucional, as associações policiais (ADPF e Adepol do Brasil) vieram a público dizer, dentre outras barbaridades, as seguintes:

“1) Retira o poder de investigação do Ministério Público. MENTIRA. Não se pode retirar aquilo que não se tem. Não há no ordenamento constitucional pátrio nenhuma norma expressa ou implícita que permita ao Ministério Público realizar investigação criminal. Pelo contrário, a Constituição impede a atuação do MP ao dizer que a investigação criminal é exclusiva da Polícia Judiciária.”.

Essa afirmativa desmente, e é uma ofensa, aos próprios autores da PEC!

Pergunta-se: para quê, então, uma PEC para negar a negativa?

Se não há tal permissão, não precisaria da PEC para dar a pretendida exclusividade!

A nota diz, então, que o Parlamento é idiota?

O cargo de Delegado de Polícia Federal existe? Se seguirmos a lógica da nota não, pois não existe tal cargo na Constituição Federal de 1988!

“2) Reduz o número de órgãos para fiscalizar. MENTIRA. Muito pelo contrário. Quando o Ministério Público tenta realizar investigações criminais por conta própria ele deixa de cumprir com uma de suas principais funções constitucionais: o de fiscal da lei. Além disso, não dão atenção devida aos processos em andamento, os quais ficam esquecidos nos armários dos Tribunais por causa da inércia do MP. Os criminosos agradecem.”.

Vejam o nível do conhecimento jurídico dos redatores da nota: “...não dão atenção devida aos processos em andamento, os quais ficam esquecidos nos armários dos Tribunais por causa da inércia do MP...”!

Processo parado em Tribunal é culpa do Ministério Público? Os redatores ainda não sabem que o MP não integra o Poder Judiciário?

Lastimável!

Mas é sempre assim. Como não têm coragem para criticar diretamente o Poder Judiciário, o fazem por vias transversas, não percebendo o ridículo a que se expõem.

“4) Vai contra as decisões dos Tribunais Superiores, que já garantem a

possibilidade de investigação pelo Ministério Público. MENTIRA. A matéria está sendo examinada no Supremo Tribunal Federal. Em vez de tentar ganhar poder ‘no grito’, o MP deveria buscar o caminho legal que é a aprovação de uma Emenda Constitucional.”.

Como se disse, embora seja claudicante, o STF tem inúmeros julgados em favor do poder investigatório do MP. E, se a nota não sabe, é o STF o intérprete último da Constituição.

Dois exemplos:

HC 89.837. a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu, por votação unânime, o Habeas Corpus (HC) 89837, em que o agente da Polícia Civil do Distrito Federal Emanoel Loureiro Ferreira, condenado pelo crime de tortura de um preso para obter confissão, pleiteava a anulação do processo desde seu início, alegando que ele fora baseado exclusivamente em investigação criminal conduzida pelo MP.

HC 91661, de Pernambuco, relatado pela ministra Ellen Gracie, também envolvendo um policial, em que a Segunda Turma rejeitou o argumento sobre a incompetência do MP para realizar investigação criminal.

“5) Gera insegurança jurídica e desorganiza o sistema de investigação

criminal. MENTIRA. O que gera insegurança jurídica é o órgão responsável

por ser o fiscal da lei, querer agir à margem da lei, invadindo a competência das Polícias Judiciárias. A investigação criminal pela Polícia Judiciária tem regras definidas por lei, além de ser controlada pelo Ministério Público e pelo Judiciário. Por ser ilegal e inconstitucional, na investigação criminal pelo Ministério Público não

há regras, não existe controle, não há prazos, não há acesso à defesa e a atuação é arbitrária.”.

Polícia Brasileira falando de arbítrio? Só pode ser do arbítrio dos outros!

“6) Impede o trabalho cooperativo e integrado dos órgãos de

investigação. MENTIRA. Cooperação e integração não é sinônimo de

invasão de competência. Quando cada um atua dentro dos seus limites

legais, a Polícia Judiciária e o Ministério Público trabalham de forma integrada e cooperada. Entretanto, a Polícia Judiciária não está subordinada ao Ministério Público. O trabalho da Polícia Judiciária é isento e imparcial e está a serviço da elucidação dos fatos. Para evitar injustiças, a produção de provas não pode estar vinculada nem à defesa, nem a acusação.”.

Algo técnico: polícia e Ministério Público não têm “competência”, mas atribuição. Competência (medida da Jurisdição [dizer o direito]) é restrita ao Poder Judiciário.

A Polícia não está subordinada ao Ministério Público? Santa ignorância, “Batman”!

Existem inúmeros provimentos, por exemplo, que impõem a tramitação do Inquérito Policial diretamente da Polícia ao MP, não passando mais pelo Juiz. Mas, para os autores da nota isso deve ser um erro monumental do Poder Judiciário!

E o “controle externo da atividade policial” (CF/88, art. 129, VII)?

“7) Polícias Civis e Federal não têm capacidade operacional para levar

adiante todas as investigações. MENTIRA. O Ministério Público não está interessado em todas as investigações, mas só os casos de potencial midiático. É uma falácia dizer que o Ministério Público vai desafogar o trabalho das polícias.”.

Pode até ser!

Mas o MP está sim interessado mesmo é em investigar os policiais arbitrários e os que mandam (determinam) que a polícia atue arbitrariamente. Como os chefes de todas elas e contra os quais elas jamais agem!

“8) Não tem apoio unânime de todos os setores da polícia. FALÁCIA. Quem estiver contra a PEC da Cidadania deveria ter a coragem de revelar seus reais interesses corporativos, os quais estão longe do ideal republicano. Não é possível conceber uma democracia com o Ministério Público reivindicando poderes supremos de investigar e acusar ao mesmo tempo.”.

Nos Estados Unidos, país admirado por tantos e treinador de nossas polícias, em especial em tortura, isso ocorre: o MP investiga e acusa!

Mas lá é lá!

“Poder supremo” investigar e acusar? Quanto convencimento achar que se ter parte nisso é ter poder supremo!

O Poder Supremo, se é que existe, está nas mãos de quem julga, portanto, do Poder Judiciário.

Ah! Ia esquecendo, é que em delegacias se chega a ter realmente o poder supremo, pois lá se julga e se executa, aplicando-se até a pena de morte! Esta, juridicamente, não existe no Brasil, exceto nas delegacias do país.

(a exceção da guerra externa não conta).

“9) Vai na contramão de tratados internacionais assinados pelo Brasil.

MENTIRA. Os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, entre eles a Convenção de Palermo (contra o crime organizado), a Convenção de Mérida (corrupção) e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional determinam tanto a participação do Ministério Público quanto da Polícia Judiciária. Entretanto a participação de cada um, assim como das demais autoridades, está regulada no ordenamento jurídico pátrio que não contempla a investigação criminal autônoma produzida diretamente pelos membros do Ministério Público.”.

Alguém compreendeu isso? Nega para depois confirmar ou confirma para depois negar?

A próxima nota das Associações deve ser redigida pela “mãe Dinah”.

“10) Define modelo oposto ao adotado por países desenvolvidos. MENTIRA. O Brasil, junto com os demais países da América Latina, comprometeu-se com o sistema acusatório, onde a Polícia Judiciária investiga e o Ministério Público oferece a denúncia. Os países europeus que atualmente adotam o sistema misto, com juizado de instrução, estão migrando para o mesmo sistema adotado pelo Brasil.”.

Diálogo difícil!

A América do Norte foi esquecida propositalmente?

O “sistema acusatório”, para quem não sabe, só veda que aquele que acusa julgue. Jamais vedou a investigação e a acusação pelo mesmo órgão!

A lição dos mestres é: quem investiga não pode julgar! Simples assim!

Portanto, as Associações estão bastante confusas e desinformadas, o que, pela qualidade dos relatórios que a maioria dos seus delegados produzem já era de se esperar.

Se, desde a Constituição Federal de 1988 o Ministério Público vem investigando, vai uma pergunta fundamental ao estimado leitor:

- você conhece um caso, um único, um zinho, de tortura praticado por membro do Ministério Público?

Será que as Associações fazem esta pergunta em relação aos seus?

Cidadão, só para nós aqui, responda:

“Se um dia, e esperamos que esse dia jamais chegue, seu filho, que não fez nada, for ser investigado por algo, para segurança física dele, você prefere que ele seja investigado pela Polícia ou pelo Ministério Público?”

“Se seu inimigo rico e poderoso for ser investigado, você prefere que eles seja investigado pela Polícia ou Pelo Ministério Público”

Pois é cidadão...

Por fim, doutrina o mais genial dos atuais juristas gaúchos, Jorge Luiz Gasparini da Silva, na sua monumental obra, o seguinte:

“O problema, além desses, é mais em cima (diz respeito à repartição e a independência dos Poderes): a jurisdição criminal terá um ‘leão-de-chácara’ com o monopólio de dizer o quê, quando e quem será processado e julgado, ou não, pela jurisdição criminal (de auxiliares ascenderão, se passar a PEC 37, ao comando da Justiça Criminal). O Poder Judiciário em uma de suas facetas de maior relevância (sem contar os já alinhados inúmeros percalços que ocorrerão ao ‘órgão custos legis’ e titular da ação penal pública) só atuará quando o servidor subalterno do Poder Executivo disser quando, como e da forma que ele encaminhar os seus inquéritos.

A cara-de-pau é maior pois não bastasse isso, é só dar uma breve espiada na história e nos atuais noticiários que sempre mostram os não raros abusos da polícia.”

Não esqueçamos essa tão profunda análise, portanto

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