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AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA - BUSCA E APREENSÃO DE MÁQUINAS CAÇA-NÍQUEIS

BRASO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS

EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) JUIZ (A) FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO AMAZONAS

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República abaixo assinado, e com fundamento no art. 129, I, II e VIII da Constituição Federal, bem como no art. 240 e seguintes do CPP, especialmente o art. 242, vem perante Vossa Excelência, expor para ao final requerer:

 

1. Em 1998 foi promulgada a Lei nº 9.615, de 24.03.98, que institui normas gerais sobre o desporto e dá outras providências, conhecida como "Lei Pelé", dentre cujas disposições, no que tange ao caso ora versado, interessam as seguintes:

"Art. 4º - O Sistema Brasileiro do Desporto compreende:

I – omissis

II – o Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto – INDESP;

Art. 5º - O Instituto Nacional do Desporto – INDESP é uma autarquia federal com a finalidade de promover, desenvolver a prática do desporto e exercer outras competências específicas que lhe são atribuídas nesta Lei.

(grifamos)

Art. 41 – omissis

.........................................................................................

§ 3º - O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do artigo 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Art. 60 – As entidades de administração e de prática desportiva poderão credenciar-se junto à União para explorar o jogo de bingo permanente ou eventual, com a finalidade de angariar recursos para o fomento do desporto.

§ 1º - Considera-se bingo permanente aquele realizado em salas próprias, com utilização de processo de extração isento de contato humano, que assegure integral lisura dos resultados, inclusive com o apoio de sistema de circuito fechado de televisão e difusão de som, oferecendo prêmios exclusivamente em dinheiro.

.........................................................................................

§ 3º - As máquinas utilizadas nos sorteios, antes de iniciar quaisquer operações, deverão ser submetidas à fiscalização do Poder Público, que autorizará ou não seu funcionamento, bem como as verificará semestralmente quando em operação.

(grifamos)

Art. 65 – omissis

Parágrafo único – As cartelas de bingo eventual poderão ser vendidas em todo o território nacional.

Art. 71 – (vetado)

.........................................................................................

§ 4º - É proibido o ingresso de menores de dezoito anos nas salas de bingo.

(grifamos)

Art. 72 – As salas de bingo destinar-se-ão exclusivamente a esse tipo de jogo

Parágrafo único – A única atividade admissível concomitantemente ao bingo na sala é o serviço de bar e restaurante. (grifamos)

Art. 73 – É proibida a instalação de qualquer tipo de máquinas de jogo de azar ou de diversões eletrônicas nas salas de bingo.

(grifamos)

Art. 74 – Nenhuma outra modalidade de jogo ou similar, que não seja o bingo permanente ou eventual, poderá ser autorizada com base nesta lei.

(grifamos)

Art. 80 – Permitir o ingresso de menor de dezoito anos em sala de bingo:

Pena – detenção de seis meses a dois anos, e multa.

Art. 81 – Manter nas salas de bingo máquinas de jogo de azar ou diversões eletrônicas.

Pena – detenção de seis meses a dois anos, e multa."

2. A lei mencionada foi regulamentada pelo Decreto nº 2.574, de 29.04.98, de cujo texto transcreve-se:

"Art. 74 – Os jogos de bingo são permitidos em todo o território nacional, nos termos da Lei nº 9.615, de 1998, e deste Decreto e, especialmente, das normas regulamentares de credenciamento, autorização e fiscalização, expedidas pelo INDESP.

§ 1º - O jogo de bingo constitui-se de loteria que se sorteiam ao acaso números de 1 a 90, mediante sucessivas extrações, até que um ou mais concorrentes atinjam o objetivo previamente determinado.

§ 2º - Somente serão permitidas a instalação e a operação, em salas próprias de máquinas eletrônicas programadas, única e exclusivamente, para a exploração do jogo de bingo, nos termos do disposto no parágrafo anterior.

.........................................................................................

§ 5º - Bingo eventual é aquele que, sem funcionar em salas próprias, realiza sorteios periódicos, utilizando processo de extração isento de contato humano, podendo oferecer prêmios exclusivamente em bens e serviços.

(grifamos)

Art. 103 – É proibida a instalação de qualquer tipo de máquina de jogo de azar ou de diversões eletrônicas nas salas de bingo, sendo estas consideradas o espaço fechado onde se praticam os sorteios desta modalidade.

Art. 104 – Nenhuma outra modalidade de bingo ou similar, que não seja o bingo permanente ou eventual, poderá ser autorizado com base na Lei nº 9.615, de 1998, e neste Decreto.

Art. 105 – omissis

I – omissis

II – A premiação líquida terá a seguinte distribuição:

a) Bingo oitenta por cento;

b) Linha doze por cento;

c) Acumulado, Extrabingo e Reserva

oito por cento.

3. A pretexto de regulamentar a habilitação, a autorização, o controle, a operação e a fiscalização de máquinas eletrônicas programadas para a exploração do jogo do bingo, nos termos do disposto no art. 74 do Decreto nº 2.574/98, o Presidente do INDESP expediu a Portaria nº 104, de 14 de outubro de 1998, publicada no DOU do dia 15.10.98, com os artigos abaixo transcritos:

"Art. 2º - Para os efeitos do disposto nesta Portaria, considera-se bingo eletrônico a modalidade eletrônica programada de bingo operada por intermédio de uma máquina eletrônica programada – MEP, que utiliza terminal de vídeo, cilindros ou qualquer outra forma eletrônica de demonstração da combinação vencedora, e geradora de números aleatórios, bolas e de cartelas, quando for o caso, operando com fichas, dinheiro e/ou cartão magnético.

Art. 8º - A placa da unidade central de processamento – UCP deverá possuir identificação única, através de etiquetas ou números de série carimbados com tinta permanente.

Art. 11 – O sistema de segurança requer e exige;

.........................................................................................

IV – aceitação, da MEP acionada por fichas, de apenas e tão somente daquelas aprovadas, bem como a rejeição de todas as demais;

4. A simples leitura da Lei e do seu Decreto regulamentar deixa claro, hialino, que a Portaria extrapolou todos os limites, inclusive o do bom senso, tento o seu autor incorrido, além da improbidade, em alguns tipos penais, que serão oportunamente estudados.

5. Por mera redundância argumentativa, veja-se as seguintes contrariedades da Portaria à Lei e ao Decreto:

a) A Lei conceitua BINGO como sendo: Considera-se bingo permanente aquele realizado em salas próprias, com utilização de processo de extração isento de contato humano, que assegure integral lisura dos resultados, inclusive com o apoio de sistema de circuito fechado de televisão e difusão de som, oferecendo prêmios exclusivamente em dinheiro. A este dispositivo harmoniza-se o seu regulamentar do decreto. O mesmo não se pode dizer da Portaria, pois esta ampliou o conceito legal e regulamentar, quando, obviamente, não poderia fazê-lo, uma vez que só encontra apoio legal, no sistema hierarquizado das leis, se estiver em consonância com a norma que a exige. Eis o conceito de bingo fornecido pela Portaria: Para os efeitos do disposto nesta Portaria, considera-se bingo eletrônico a modalidade eletrônica programada de bingo operada por intermédio de uma máquina eletrônica programada – MEP, que utiliza terminal de vídeo, cilindros ou qualquer outra forma eletrônica de demonstração da combinação vencedora, e geradora de números aleatórios, bolas e de cartelas, quando for o caso, operando com fichas, dinheiro e/ou cartão magnético.

A Lei em momento algum falou em bingo eletrônico. Também não tratou da modalidade eletrônica programada de bingo operada por intermédio de uma máquina eletrônica programada – MEP. Jamais dispôs sobre terminal de vídeo. Por fim dela não consta a possibilidade de serem as máquinas operadas com fichas, dinheiro e/ou cartão magnético, sendo tudo criação cerebrina do autor da ilegal Portaria.

Ressalta mais ainda a incompatibilidade entre a Lei e a Portaria o fato da primeira falar, insofismavelmente, em cartelas, além do art. 105 do Decreto falar em bingo e linha, numa clara demonstração de que o objetivo de ambos foi regulamentar o bingo tradicional, aqueles dos arraiais e quermesses. Objetivo que foi totalmente corrompido pelo autor da Portaria.

Sendo assim, quando o legislador se refere a máquinas eletrônicas programadas, a única interpretação não criminosa possível é aquela que permite o uso de tais máquinas para o sorteio das "bolas" numeradas. Isso compreendeu o Regulamento, tanto assim que expressamente que fala na possibilidade de um ou mais concorrentes atingirem o objetivo previamente determinado;

b) A Lei acima mencionada estabelece a proibição da presença de menores em estabelecimentos que explorem a prática do jogo de bingo. Proibição que é totalmente ignorada por aqueles que exploram as condutas abaixo relacionadas;

c) A Lei nº 9.615/98 admite como única atividade concomitante ao bingo na sala onde este é jogado o serviço de bar e restaurante (§ único do art. 72);

d) Há, ainda, a proibição total de qualquer outra modalidade de jogo ou similar que não seja bingo (art. 74);

 

  • DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

 

 

A competência da Justiça Federal sobressai de ser o INDESP uma autarquia federal (art. 5º), sendo ele o único órgão encarregado de expedir normas regulamentares de credenciamento, autorização e fiscalização do jogo de bingo.

Sendo que ainda está em cogitação a prática do crime de contrabando ou descaminho, tipificados no art. 334 do Código Penal, também de competência da Justiça Federal, como abaixo será demonstrado.

 

  • CONSUMIDOR

 

 

A prática ilegal abaixo demonstrada fere também interesses do consumidor (art. 42, § 3º da Lei nº 9.615/98), competindo ao Ministério Público promover a sua proteção (art. 129, III da CF/88).

 

  • Objetivo da Portaria

 

 

A Portaria supra mencionada traz a seguinte ementa: "Dispõe sobre a habilitação, a autorização, o controle, a operação e a fiscalização de máquinas eletrônicas programadas para a exploração do jogo de bingo".

A leitura da ementa deixa claro que ao autor da mencionada Portaria não competia, como não compete, definir o que deve ser considerado bingo, pois esta atribuição é e foi exercitada pelo legislador, não podendo portanto ser restringida e/ou ampliada, como o foi neste caso.

 

  • Criminalização das condutas

 

 

Os artigos 80 e 81 da Lei nº 9.615/98 criminalizaram as seguintes condutas: "permitir o ingresso de menor de 18 anos em sala de bingo" e "manter nas salas de bingo máquinas de jogo de azar ou diversões eletrônicas".

10. Não se deve perder de vista que a prática ou exploração de jogos de azar em todo o território nacional está proibida desde de 30.04.46, por intermédio do Decreto-Lei nº 9.215.

Esta proibição foi atenuada pela Lei tantas vezes citada, mas apenas em relação ao jogo de bingo, continuando as outras práticas ou exploração de jogos tipificadas no art. 50 da Lei das Contravenções Penais. Isso quando não ocorrer os crimes citados acima.

11.

DA EXPOSIÇÃO FÁTICA

A cidade de Manaus vem sendo invadida por um enxame de máquinas eletrônicas para a prática e exploração de jogo de azar, conhecidas popularmente como "caça-níqueis". São assim denominadas por funcionarem com moedas, no caso com moedas de R$ 0,25 (vinte e cinco centavos) e com a promessa de darem ao vencedor cem vezes o valor da quantia apostada.

Essas máquinas vêm funcionando ilegalmente, sem qualquer amparo legal, pois como ficou sobejamente demonstrado na exposição jurídica acima, a prática e exploração do jogo de azar no Brasil é proibida, exceto no caso dos bingos, cuja lei repudia inclusive a permanência de máquinas que explorem tais atividades em seus ambientes.

Além do mais Excelência, nenhum controle sobre a presença de menores nos ambientes em que estão instaladas essas máquinas é efetivado, muito pelo contrário, são sempre elas instaladas nas proximidades de escolas, justamente para atrair, criminosamente, a presença dos estudantes que deixam seus estudos seduzidos pela prática da tavolagem.

É certo, ainda, Excelência, que sérias dúvidas são levantadas quanto até a regular introdução das máquinas operadoras dos jogos de azar em território nacional, posto que, sabidamente, não são fabricadas no país, ou pelo menos, algumas de seus componentes eletrônicos não o são, o que gera fundada suspeita da prática do crime de contrabando e/ou descaminho.

 

  • CONCLUSÃO

 

 

As máquinas usadas na prática criminosa vêm sendo operadas com autorização de Delegado da Polícia Civil e da Prefeitura, como consta de papeleta afixada sobre elas, o que demonstra o desrespeito à legislação por quem deveria por ela velar. Se tais autorizações foram outorgadas, o foram certamente com base na Portaria ilegal do INDESP de que tantas vezes já se falou. Portaria que tentou classificar como bingo os jogos eletrônicos que não passam de jogos de azar, uma vez que a Lei e o seu Decreto regulamentar, como já externamos, não deixam dúvidas de que o bingo de que tratam é aquele tradicional, jogado em cartelas, tanto assim que falam que pode haver vencedores do bingo quando a cartela é preenchida em sua totalidade ou vencedor por linha, quando a cartela é preenchida parcialmente, ou seja, apenas uma de suas linhas. Onde, nas famigeradas máquinas"caça níquel", poderão dois concorrentes obter o mesmo objetivo previamente determinado (art. 34, § 1º do Decreto nº 2.574/98)?

  1. DOS PEDIDOS

O MPF, por intermédio de seus servidores, do próprio signatário e de jornalista que mais tarde será identificado, logrou identificar a empresa ou uma das empresas que faz a distribuição das referidas máquinas, é ela a MAX MUSIC CD LTDA., sediada na Rua Virolas, nº 226, Conjunto Kyssia, bairro de Dom Pedro I, fone 238-6450.

É certo que as máquinas estão instaladas em diversos pontos da cidade, que neste momento o MP não pode precisar todos, mas que a medida a seguir requerida poderá dar ensejo à perfeita localização.

Assim, requer a Vossa Excelência a expedição de Mandado de Busca e Apreensão no endereço acima referido, a ser cumprido pela Polícia Federal para que lá colha todas as informações necessárias à elucidação dos fatos narrados, especialmente onde estão situadas as máquinas, quem autorizou seus funcionamentos, contabilidade da empresa, origem (procedência) dos equipamentos eletrônicos e/ou das máquinas, e demais elementos que a autoridade policial entenda cabíveis à perfeita elucidação dos fatos, com a conseqüente instauração de Inquérito Policia se, no ensejo, colher elementos para tanto.

Manaus, 14 de outubro de 1999.

Osório Barbosa
PROCURADOR DA REPÚBLICA