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Reciclagem de "garrafas" (vasilhame) PET (Ação Civil Pública julgada procedente).

Garrafas PET Estadão

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA ESPECIALIZADA DO MEIO AMBIENTE E QUESTÕES AGRÁRIAS DO ESTADO DO AMAZONAS.

 

 

 

 

 

Aquele que defende o meio ambiente, não defende nada para si, mas tudo para todos (parafraseando Khristo Botev que disse: “Aquele que morre pela liberdade não morre por seu país, mas pelo mundo inteiro”)

 

 

Afastando a pieguice,

 

Entre a descrença e o desestímulo, mas com o espírito inabalado pela fé inquebrantável do dever cumprido, vem o Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Estado do Amazonas (MPE), escudado no incluso Inquérito Civil Público (ICP), propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

 

Descrença por se estar quase desacreditando na mudança de atitude comportamental do ser humano, que em pleno século XX continua a se auto destruir.

 

Desestímulo pela rejeição de pleitos anteriores que versavam questão similar.

 

Espírito inabalado por sabermos que estamos lutando pela permanência da vida.

 

Não da nossa vida em particular, mas pela vida daqueles que nos causam a descrença, bem como daqueles que nos desestimulam.   

   

Preambularmente, podemos fazer as seguintes perguntas:

 

- o que será do homem sem o meio-ambiente, do qual é parte integrante?

- onde viverá?

- que futuro o espera? E aos seus descendentes?

- que preço ecológico terá que pagar pelo progresso?

- o que é progresso?  Que vantagens ele o trará?

- quais prejuízos o acompanha?

- qual o valor de uma peça de ouro? De um diamante?

- qual o dano ecológico causado para garimpar tais materiais?

- valem mais que um copo d’água?

- produz-se aço, ferro, alumínio, amônia, plástico, cimento, tintas, etc. Respira-se ou come-se tudo isso? 

- que valor dar-se ao ar que invade os pulmões e é imprescindível para a vida?

- Será substituído por notas de dólares ou mesmo moedas de ouro?

 

Todas estas perguntas estão irrespondidas e são irrespondíveis.

O Estado irresponsável pactuou com os inescrupulosos e estes agem impunemente.

O povo, ignorante e crédulo, quedou órfão de quem nunca o protegeu e quer a sua exterminação.

Dizemos ignorante porque também contribui para poluir, trazendo para si um mal que não queria e não quer.

Crédulo por acreditar que o Estado cumprirá com o seu dever, reprimindo as ações que legalmente vetou. Ledo engano!

A quem reclamar? Ao Bispo? Ao Juiz?

Pela credulidade, ao primeiro, com descrença, ao segundo.

Optando pela segunda alternativa, é isso que faremos a partir de agora. 

 

DA LEGITIMIDADE PASSIVA

A presente ação é proposta contra

 

O GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) , pessoa jurídica de Direito público, o qual deve ser citado na pessoa de seu Procurador , sito à Rua Emílio Moreira, 1308, Pç. 14 de Janeiro, nesta cidade,

 

O MUNICÍPIO DE MANAUS (Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente - SEDEMA), pessoa jurídica de direito interno, o qual deve ser citado na pessoa de seu procurador sito à Av. Brasil, s/nº, Compensa; 

 

As empresas:

 

- Antarctica Indústria de Bebidas, sito à Av. Constantino Nery, nº 2575, Flores, nesta cidade;

- J. Cruz Ind. e Com. Ltda., CGC nº 04.398.251.0001-27, sito à Rua Recife, nº 1098, Adrianópolis, nesta cidade;

- Empresa de Águas Santa Cláudia Ltda., CGC nº 04.560.900.0001-44, sito à Rua Maceió, nº 500, Adrianópolis, nesta cidade;

- Cia. Cervejaria Brahma, CGC nº 33.366.980/0107-58, sito à Alexandre Amorim, s/nº, bairro de Aparecida, nesta cidade;

- Manaus Refrigerantes Ltda., sito à Av. Joaquim Nabuco, nº 1012, Centro, nesta cidade; 

- Amazon Refrigerantes Ltda., CGC nº 02.402.867/0001-07, sito à Rua José Romão, nº 400, Aleixo, nesta cidade; e

- Água Mineral Yara, Rua Recife, nº 1098, Adrianópolis, nesta cidade;

 

DA LEGITIMIDADE ATIVA.

 

 

             Legitimidade do Ministério Público Federal e Estadual

 

A Constituição da República outorgou ao Ministério Público a função institucional de "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (art. 129, III).

 

Referida atribuição está explicitada de forma minudente no art. 6º, VII, b, da Lei Complementar nº 75/93 e no art. 25, IV da Lei nº 8.625/93.

 

Nesse mesmo texto de Lei (art. 5º), consta, também, entre outras funções institucionais cometidas ao Ministério Público do União:

 

III ‑ a defesa dos seguintes bens e Interesses:

.........................................................................

d) o meio ambiente.”

 

E é ainda na Lei Complementar nº 75/93 que se vai encontrar o art. 6º, inciso XIV, letra g, o qual comete ao Ministério Público da União o poder-dever de promover outras ações necessárias "...em defesa da ordem jurídica... especialmente quanto ao meio ambiente”.

 

A alínea “a” do inciso IV do art. 25 da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe que:

 

art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe ainda, ao Ministério Público:

.........................................................................

IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

<![if !supportLists]>a)                <![endif]>para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente ...”

A ação do Ministério Público, no sentido de promover a responsabilização nos casos de condutas resultantes em danos ambientais, encontra respaldo ainda na Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública.

Daí deflui a induvidosa legitimidade do Ministério Público, como instituição una e indivisível, para promover as ações necessárias, em prol da preservação do meio ambiente.

 

DO DIREITO

 

Da legislação de regência da matéria

 

a – Na Constituição:

 

Art.5º ......................................................................

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

..........................................................................

§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Art. 20. São bens da União:

............................................................................

III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

 

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

 

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

 

E,

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

..........................................................................

§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

 

 

b – Na legislação infraconstitucional:

 

b.1 – Na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 8.938, de 31.08.91, com redação dada pela Lei nº 8.028/90):

 

Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

..........................................................................

V – controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras

 

Art. 4º. A Política Nacional do Meio Ambiente visará

..........................................................................

VII – à imposição ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos

 

b.2 – No Código Civil

 

Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

 

 

b.3 – No Código de Defesa do Consumidor:

 

 

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

.......................................................................

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos  e difusos.

 

Art. 7º. Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de Tratados ou Convenções  internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

Parágrafo único – tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo .

 

Art. 9º. O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, à respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis, em cada caso concreto.

 

Art. 12. “Omissis

..........................................................................

§3º. O fabricante, o construtor, o produtor ou o importador só não será responsabilizado quando provar:

I – que não colocou o produto no mercado;

II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

 

b.4 – Na Convenção de Basiléia (aprovada pelo Decreto nº 875, de 19.07.93 – DOU, de 20.07.93):

 

 

PREÂMBULO

As partes da presente Convenção,

Conscientes  do risco que os  resíduos perigosos e outros resíduos e seus movimentos transfronteiriços representam para a saúde humana e meio ambiente,

Atentas também ao fato de que a maneira mais eficaz de proteger a saúde humana e meio ambiente  dos perigos  que esses resíduos  representam  é a redução ao mínimo de sua geração em termos de quantidade e/ou potencial de seus riscos,

Convencidas de que os Estados devem tomar medidas  necessárias  para garantir que a administração de resíduos perigosos  e outros resíduos, inclusive o seu movimento transfroteiriço e depósito, seja coerente com a proteção  da saúde humana e do meio ambiente, independentemente do local do seu depósito,

 

Observando que os Estados devem assegurar que o gerador cumpra suas  tarefas  no que se refere ao transporte e depósito de resíduos  perigosos e outros resíduos numa maneira coerente com a proteção do meio ambiente, independentemente do local de depósito

 

Reconhecendo plenamente que qualquer Estado tem o Direito soberano de proibir a entrada ou o depósito de resíduos perigosos e outros resíduos estrangeiros em seu território,

 

Reconhecendo também o desejo crescente de proibir movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos  e seu depósito em outros estados, especialmente nos países em desenvolvimento,

 

Convencidas de que os resíduos perigosos e outros resíduos devem, na medida em que seja compatível com uma administração ambiental saudável e eficiente, ser depositados no qual foram gerados.

 

Artigo 1º. 

 

Alcance da Convenção

 

1. Serão resíduos perigosos para os fins da presente Convenção os seguintes resíduos que sejam objeto de movimentos transfronteiriços:

a) resíduos que se enquadrem em qualquer categoria contida no Anexo I, a menos que não possuam quaisquer das características transcritas no Anexo III.

 

 

O DIREITO AMBIENTAL NO CONTEXTO INTERNACIONAL

  

Dentre os autores que versaram sobre o tema, temos a lição de Paulo Bonavides, que sustenta que os direitos de primeira geração são os direitos de liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por uma prisma histórico, à fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. Já os direitos de Segunda geração, característicos do século XX, são os direitos sociais, culturais e econômicos introduzidos no constitucionalismo do Estado Social. Por sua vez, os direitos de terceira geração são direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado, mas apresentam como destinatário o gênero humano. São direitos de fraternidade, como o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação (Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 1993, p. 474-482) (grifamos)

 

O meio ambiente está inserido dentre os temas globais, segundo o magistério, dentre outros, de Celso Lafer (in Reflexões sobre a inserção do Brasil no contexto internacional, Contexto Internacional, Rio de Janeiro nº 11, jan./jun.1990, p. 40).

 

Partido dessas premissas, temos que admitir que quando falamos do tema direito ao meio ambiente não podemos pensar isoladamente, é necessário que a reflexão seja procedida com a abrangência que lhe é peculiar, ou seja, é a vida sobre o planeta que merece a atenção de todos aqueles que não queiram seu extermínio para um futuro próximo.

                     

Como nos lembra Ninon Machado de Faria Lema Franco<![if !supportFootnotes]>[1]<![endif]>, “ ... em sendo o meio ambiente bem de uso comum insuscetível de divisão, a satisfação de um interessado, conforme observa Barbosa Moreira, implica necessariamente a satisfação de todos, ao mesmo tempo em que a lesão de um implica a lesão de toda a coletividade.

 

O meio  ambiente saudável é pressuposto necessário ao exercício do primeiro e absoluto direito que é o direito à vida, que depende do exercício de outros direitos fundamentais, sociais e coletivos, de acordo com o princípio nº 1 da Declaração de Estocolmo, de 1972”.

 

O DIREITO AMBIENTAL NO CONTEXTO NACIONAL

 

Prossegue Ninon Machado, lembrando que: “... nessa ordem, as disposições constantes do art. 225 são pressupostos para os fundamentos do próprio Estado Brasileiro, no que concerne à dignidade humana e à cidadania, bem como para os objetivos do Estado quanto à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, ao desenvolvimento nacional e, principalmente, à erradicação da pobreza, da marginalização e da redução das desigualdades sociais e regionais (arts. 1º e 3º da Constituição de l988). A defesa do meio ambiente é fundamento para a ordem Econômica, Política Urbana, Política Agrícola e Fundiária (arts. 170, 182, 184 e 186 da Constituição)”.

 

Diz outro douto: “É falso pensar, entretanto, que é uma lei destinada basicamente a proteger a natureza em detrimento do homem. Tal premissa só seria verdadeira se admitíssemos que o homem não é parte integrante da mesma. Mas sabemos, indubitavelmente, que além de parte integrante dela, o homem é o verdadeiro destinatário das garantias que a lei visa assegurar ao meio ambiente. O homem enquanto gênero, posto que o bem tutelado é comum e indivisível como já vimos acima<![if !supportFootnotes]>[2]<![endif]>.”

 

A ÁGUA COMO BEM IMPRESCINDÍVEL À VIDA

 

“Nem ouro nem petróleo. A próxima guerra mundial será deflagrada pela disputa de água potável.  A previsão, feita pela Organização das Nações Unidas para Ciência e Tecnologia (Unesco) pode parecer até enredo para uma dessas obras catastróficas de ficção que tanto animam Hollywood, mas está cada vez mais próxima do mundo real.  Vista do Espaço, a Terra é um planeta aquático, mas apenas 3% da água é doce, sendo que três  quartos desse total encontra-se congelado nos pólos.  Apenas 0,01%  da água potável está  disponível para o consumo humano na superfície da terrestre.  Como se não bastasse isso, essa água está comprometida com o despejo de bilhões de toneladas de poluentes e esgotos.  Cerca de 16% da água doce do mundo está concentrada no Brasil.  Esse privilégio, no entanto, tem servido de incentivo para o uso indiscriminado, agravando o quadro de contaminação dos mananciais.  Soma-se a isso a desastrosa gestão pública dos recursos  hídricos.  ‘O Brasil não tem escassez nenhuma, o problema é só de gerenciamento’, afirma o professor de Geociência da USP Aldo Rebouças.<![if !supportFootnotes]>[3]<![endif]>

 

É fato público e notório, inclusive demonstrado por reportagens e manifestações de autoridade públicas, que os vasilhames PET, ao serem atirados indiscriminadamente no meio ambiente das cidades, causam obstrução de córregos (igarapés) e bueiros, impedindo o fluxo normal das águas, principalmente pluviométricas, causando graves inundações onde vidas, principalmente de crianças, são ceifadas na caudal.

 

 

DAS CONDUTAS IMPUTADAS AOS RÉUS

 

O Estado do Amazonas, responsável pelo licenciamento ambiental de toda atividade industrial instalada no seu território, não vem , entretanto, exigindo das empresas  efetivamente em operação, ou a se instalar, e que utilizam a embalagem “Pet” em seus produtos, a obrigatoriedade, quando da solicitação e aprovação do licenciamento ambiental, ou quando da renovação deste, de apresentarem um plano de coleta e destinação adequada para as referidas embalagens.

 

A Prefeitura, responsável pela fiscalização e controle sobre a coleta e destinação do lixo urbano, não vem, no entanto, se desimcumbindo satisfatoriamente de tal obrigação.

 

As empresas que utilizam as embalagens PET também nada fazem para minorar ou eliminar a poluição que causam com resíduos de seus produtos, com o que desatentem à obrigação imposta ao poluidor-pagador.

 

É de sabença geral a dificuldade encontrada para recolhimento, guarda e reciclagem das embalagens industriais, garrafas denominadas “PET”<![if !supportFootnotes]>[4]<![endif]>. Dentre os poluentes lançados indiscriminadamente nos aterros sanitários da cidade de Manaus e outras áreas, inclusive igarapés e rios, figura material plástico, que a despeito da tecnologia de reciclagem bastante avançada continua sendo não reaproveitado, sendo que o processo de decomposição de tais materiais dura mais de cem anos.

 

Solicitadas informações ao Município de Manaus sobre a existência de coleta seletiva de lixo e controle ambiental referente às embalagens tipo PET, a SEDEMA informou (fls.84) que “foi iniciado um programa pela UTILIXO, porém não há mercado em Manaus, para compra do material após separação”.

Sem reciclagem e/ou depósito apropriado para acondicionar as embalagens de que se fala, têm sido elas depositadas indiscriminadamente nos lixões e aterros sanitários da cidade de Manaus. Em tais depósitos, as correntes pluviais têm sido responsáveis em transportá-las para o leito dos igarapés que circundam a cidade, tanto assim que já mereceu estudos aprofundados, como a Informação Técnica nº 003/00 da 4ª CCR do MPF, subscrita pela técnica pericial – engenheira sanitarista Dalma Maria Caixeta, da qual transcreve-se:

 

(...) Esses produtos, por sua natureza química, caracterizam-se pela sua grande resistência à biodegradação, o que causa grandes problemas quando descartados no lixo urbano, residencial e comercial e lançados indiscriminadamente no meio ambiente. Em aterros sanitários são de difícil degradação, permanecendo no ambiente por muito tempo. Latas de alumínio e garrafas de plásticos com as de PET podem permanecer na natureza até cem anos (Folha de São Paulo, 11/01/98). Outro aspecto negativo do PET refere-se à relação peso/volume.

................................................................

(...) os plásticos ocupam de 15 a 20% do volume do lixo, embora representem apenas 4 a 7% em massa, o que contribui para o aumento dos custos de coleta, transporte e disposição final. Quando dispostos em aterros, os plásticos dificultam sua compactação e prejudicam a decomposição dos materiais biologicamente degradáveis, pois criam camadas impermeáveis que afetam as trocas de líquidos e gases gerados no processo de degradação da matéria orgânica. Nos lixões ocorrem problemas de queima indevida e sem controle, o que pode trazer sérios danos às pessoas e ao meio ambiente, pois alguns tipos de plásticos ao serem queimados geram gases tóxicos.

................................................................

O aproveitamento econômico por meio da reciclagem é uma das soluções para a destinação final desse plástico (...). A retirada do material plástico dos lixões traz uma série de benefícios à sociedade, como o aumento da vida útil dos aterros, geração de empregos, economia de energia, etc.

...............................................................”

 

E continua a referida Informação trazendo dados científicos sobre a reciclagem e a coleta seletiva, especialmente das embalagens PET, aduzindo que, quanto à legislação pertinente que:

 

Quanto à reciclagem de PET não existe uma legislação específica que trata o assunto. Encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3.750/97, de autoria do Deputado Fernando Gabeira, que ‘estabelece normas para a destinação final de garrafas plásticas e dá outras providências’. Este projeto já passou pela Comissão de Economia, Indústria e Comércio e pela Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias. Atualmente, o projeto está na Câmara dos Deputados, em regime de urgência, tramitando simultaneamente nas Comissões de Finanças e Tributação e da Constituição e Justiça e de Redação, aguardando parecer dos relatores.

Quanto a essa regulamentação do destino e reciclagem das embalagens de PET, é urgente que se estabeleça procedimentos a serem adotados no país, pois os problemas de ordem social e ambiental devido aos resíduos sólidos são imensos e, concomitantemente, verifica-se que existe crise no abastecimento de PET: ociosidade na produção de matéria prima reciclada, crescimento da indústria de produtos reciclados, aumento da demanda por reciclado, necessidade de garantia de suprimento.

É relevante mencionar a proposta de Resolução do CONAMA referente às Diretrizes para a formulação de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos. O texto da resolução que foi aprovado na Plenária nº 53 do CONAMA em 30/06/99, apresenta um conjunto de princípios, fundamentos, instrumentos, planos e programas de ações para a devida gestão dos resíduos sólidos urbanos, industriais, de serviços de saúde, de atividade rural, de transportes e rejeitos radioativos. Embora esta resolução ainda não tenha sido publicada até a presente data (encontra-se com pendências de ordem jurídica), trata-se de um instrumento de extrema importância para a gestão dos resíduos sólidos no país.”

 

Como conclusão, a informante aduz que:

 

A redução e a remoção do material plástico do lixos são metas que devem ser perseguidas com todo o empenho. Os municípios devem iniciar um trabalho voltado à resolução do problema, para evitar que torne-se ainda mais grave nos próximos anos.

A demanda por materiais plásticos, de acordo com as previsões da ABEPET/CEMPRE, aumentará muito nos próximos anos, e se não houver bom planejamento para o gerenciamento dos resíduos com certeza as conseqüências serão danosas, agravando ainda mais os problemas já existentes. Sendo assim, a reciclagem/utilização de materiais plásticos é uma condição essencial para o gerenciamento do lixo, pois esses significam em volume 20% de todo o lixo urbano e seu desvio do aterro contribuirá enormemente para o melhor aproveitamento dos recursos e, conseqüentemente, contribuirá para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.

Considerando que existe no Brasil grande tendência a aumentar a demanda por esses materiais, deve-se tomar medidas preventivas para evitar o agravamento do problema, pois a não-degradabilidade dos plásticos, se, por um lado, os credencia como materiais muito úteis, por outro, após o uso, ainda são vistos como um lixo indesejável que deve ser eliminado. O entendimento de que a reciclagem de plásticos é um negócio rentável e de elevado cunho social precisa ser mais amplamente compartilhado entre os setores ambientais e industriais.

Outro aspecto de suma importância é a redução da geração de resíduos sólidos. As embalagens PET de dois litros são as que apresentam melhor relação entre o peso da garrafa e o conteúdo, tornando-as mais favoráveis entre os descartáveis. No entanto, a utilização das garrafas retornáveis proporcionaria menor quantidade de lixo.

Necessário se faz que o setor privado maximize a reciclabilidade dos produtos PET – pesquisar e desenvolver tecnologias visando aperfeiçoar sua composição, formato, etc – e o setor público estabeleça diretrizes e regulamentos com a finalidade de incentivar a reutilização das embalagens (ou a não geração de resíduos); promover a implantação da coleta seletiva nos municípios e a reciclagem; implantar programas de educação sanitária para orientar os consumidores e privilegiar os produtos reciclados, participar da coleta seletiva e proteger o meio ambiente. Ao setor público caberia também o estabelecimento de linhas de financiamento e incentivos fiscais.”

 

Poluindo as águas, as garrafas PET causam danos nos peixes, principal alimento do homem amazônida, conseqüentemente tais danos chegarão à população por este vetor, bem como pela água em que se banha e/ou ingere, propagando doenças de várias espécies, como aquelas relatadas nas reportagens de fls. 14 e 105.

 

Os danos causados aos igarapés estão expostos nas matérias jornalísticas de fls. 74, 94, 95, 96, 105, 106, 110, 131, 132, 133, 136, 137, 138, 143, 144, 151, 153, 154, 155, 156, 157, do ICP.

 

Os perigos representados pelas embalagens ora questionadas estão elencados nas reportagens dos autos, sendo que às fls.10 se vê que as garrafas de plástico levam 100 anos para se decomporem na natureza. Além de causarem as inundações as quais já nos referimos.

 

Essa informalidade, em nenhum momento atende às obrigações impostas ao poluidor, qual seja, a de reparar o dano causado (art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/81). A informalidade bem poderia ser trocada por um incentivo real aos consumidores como, por exemplo, um desconto percentual  no preço dos refrigerantes quando houvesse devolução da embalagem vazia.

 

Como se vem de dizer, e é informado pelos próprios fabricantes e/ou importadores nos rótulos, a reciclagem das embalagens PET é plenamente possível, não sendo procedida por desídia daqueles e omissão das autoridades públicas.

 

O Brasil já teve a trágica experiência quanto ao depósito de materiais capazes de prejudicar a saúde animal, especificamente do ser humano, com o episódio ocorrido na cidade de Goiânia/GO, quando num ferro velho foi desmontada uma cápsula que continha o elemento químico radioativo Césio 137, o qual causou várias mortes, deformações físicas e inúmeras toneladas de lixo contaminado.

 

Ora, Excelência, sendo os igarapés da cidade de Manaus tributários do Rio Negro, é evidente que a poluição produzida pelas embalagens (PET) e carreada para os leitos daqueles vai atingir a todos, provocando inundações e outros danos lesivos inclusive à própria vida, de modo imediato.

 

As fotos reproduzidas às fls. 20, 96, 110, 132, 133, 137 e 154, bem demonstram as assertivas dos técnicos acima transcritas.

 

Não é verdade que inexista no ordenamento jurídico brasileiro normas capazes de imputar aos réus acima  a obrigação de repararem os danos que vêm produzindo  à sociedade brasileira e à humanidade de um modo geral, principalmente pelo fato de os maiores mananciais de água doce do mundo estarem localizados no Brasil, essencialmente na Amazônia e mais especificamente no Estado do Amazonas.

 

O bom e velho Código Civil, em seu art. 159 acima transcrito, já responsabilizava todo aquele que causar prejuízo a outrem com o dever de reparar o dano, sendo, portanto, norma perfeitamente aplicável à questão ora posta em Juízo, norma que foi apenas reforçada e explicitada pedagogicamente pelos dispositivos da Lei nº 6.938/81.                 

 

DA PLAUSIBILIDADE JURÍDICA E DO PERIGO NA DEMORA

 

A plausibilidade jurídica está demonstrada amplamente pela legislação transcrita, especialmente pela Lei nº 6.938/81 e pelo Código Civil, sem esquecer a norma maior insculpida na Constituição Federal.

 

Quanto ao perigo na demora, este está demonstrado pelas informações técnicas e as matérias jornalísticas colhidas nos autos e, ainda, pelo conhecimento público e notório sobre os perigos que o “lixo” formado pelo plástico acarreta para a saúde da população e para a preservação do meio ambiente. Fato que se não merecer a imediata intervenção do Poder Público tende a agravar-se ainda mais com o decurso do tempo, tornando-se irreversível, pois coloca em perigo a própria vida.

 

Estas as razões pelas quais se requer, liminarmente, em relação a cada um dos réus, as seguintes medidas a serem decretadas por V. Exa.:

 

a) quanto ao Estado do Amazonas – a obrigação de fazer no sentido de exigir, quando da aprovação do licenciamento ambiental ou sua renovação, como condição sine qua non, que as empresas, ora Requeridas, que utilizem as embalagens PET em seus produtos, apresentem um plano de coleta e destinação final ambientalmente correta para os referidos produtos, sob pena de em não o fazendo, incorrer o Estado (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas –IPAAM)  em crime de responsabilidade e multa diária no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais);

b) quanto ao Município de Manaus – que promova a construção de depósito(s) adequado(s) ao recebimento do lixo produzido pelas embalagens PET ou recicle-o, sob pena de em não o fazendo em 5 (cinco) meses incorrer na multa diária de R$ 2.000,00 (dois mil reais);

 

c) quanto às empresas Antarctica Indústria de Bebidas, J. Cruz Ind. e Com. Ltda., Empresa de Águas Santa Cláudia Ltda., Cia. Cervejaria Brahma, Manaus Refrigerantes Ltda., Amazon Refrigerantes Ltda. e Água Mineral Yara:

 

- que promovam o recolhimento e conseqüente reciclagem das embalagens plásticas que utilizaram, sendo-lhes fixados os seguintes prazos:

 

- que em 2 (dois) meses iniciem o efetivo recolhimento dos vasilhames que produzirem e colocarem no mercado;

 

- não o fazendo no prazo acima, seja-lhes fixada uma multa diária no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para cada uma das empresas, durante 3 (três) meses;

 

- mesmo assim, caso não cumpram a obrigação que ora se requer, ao final dos três meses do item anterior, seja-lhes vedada a introdução no mercado dos referidos vasilhames.

 

DO VALOR DA CAUSA

 

Dá-se à presente  causa o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais).

 

Manaus, 18 de agosto de 2000.

 

 

 

 

       Osório Barbosa                                  Mauro Roberto Veras Bezerra

 

Procurador da República                                   Promotor de Justiça

 

 

 

 

 

 

Anexos: - Inquérito Civil Público nº 002/98, com 212 (duzentas e doze) páginas.

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<![if !supportFootnotes]>[1]<![endif]> Comentários à Constituição Federal. Coordenação de B. Calheiros Bongim, Ed. Trabalhistas, RJ, 1991, apud Ubiracy Araújo, “A mão e a luva”, in Enfoque Jurídico, Mar/Abr-98, TRF da 1ª Região.

<![if !supportFootnotes]>[2]<![endif]> Ubiracy Araújo, “A mão e a luva”, in Enfoque Jurídico, Mar/Abr-98, TRF da 1ª Região.

<![if !supportFootnotes]>[3]<![endif]> Artigo “Meio Ambiente – Recursos Estratégicos”, Isabela Abdala, Revista “Istoé”, nº 1522, de 02.12.1998.

<![if !supportFootnotes]>[4]<![endif]> O PET é também conhecido popularmente como Polietileno Tereftalato, porém este não é o nome correto, de acordo com os padrões internacionais de nomenclatura dos polímeros. Polímeros são moléculas relativamente grandes, de pesos moleculares da ordem de 1.000 a 1.000.000, em cuja estrutura se encontram repetidas unidades químicas simples, conhecidas como meros. São obtidos a partir de monômeros. Plásticos e borrachas são  sssão polímeros. In: Enfardamento e revalorização de sucatas de PET, ABEPET e CEMPRE, São Paulo, 1997.