Golpes
de Jean Mackert
Creio que lendo Nabokov (Lições de Literatura) ele cita o livro “Golpes”, de Jean Meckert.
A citação é tão envolvente que me fez correr atrás do livro.
Não encontrei tradução brasileira.
Encontrei uma tradução portuguesa da editora Antígona. O tradutor é Luís Leitão. Edição de 2015.
Comprei pela internet. O aviso de chegada me foi enviado quando eu estava de férias. Tinha quinze dias para retirar. Não o fiz. O livro foi devolvido à remetente. Pedi que me reenviassem. Fui atendido. Recebi a obra em 12.03.19.
Comecei a ler imediatamente, nas horas vagas, claro, e terminei a leitura em 18.03.19. Rápido, portanto.
Gostei da obra, mas ela é desconcertante e mexeu muito comigo, especialmente pelas agressões físicas sofridas por Paulette, mulher do narrador, Félix (o livro é narrado em primeira pessoa), embora ela e sua família sejam uns chatas e ele um “fdp” que não sabe conversar, mas, bater no rosto de uma mulher como se bate no de um homem em uma luta de “vale tudo” sem luvas é demais para minha sensibilidade, especialmente pelo carinho e respeito que nutro pelas mulheres.
Contudo, o livro é uma obra de arte, uma ficção, o qual, portanto, serve como guia para a vida, de modos que possamos, pelo que com ele aprendemos, evitar certas barbaridades bem humanas, “demasiadamente humanas”!
Mas quero escrever aqui, além de transcrever algumas frases muito belas, algumas diferenças entre “os idiomas” “português” e “brasileiro”, que tornam a leitura, às vezes, complicadas para quem não lê constantemente a língua de Camões editada em seu berço!
Vamos lá aos exemplos que destaquei (com a ajuda de dicionario.priberam.org) (os números se referem às páginas onde estão as palavras):
(As palavras podem ser comuns para uns eruditos e para os meros leitores casuais não, claro, então, o que estou pedindo é ajuda e, ao mesmo tempo sugerindo talvez uma uniformização que, aparentemente, não veio com o acordo ortográfico recente!)
Em Portugal No Brasil
Cerimónia Cerimônia
Metro Metrô
Bucha (7) “Pequena refeição ligeira.”
Primavera (com maiúsculas as estações do ano) primavera
Papel sensível (7) Papel fotográfico(?) Filme(?)
Edredão Edredon
Pólos Polos
Balde higiênico Balde para papel higiênico
Bigodaça Bigodaço ou bigodão
Encáustica (11) “Camada de cera sobre que se pinta” Palavra incomum
Fazia fresco (Nem frio, nem quente) Fazia um pouco de...
Tasca (local modesto que vende bebidas e refeições.) Taberna e/ou Bodega
Caroço (12) Dinheiro
Purga (12) (Eliminação de indivíduos considerados indesejáveis ou pouco seguros por seus dirigentes ou superiores.)
Pisgado (Sair ocultamente e à pressa de um local)
Sítio Local
Cave (13) Adega
Levava Cobrava
(“... eu tinha experimentado fazer trabalhos desse tipo. Ao princípio, ele não quis, mas depois perguntou quanto é que eu levava”).
Carripanas (15) Carro velho/fora de moda
Meças
Embraiagem (17) Embreagem
Mástique Tipo de resina usada em canos (?)
Subtis (18) Sutis
Campónio Campônio
Fatiota (19) Roupa em geral/vestimenta
Coscuvilheiras Bisbilhoteiras
Genica Força/energia/vigor
Deitar fora Jogar fora
Mudámos (20) Mudamos
Trocámos Trocamos
Carnuça
Tintol (22) Vinho tinto/qualquer tipo de vinho
Connosco Conosco
Tasco Taberna
Mónaco Mônaco
Trémula Trêmula
Boião de grés (27) Boião = vaso / grés: espécie de argila [vaso de argila?]
Camião Caminhão
“Fazer-lhe e folha” (p. 28)
Entoações Entonações
“Estudo de pintura”
Pegado (32) Contínuo [que se prolonga sem interrupção] ou se for sobre uma pessoa: zangado (?)
Rojar-se humilhar-se
Desaguisado Rixa/discórdia
Calaceiro Preguiçoso/vadio
Gajo Fulano (quando você se refere a alguém que não sabe o nome ou não quer falar). No tom pejorativo seria como chamar de “astuto”.
Miúdo/a Criança (ou menino ou menina)
Caraças (36) Impressionante! (Acredito que seja como quando falamos “caracas!”)
Caminhos-de-ferro Estradas de ferro
Retretes Privadas
Expedição
Estupefacto (40) Estupefato
Roçava
“ao corrente”
Élide
Pegado na mão (42)
Incómodo (44) Incômodo
Biberão Mamadeira
Pintalgava (45) Coloria (?}
Tasqueiro Taberneiro
Cobardes Covardes
Ingénua (46) Ingênua
“Sair do quente” (47)
Génio Gênio
Caluda
Vómitos Vômitos
Grimpa Parte giratória do cata-vento OU “Baixar a bola” (depende do contexto)
Lamechas (49) Piegas/sensível
Digo-to Digo-te
Clarete Vinho tinto mais claro
Jurámos Juramos
Tropeçámos Tropeçamos
Procurámo-la (50) Procuramo-lá
Estafermo Tolo
Aceite (53)
Tracção Tração
Papelinhos de carnaval (54) Confete
Lá abaixo Lá em baixo
Sensaborões Importunos/Que perturbam
Montes de condutas de betão Canos de esgoto (+- isso)
Optimista Otimista
Magoaste-te
Massaja (59) Massagem
Puto Garoto
Desenxabido Sem graça
Pacotilha (62) Obra mal acabada/de pouco valor
Catraio Garoto
Um crava Um aproveitador
Cheta Trocado (pequena quantidade de dinheiro)
Indrominar (64) Enganar
Sarilhos Depende do contexto, coloquialmente é “confusão”/’desordem’”
Tecto (66) Teto
Pirou-se (68) Fugiu/ Se safou
Sapadores Soldados do batalhão de engenharia/explosivos
“Mais coisa menos coisas” (69)
Amachucadas Abarrotada/machucada
Guarda-lamas (71) Para-lamas
Facto Fato
Hem? (72) Hein
Estão-se nas tintas
Sacanice (73) Sacanagem
Tramado Prejudicado
Lazeira Preguiça
Inverno inverno (minúscula)
Verão verão (minúscula)
Tretas (75) Coisas sem importância
Género Gênero
Cómoda Cômoda
“O retreto à hora de ponta” (76)
Galatina
Consoada (76) Uma ceia leve que se toma à noite
Crónicas Crônicas
Risota (77) Risadinha/risada de menosprezo
Pifo (80) bebedeira (talvez bêbado?)
Piela bebedeira
Autoclismo descarga (da privada)
“Perco o pio” (81) Perco a resposta/fico sem resposta
Coirão Mulher promíscua/prostituta
Delambida (82) Presunçosa
Monos (84) Estúpidos (depende do contexto)
Pedichona
Chinesices (87) Esquisitices
“Orelhas moucas” Surdas
Abjecto Abjeto
Abril (89) (maiúscula) juventude/época em que é jovem
[Eu diria que é como quando
falamos na primavera da vida/flor
da idade, talvez.]
Magalas soldados
Nogado Doce de nozes português
Carrinhos de choque Carrinhos bate-bate
“Com a mala de senhora debaixo do capot”(91)
Baptizamo-los Batizamo-los
Chupa-chupa Pirulito
Rulotes (92) Trailer (veículo)
Casa de banho (95) Banheiro
Uma assoalhada
Todo giro
Ascensor (depois ele usa elevador) Elevador
Colector Coletor
Mandriona (97) Preguiçosa (?)
Fieiras
“numa data de coisas”
Moscovo Moscou
Casa de jantar (100) Sala de jantar
Pamir
Caloiro Calouro
“preciso de explicar”
“a cem a hora” (101) a cem por hora (km/h)
Manducar (103) Mastigar
Estávamo-nos nas tintas “Não estava/estávamos nem aí”
Mais pequeno (105) menor
Casinhotos Casas/casinhas
Gáspeas Bico do sapato (também pode ser ‘dar umas bofetadas em alguém”)
Mãos-largas Generoso
Baboso Apaixonado/tolo de amor
Rapariga Moça/menina
Sítio estranho (108) Lugar desconhecido
Fato Paletó/terno
Mandrião Preguiçoso
Colónias Colônias
Gajas ao se referir a garotas /mulheres que não se sabe o nome ou não quer falar o nome/ ‘pessoas’
Pacotinha
Uma gaiata travessa (mulher)
Passámos (110)
Papá Papai ou pai
Madraço Preguiçoso/vadio
Gramava Aturava (?)
Pildra (111) Cama ou prisão
Borla calote
Cachopa (113) moça
Porquê (se é uma pergunta, no Brasil, a palavra seria separada?)
Estaline Stalin
Cobardolas (115) Medroso
Vedetas Vedetes (Celebridades ou pessoas que gostam de aparecer).
De andar à pressa (118) De andar de pressa (correr/fazer rápido).
Pratos que se confeccionava Cozinhar (?)
Suas costeletas (119)
Rabos
Vinagreta (121) Vinagrete ou vinho porcaria
Adoptado Adotado
Altifalante Autofalante
Nimas
“instalado” “queridinha”
Matulão Troncudo (homem forte)
Gira-discos (122) Toca-discos
Actualidades Atuallidades
Nádegas Lá onde o tradutor usa “bunda”, no Brasil, possivelmente se usaria nádegas ou glúteos.
Baptistas Batistas
Para nós os dois Para nós dois
Zaragata Desordem/Barulho
Vou-ta (123) Vou-te
Bancos rebatíveis Bancos reclináveis ou retráteis(?)
Com som a fundo Com música ambiente. Com um som ao fundo.
Era a ração que começava (124)
Folhetos
Rabo (126
Rapava Raspava/puxar por
Fartote Fartura
Botoeira
Sinetas Sinetes
Colectas (129) Coletas
Bandeiras despregadas
Tinha ficado conquistada
À-vontade À vontade
Falámos (131) Falamos
Harmónicos Harmônicos
Ficámos (132) Ficamos
KO Nocaute
Objectivos Objetivos
Equipa Equipe
Objecções Objeções
Colectivas (133) Coletivas
Entregámo-nos (135) Entregamo-nos
Mostrou-ma Mostrou-me
Estás a ver Andrómeda (137) Estás vendo Andrômeda
E mesmo mais,
Camisa de noite Pijama
Te vens dormir Vens dormir
No rabo (140)
Dobrar o cabo do café
Cavaqueira Mulher que faz ou vende doces
Tarte (143) Torta
Bibes Babador
Semicolcheia
Anafada Gordinha/bem nutrida
Autocarros (147) Ônibus
Que ganho a loteria
Loja de comércio
Estou nas tintas (147) Me lixando?
O gaiato (148) Jovem travesso
Labrego Malcriado
Hem
Que se vá lixar (151) Que se dane?
Fiquei siderado (152) Fiquei perplexo
Peplo
Em segunda mão
Feita de ladra (156)
Prémio (157) Prêmio
Chichi (159) Xixi
Pacholas Sossegado/Indolente
Gostavas de ter uma casa no campo?
Zona onde havia pé Local onde dá pé
Fatos-de-banho (160) Roupas de banho
Corrente Correnteza
Catita (161)
Embezerrada (163) Emburrada
“Dizer uma data de coisas”
Remoinhos (164) Redemoinhos (?)
Te topo (166)
Galdéria Promíscua
Data de coisas (168)
Deitámos Deitamos
Comboio (169)
Brigámos Brigamos
Uma cena e pêras (171)
Prepáramos Preparamos
Boa-tarde
A luz se foi abaixo Caiu?
Busílis (173) O ponto da questão
Dores de cabeça Dor de cabeça
Mistela Vinho quente?
Polémicas (175) Polêmicas
Sem cola nem ferro (178)
Apánhamos Apanhamos
Trepámos Trepamos
Excepção Exceção
Brilharetes (178)
Embarcámos Embarcamos
Bofes Pulmões
Anquinhas
Económica (179) Econômica
Tacto Tato
Projectos Projetos
Bicados (182)
Jogámos Jogamos
Caves de cofre-forte (183)
Nado-morotos (2 hifens) e p. 206 (mata-me)
Esplanada
Estaminé Bar/boteco/estabelecimento
Berças
Debicar (184) Provar (comida)/caçoar
Mecânicos com ^
Bugiar (186) “Vá procurar o que fazer”
Regressámos Regressamos
Concordámos
Comprámos
Cautela (187)
Me desabobinou o plano de batalha(189)
Era um pouco puta
Desmancho ou assistência pública (criança)
Dar o corpo ao manifesto
Jesuitar a consciência
Actualmente
Maquilhada (191)
Oiça
Reflectira
Projecções (193)
Projécteis (196)
Marimbando (187)
Pespeguei
Cerimónia
Rectilíneas (200)
Emborcamos mais uns copos (201)
Toldado
Exactamente (202)
Pago a minha renda
Ralada
Estalo
Catadupa
Estar com um grão na asa
Tacões esmagadores (205)
Lombrigas (206)
Dá-mo-cá
Os pontos nos is (208)
Apalpar terreno (209)
Estou-te (209)
Exacto
Irónica (210)
Umas sanduíches (211)
Lá lata não lhes falta
Cangalhas
Copo do termo
Esperámos (213)
Direcção Direção
Atracção Atração
Projectadas (215) Projetadas
Acto Ato
Fracção Fração
Parlapiê
Melómana (216) Melômana
Assestado (219)
Dois cais
Atónita Atônita
Estás com os azeites? (225)
Continuámos Continuamos
Ir à esquadra (227)
Dar uma mija
Bera (231
Embatucámos
Facturas (234) Faturas
Amámos Amamos
Insecto Inseto
Académico (236) Acadêmico
Mala de mão (233) Pasta
Trouxe-mouxe
Alheta (240)
Bebedolas
Bigudis
Ar fresco
Pensava uma data de coisas (246)
Contracções Contrações
Bibe (248)
Marmota feita de jornal
Casas esventradas
Mamã (249) Mãe ou mamãe
Um polícia O policial (regra)
Travou (251 freou
Vou dormir ao hotel (251)
Afecta Afeta
Lá lata não vos falta (252)
Anda a fazer o pino (257)
Lava-loiças (259) Lava-louças
Rectângulo (2 coisas) Retângulo
Eléctrico Elétrico
Uma malga de café (260)
Alarve (264)
Tareia
Lixada (268)
“nados—mortos” (2 hifens) p. 183
No Brasil tirando o “seu Zé”, quase não se usa o “Pelintra”!
“Zé Pelintra” é um entre sobrenatural cultuado por algumas pessoas.
Assim, ficam todos convidados a nos (eu e mais um!) traduzir as palavras e frase acima. E, desde já, obrigado.
Frases que me marcaram por suas belezas (lirismo, ironia etc.):
“Fora buscar a mulher ao mercado de usados, em segunda mão.”, p. 249.
“És menos que nada.”, p. 238.
“Ficou hirta, a olhar para o tecto.”, p. 225.
“A arrastar maldosamente as palavras.”, p. 224.
“Com ar calmo à superfície.”, p. 224.
“Por vezes há pequenos nadas como este que assumem uma importância enorme.”, p. 219.
“Rajadas de estupidez.” p. 213.
“Recapitulando o passado para dele fazer uma história.”, p. 211.
“Queixumes caligrafados.”, p. 208.
“Quando pensou que eu já estava fora de combate tornou-se francamente agressiva.”, p. 204.
“- Ah! Já chega! Estou farto de tuas cenas!
- Mas eu não te disse nada! – disse ela com ar admirado.”, p. 203.
“Sim, passámos bons momentos, somente a viver. Vimos bem, por aqui e por ali, todos esses, segundos impossíveis de esmiuçar que se chamam felicidade, feitos de pequenos egoísmos, de imensos esquecimentos, cobertos de obscenidade à força de serem felizes, impossíveis de contar, como insultos lançados ao rosto do mundo.”, p. 200.
“Dava-me gosto ser analisado com palavras simpáticas... Que fosse verdade ou não, era o menos importante. Deixei a minha Paulette inundar-me de cambiantes.”, p. 182.
“Aquele olhar, esse pequeno nada que brilhava.”, p. 181.
“O seu rosário de tristezas.”, p. 175.
“Comecei por dar-lhe uns beijinhos, ao que ela correspondeu. Estávamos ainda longe da aversão total.
Mas esta situação não podia durar uma eternidade. Amávamo-nos, sentíamos isso perfeitamente, mas o busílis da questão eram as investidas do amor-próprio.”, p. 173.
“O vazio envolto em papel de sede.”, p. 169.
“A miúda era o desgosto personificado.”, p. 167.
“No fundo, a vida é estúpida, é absurda. Não sabemos o que queremos, nunca. Nunca é isso... Eu amo, tu amas, ele ama, e depois fartamo-nos na mesma...”, p. 165.
“Com nádegas e seios que se encaminhavam pouco a pouco para a gelatina.”, p. 157.
“Era precisamente do seu amor morto que eu tinha ciúmes.”, p. 139.
“Não queres fazer um sorriso?”, p. 139.
“Sim, política! Bela ciência! Mas não é para nós! Para isso há profissionais, que nos repugnam sempre um pouco.”, p. 134.
“Escolhemos o menos mau na bela folia de cabaret, e depois partimos as trombas aos outros. É a vida que o impõe.”, p. 134.
“Gritamos palavras, tesos como falos a fornicar o caos.”¸ p. 133.
“Nós pensamos no Pão, e não tanto na igualdade. O Pão para todos, o mínimo, o trabalho garantido, a coragem de viver. Isso não é um mal!”, p. 133.
“A moda é feita para pessoas sem gosto.”, p. 127.
“Mas, enfim, toda a gente tem a mania de se julgar superior à fama que tem... Adiante!”, p. 126.
“Usurpava meu silêncio.”, p. 126.
“É claro que bastaria não fumar, mas para isso teria de haver um fanfarrão não fumador neste cinema para tomar a decisão suprema.”, p. 123.
“-Sim... sim... – dizia eu para comer sossegado.”, p. 120.
“devorar o jornal, a fazer-lhe cuspir aquilo que ele não queria dizer.”, p. 119.
“A vida não é nada mais do que isso, pequenos nadas a que damos muita importância.”, p. 118.
“Trabalho, dizia eu para mim mesmo, e mais trabalho... não é propriamente um artigo de qualidade, como vida. É um artigo vulgar, do mais simples que há, de saldo. É claro que ele é preciso, e muito, mas porquê ela e eu?”, p.113
“Ficaria uma verdadeira mulher de rico se a vestissem bem.”, p. 107.
“Na oficina há muitos resignados. Tinham chegado sem amargura, com naturalidade, copiadores. O resultado era o mesmo. Não há lugar para a revolta.”, p. 104.
“Quer queiramos quer não, para nós o trabalho tem uma importância fundamental. Não podemos deixar de pensar nele. Não há nada a fazer, de certo modo estamos cá para isso, fossar para o próximo e manducar um pouco.
É uma simpática marcha forçada, não é para apanhar flores. Para as flores, estão cá outros. Não somos nós!
Na minha juventude, era um revoltado, estava farto de trabalhar para viver e de viver para trabalhar.
Queria outra coisa, uma corrente de ar fresco, uma mudança. Não estava habituado, não tinha a resignação dos velhos. Queria falar do descanso, para saber, apesar de tudo, como é a vida fora das fábricas e dos quartos piolhosos.
Em resumo, uma necessidade de explodir
Passeei a minha indigência por todo o lado. Mas não é isso que quero contar. Essa fase acabou. Recomecei a vida, tornei-me o bom rapaz resignado com um monte de desculpas pessoais e sensatas. Ponto final à juventude.”, p. 103.
“Estou certo de que nessa altura fui amado. É o contrário que não seria possível. Eu amava a minha Paulette, e era capaz de dar cabo de mim se a perdesse.
Não é uma treta, nem se trata de resignação. Era um verdadeiro renascimento, uma coisa completamente nova, emoções de rapazinho, sonhos de caloiro. De modo nenhum uma felicidade de funcionário.
Devia contar isso como uma viagem longínqua, agora que tudo está murcho e sangrento e me deixou o coração apertado como se tivesse descido aos infernos.
Os altos planaltos vão longe. A vida toda é feita de descer, disso não há dúvida.
[...]
Mas eu percebo pouco da vida. Sei apenas que podemos ser felizes e a seguir infelizes. Não sei ainda se isso tem explicação.”, p. 101.
“Tudo era novo, eu tinha um grande coração que me ocupava toda a caixa torácica, que batia em todo o lado sob a pele, que subia para me apertar a garganta e me sufocava em menos de nada.
A música, talvez?... Por vezes, chorei. É ridículo, eu sei, mas não vejo porque não haveria de o dizer.”, p. 100.
“Reflectindo sobre o passado, é possível que tenha sido nessa altura que conheci a verdadeira felicidade, sem pensar em nada que não fosse viver simplesmente com uma mulherzinha apetitosa. Agora, cada vez que quero encontrar frescura e felicidade nas minhas recordações, é ai que me detenho, nesse momento bem egoísta, quando éramos dois a chatear toda a gente.
Tudo coisas que não são para contar. Sem sofrimento, não existe história, arte, civilização, nada. Já sabemos.
Se virmos bem, a felicidade é sempre qualquer coisa de obsceno.
Um contentamento perfeito, tanto à superfície como em profundidade, comer bem, gozar a vida, em espasmos ou em preces, eis a base de tudo. O resto não passa de uma grande farsa e de um biombo. A felicidade é começar por nos fecharmos num grande egoísmo. Não é que seja bonito, mas é repousante.”, p. 99.
“O ascensor [...] Não cabiam lá gorodos.”, p. 98.
“Porque é que um homem é mais forte do que uma mulher?
Grande pergunta, que nos leva à fonte dos privilégios.”, p. 90.
“E, quanto a argumentos, sou um bocado lento. Geralmente precisava de umas vinte e quatro horas para lhe responder à letra.”, p. 88.
“Seria muito difícil amar uma mulher e a verdade ao mesmo tempo”, p. 85.
“Em casa deles era tudo como deve ser, até as descomposturas”, p. 83.
“Ria-me sempre fora do tempo”, p. 77.
“Sua famosa decisão enérgica de mandar metade do pessoal para o desemprego”, p. 71.
“Reduzia-lhe o cérebro à força de o cercar de descomposturas”, 67.
“Nós, as pessoas normais, cuspíamos-lhes em cima. Julgávamo-las de um plano superior”, p. 65.
“E a sessão de mexericos, por pequenos nadas, prosseguiu incansavelmente”, p. 62.
“É incrível a quantidade de coisas que se podem dizer assim sem mais nem menos para não dizer nada”, p. 61.
“Consideração engarrafada”, p. 60.
“Tinha conquistado um lugar com o suor da minha língua”, p. 57.
“Ela ria a bom rir”, p. 52.
“O rei dos sacanas, o imperador dos safados”, p. 49.
“No fim de contas, não tenho sorte. E eu também não”, p. 48.
“Defino a forma, sublimo-a, sinto a cor certa a chegar. Olha-me para esta matéria, se não é uma coisa nova, se não é espessa e profunda e tudo, se não é o universo que fiz aqui!...”, p. 47.
“Caminhos laterais e de perspectivas.”, p. 47 .
“Durou um dez minutos bem medidos”, p. 43.
“Perguntou-me se gostava de frango. Eu, por mim, gostava de tudo”, p. 41.
“Tinha medo de levantar a tampa, mas ao mesmo tempo queria ver mais fundo”, p. 30 .
“Meu passarinho azul”, p. 29 .
“A madrugada chegou, alegre como um Verão inteiro, com os pardalitos que faziam já amor, eles que tinham apenas duas categorias, macho e fêmea, e não toda esta nossa compartimentação, casados, não casados, que leva a que nunca seja o momento ou o parceiro adequado...”, p. 28.
“Jurara não me moer mais com isso, mas uma pessoa não muda.”, p. 28.
“Uma pombinha bem torneada a quem eu ainda não tinha desistido de deitar a mão”, p. 25.
“Umas boas recordações por pouco dinheiro”, p. 25.
“Porém, isso não me deixava totalmente feliz. Estava farto da minha solidão. Só precisava de uma putazinha qualquer para viver bem. Era capaz de dar metade do meu salário, ou mesmo o salário todo, para ter uma mulher na minha cama desfeita. Mas isso todas as noites. E de falar com ela, também. E de ter o prazer de a despir quando me apetecesse, e de a fazer girar nos meus braços e ouvi-la rir, um verdadeiro riso de mulher, para mim.”, p. 24.
“Mesmo assim era um gajo porreiro; não era lá muito forte mas sabia tudo sobre desportos, fossem eles quais fossem. Incapaz de correr os oitocentos metros a trote ligeiro, não conseguia saltar um metro e quarenta em altura nem lançar o peso a sete metros. Mas não tinha importância, conhecia toda a gente e os termos técnicos, nunca se cansava, sempre a perdigotar sobre aquilo.”, p. 24.
“Aquilo aborrecia-me um pouco, pois teria o maior dos gostos em fazer dos versalhês um cornudo”, p. 23.
“Fiquei a protegê-la com os braços, muito bem comportado, mas consumido por dentro.”, p. 21.
“Em suma, as nossas conversas eram quase literárias, elevadas e não muito triviais, como acontece quando temos alguém novo a quem queremos agradar.”, p. 21.
“Uma mulher... que fazia parte da paisagem”, p. 16.
“Não era feia de todo”, p. 16.
“Procurava desenroscar-me o melhor possível”, p. 15.
“Foi assim que recomecei a minha vida em segunda edição.” p. 14.
“Tive os genitais em acção antes dos miolos.”, p. 14.
“Temos uma traça dos diabos. Somos capazes de comer tudo e mais alguma coisa, mas não podemos comprar nada.”, p. 9.
É isso!
Obrigado e inté,
Osório