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Política! Como e por que.

 

Política!

Como e por que.

Prezado Aluíno Tinoco, sobre a pergunta no sentido de como podemos melhorar a política trazendo para nossas mãos (cidadãos) o controle da mesma, temos, primeira, creio, que sabermos por que motivo existe a política em nossas vidas. Qual a sua razão de ser!

É prazeroso falar sobre isso, mas muito trabalhoso (daí a minha demora na tentativa de uma resposta inicial, a qual terá que ter vários desdobramentos, especialmente no sentido de “como participarmos da política como sujeitos ativos/elegíveis [candidatos]”), vamos lá:

Pelo que se tem registrado na história da humanidade, pelo menos pela cultura dita Ocidental, creio que o “Mito de Prometeu” é o primeiro escrito sobre a Política: sua origem (como surgiu) e sua necessidade.

Tal mito é da autoria do sofista grego Protágoras, que o teria narrado por volta do século V antes da era atual, e nos foi transmitido por Platão em seu diálogo cujo título leva o nome do sofista: “Protágoras”. Trata-se de um diálogo entre Protágoras e Sócrates.

Vamos conhecer o referido mito e, à medida em que avançarmos na sua leitura, farei algumas anotações que entendo convenientes. Ei-lo:

“Houve um tempo em que os deuses existiam, mas não as raças mortais (Osório diz: nascimento da humanidade). E quando adveio o tempo destinado a sua criação, os deuses moldaram suas formas no interior da terra, misturando terra, fogo e diversos compostos de terra e fogo (Osório diz: de que o homem é feito). Quando estavam prontos para trazer essas criaturas à luz, encarregaram Prometeu e Epimeteu (Osório diz: dois irmãos. O primeiro, Prometeu, prudente e o outro, Epimeteu, o imprudente) de destinar a cada uma delas suas faculdades e capacidades apropriadas (Osório diz: distribuir as ferramentas de que precisaria o homem). Epimeteu implorou a Prometeu o privilégio de atribuir/distribuir as faculdades. 'Quando tiver findado a atribuição', ele disse, 'poderás fazer uma inspeção'. Com a anuência de Prometeu, Epimeteu iniciou a distribuição de faculdades.

A algumas criaturas ele destinou força, deixando-as desprovidas de rapidez (Osório diz: o elefante, por exemplo); às mais fracas ele atribuiu rapidez (Osório diz: ao coelho, por exemplo); a algumas atribuiu armas (Osório diz: tigres), enquanto deixou outras desarmadas (Osório diz: o tatu), porém concebeu para estas (Osório diz: as desarmadas) alguns outros meios para sua preservação. As criaturas de pequenas proporções compensou com asas (Osório diz: pássaros) ou com uma morada subterrânea (Osório diz: ainda o tatu). O tamanho, para aquelas tornadas grandes (Osório diz: elefante) por ele, constituía por si só uma proteção. E mediante esse critério da compensação (Osório diz: com o qual buscava equilibrar vantagens e desvantagens) atribuiu todas as demais propriedades, realizando ajustes e tomando precauções contra a possível extinção de qualquer uma das raças.

Depois de equipá-las com defesas contra aniquilação mútua, concebeu proteções contra as estações (Osório diz: frio e calor) ordenadas por Zeus, revestindo-as com pelos espessos (Osório diz: ursos) e couros rígidos (Osório diz: focas) suficientes para proteger do inverno e igualmente eficientes contra o calor, além de servirem inclusive de mantas próprias e naturais para quando fossem dormir. Algumas calçou com cascos (Osório diz: cavalos), outras, com garras (Osório diz: águias) e sólidos couros destituídos de sangue (Osório diz: nosso peixe-boi). Na sequência, passou a prover cada uma das raças com seu alimento adequado, umas com pastagem da terra (Osório diz: bois), outras com frutos das árvores (Osório diz: macacos), e outras ainda com raízes (Osório diz: comedores de macaxeira!). E a um certo número de raças disponibilizou como alimento outras criaturas (Osório diz: leões). A algumas atribuiu uma limitada capacidade de reprodução (Osório diz: um filho por cria e por períodos longos, como é o caso do elefante), ao passo que a outras, que eram devoradas pelas primeiras, atribuiu uma capacidade de grande proliferação (Osório diz: os peixes), assegurando assim a sobrevivência dessas espécies.

Epimeteu, contudo, insuficientemente sábio (Osório diz: por isso seu nome significa imprudente), de maneira descuidada esbanjou seu estoque de faculdades e capacidades com os animais irracionais. Ficara com a raça humana completamente não equipada e, enquanto circulava desorientado sobre o que fazer com ela, Prometeu chegou para proceder à inspeção de sua distribuição e constatou que, enquanto os outros animais estavam completa e adequadamente providos de tudo, o ser humano encontrava-se nu, descalço, não acamado e desarmado (Osório diz: papai, lá em Maraã, dizia que o ser humano é o mais frágil dos animais e, que, deveria, ter seus filhos como os jabutis têm os seus: vão largando os seus ovos pelo caminho e quando os filhotes nascem “eles que deem o seu jeito”! Papai, irresponsavelmente, era meio jabuti em relação aos seus filhos!). E já era o dia destinado para que o ser humano e todos os outros animais emergissem da terra para a luz. Foi quando Prometeu, em desesperada desorientação quanto a que forma de preservação poderia conceber para a sobrevivência do ser humano, subtraiu de Hefaístos (Osório diz: deus grego do fogo) e Atena (Osório diz: deusa grega da sabedoria e da guerra) sabedoria nas artes práticas juntamente com o fogo, sem o qual esse tipo de sabedoria se mostra factualmente inútil, e os entregou ao ser humano. Mas, embora o ser humano aja com isso adquirido, a sabedoria para preservar sua vida cotidiana, faltou-lhe a sabedoria para a vida cívica em comunidade (Osório diz: justamente, a POLÍTICA!), sabedoria esta de posse de Zeus. Pois, Prometeu não tinha mais acesso livre à cidadela onde mora Zeus, isso sem considerar, ademais, a presença de seus temíveis guardas. Mas ele conseguiu entrar, sem ser visto, no prédio utilizado conjuntamente por Atena e Hefaístos nas suas atividades, furtando tanto a arte do fogo de Hefaístos quanto todas as artes de Atena e entregando-as à raça humana. Possibilitou com isso a provisão dos recursos que permitem a manutenção da vida humana. Mas Prometeu, por conta do erro de Epimeteu, posteriormente foi acusado por furto (Osório diz: foi acusado e condenado! Foi acorrentado a uma pedra e, todos os dias, uma águia comia o seu fígado, que se refazia durante a noite para, no dia seguinte recomeçar o seu martírio).

Entretanto, agora que o ser humano passara a compartilhar com os deuses de algo que antes fora exclusivo destes últimos, ele, primeiramente, devido a uma espécie de afinidade ou proximidade com os deuses (Osório diz: imagem e semelhança?), tornou-se o único animal que os venerava, tendo erigido altares e confeccionado imagens sagradas; em segundo lugar, não demorou a capacitar-se, em função de sua habilidade, a articular a voz e as palavras (Osório diz: somos os únicos animais que falamos), e a inventar casas, roupas, calçados, leitos e nutrir-se dos alimentos provenientes da terra (Osório diz:início da agricultura). Equipados com isso, os seres humanos no começo viviam esparsos e isolados, não havendo cidades (Osório diz: dado importante, pois somente nas cidades pode haver POLÍTICA). Nessa situação, eram destruídos por animais selvagens, visto serem estes em todos os aspectos mais fortes do que a humanidade. E embora a habilidade humana nas atividades manuais bastasse para prover o alimento, mostrava-se deficiente no que tangia à luta contra os animais selvagens. A razão disso era carecerem ainda da arte política (Osório diz: eis a conscientização da necessidade da POLÍTICA), da qual a arte da guerra constitui uma parte. Tentaram assim viver unidos e garantir a sobrevivência fundando cidades. Entretanto, tão logo passaram a viver juntos, começaram a cometer injustiças entre si, já que lhes faltava a arte política (Osório diz: “a arte de viver em comunidade numa sociedade organizada civil (cidade-Estado) regida por leis). O resultado foi voltarem a se dispersar e serem destruídos. Zeus, temeroso que nossa raça estivesse ameaçada de completa extinção, enviou Hermes (Osório diz: filho de Zeus e seu mensageiro) para instaurar senso de pudor e de justiça (Osório diz: os dois ingredientes fundamentais para a POLÍTICA) entre os seres humanos, de modo que passassem a existir ordem nas cidades e laços de amizade que as unissem. E Hermes indagou a Zeus como distribuir justiça e pudor entre os seres humanos. 'Deverei distribuí-los como o foram as artes? Esse aquinhoamento foi feito de sorte que um indivíduo detentor da arte da medicina é capaz de tratar muitos indivíduos comuns, o mesmo acontecendo com os outros profissionais. Deverei colocar entre os seres humanos justiça e pudor igualmente desse modo, ou distribuí-los a todos?' 'A todos', respondeu Zeus, 'e que todos tenham deles um quinhão, pois não é possível que as cidades sejam formadas se apenas alguns poucos tiverem uma porção de justiça e pudor, como de outras artes (Osório diz: assim, em questão de POLÍTICA, todos os homens são iguais, pois receberam os mesmos bens necessários em quantidades iguais, por isso todos podem participar da vida política). E estabelece a seguinte lei determinada por mim: Aquele que não conseguir partilhar pudor e justiça deverá morrer, por ser uma pestilência para a cidade' (Osório diz: aqui Zeus impõe a necessidade de obediência as leis. Mas que leis? Aquelas leis que forem criadas pelos próprios homens em benefícios deles).

Consequentemente, Sócrates, ocorre que as pessoas nos Estados, e particularmente em Atenas, julgam que cabe a uns poucos aconselharem relativamente à excelência na marcenaria ou naquela relativa a qualquer outro ofício profissional, de maneira que, se qualquer um que não esteja entre esses poucos se pronunciar a respeito da matéria em pauta, não o admitem, como dizes, e não sem razão, segundo penso (Osório diz: nem todos sabem debater problemas técnicos-profissionais). Mas quando o debate envolve a solicitação de um aconselhamento que diz respeito à virtude cívica, esfera em que podem ser inteiramente norteadas pela justiça e o bom senso, as pessoas admitem naturalmente o aconselhamento de quem quer que seja, na medida em que se pensa que todos são aquinhoados com essa virtude (Isto é, a virtude política ou cívica), pois caso contrário os Estados não existiriam. Eis aí a explicação, Sócrates (Osório diz: diferentemente das questões técnicas, em política todos podem opinar e debater. Nem todos sabem desenhar, mas todos sabem discutir seus interesses políticos).

E para que não penses que estás sendo ludibriado, ofereço-te uma prova adicional de que todos os seres humanos verdadeiramente creem que todos possuem um quinhão da justiça e do restante da virtude cívica (Osório diz: de política, portanto). Em todas as demais artes acompanhadas de suas virtudes, tal como dizes, quando alguém afirma ter competência quanto a tocar flauta ou em qualquer outra arte e não a tem, torna-se alvo de zombaria, desprezo ou indignação, sua família dele se aproximando e o censurando como se houvesse enlouquecido. Mas quando setrata da justiça ou de qualquer outra virtude política ou cívica, mesmo que saibam que um determinado indivíduo é injusto, se este confessar publicamente a verdade sobre si mesmo, classificarão essa sinceridade de loucura, ao passo que na situação anterior (Ou seja, com referência às atividades artísticas profissionais) a classificariam como bom senso. Afirmam que todos devem professar serem justos, quer sejam ou não, e que todo aquele que não reivindicar de algum modo ser justo é destituído de senso, visto que necessariamente todos, de uma forma ou outra, possuem algum quinhão da justiça, ou não pertenceriam à espécie humana.

Este é, portanto, meu primeiro ponto, ou seja, é razoável admitir que todos os homens (Platão retrata Protágoras tomando como modelo uma Assembleia popular de um Estado sob o regime democrático [como a Atenas de seu tempo]) sejam conselheiros no que toca a essa virtude, na medida em que todos (Ou seja, todos os homens que, na qualidade de cidadãos, participam da Assembleia do povo, solicitando conselhos sobre as matérias para posterior deliberação) creem que todos os seres humanos possuem alguma parcela dela (Osório diz: da virtude política). O próximo ponto que tentarei demonstrar, obtendo para ele convencimento, é que essas pessoas não consideram essa virtude como natural ou de geração espontânea, mas como algo que é produto do ensino e adquirido após cuidadoso preparo por aqueles que oadquirem (Osório diz: portanto para adquiri-la, temos que estudar).

No caso de males que os seres humanos universalmente consideram que atingiram seus semelhantes por força da natureza ou da sorte, ninguém jamais se indigna com os atingidos, ou os reprova, adverte, pune ou procura corrigi-los. Tornam-se tão-só objeto de compaixão. Ninguém, em seu juízo, tentaria agir de tal maneira em relação a alguém que é feio, esquelético ou fraco (Osório diz: o sofista defendendo o direito das minorias e a igualdade. Não o feito pela natureza, mas o feito pelo homem é que é passível de ação). A razão, suponho, é se saber que as pessoas são atingidas por esses males naturalmente ou por força do acaso, [na verdade] tanto os males quanto seus opostos. No que se refere, contudo, a todos os bens que se supõe que as pessoas obtêm através de aplicação, prática e ensinamento, se alguém não os possui, mas somente seus opostos, ou seja, os males, tornar-se-á certamente objeto de ódio, castigo e reprovação. Entre esses males encontram-se a injustiça e a impiedade e, em síntese, tudo aquilo que se opõe à civilidade (A virtude cívica); essas ofensas atraem sempre ódio e reprovação claramente porque essa virtude é considerada algo que se adquire através da aplicação e do aprendizado. Se examinares a punição Sócrates, e o controle exercido por esta sobre os malfeitores, os fatos te dirão que os seres humanos consideram a virtude algo obtido mediante aprendizado. De fato, ninguém irá punir um malfeitor exclusivamente em função de ter observado o mal ou em função do próprio mal cometido, salvo que se esteja meramente praticando a vingança irracional de um animal selvagem. A punição racional não se identifica com vingança pessoal por uma injustiça perpetrada, pois não se pode desfazer o que foi feito (Osório diz: o sofista ensinando Direito Penal). A punição racional é, sim, empreendida com vistas ao futuro, no sentido de intimidar tanto o malfeitor quanto qualquer pessoa que assista a ele ser punido por reincidir no crime. Essa postura que encara a punição como intimidação implica o caráter de aprendizado da virtude. Essa é a postura, a opinião aceita, de todos os que buscam o revide na vida privada ou pública. Geralmente, todos os seres humanos buscam o revide e a punição daqueles que acham que os injustiçaram, o que se aplica especialmente aos atenienses, teus concidadãos, de forma que com base em nosso argumento também os atenienses partilham da opinião de que a virtude é adquirida e ensinada. Assim, tenho como demonstrado que é com o respaldo da razão que teus concidadãos admitem os conselhos de um ferreiro ou de um sapateiro em matéria de assuntos do Estado (Osório diz: em matéria política), e que consideram a virtude como ensinada e adquirida. E me parece, Sócrates, que disso também forneci suficiente demonstração.

Resta ainda ocupar-me de tua dificuldade, a saber, o problema que levantaste com respeito a homens bons, que promovem a educação de seus filhos nos cursos regulares dos mestres, propiciando-lhes os conhecimentos nas matérias ministradas nesses cursos, mas que não conseguem que se destaquem nas virtudes em que eles próprios se destacam (Osório diz: a virtude não é hereditária). Neste caso, Sócrates, renunciarei ao mito e te oferecerei um argumento. Observa o seguinte: Há ou não há uma coisa que todos os cidadãos precisam possuir para que possa existir um Estado? Encontra-se aqui e em nenhum outro lugar a solução de teu problema. De fato, se houver essa coisa, ela será, em vez da arte do carpinteiro, da do ferreiro, ou da do oleiro, a justiça, o auto-controle e a devoçãoem suma, aquilo que posso combinar e chamar globalmente de virtude de um homem. E se é essa coisa que todos devem partilhar e com o que todos os indivíduos devem atuar sempre que desejarem aprender algo ou realizar algo, não devendo agir sem poder contar com ela, e se devemos instruir e punir os que dela não têm um quinhão, quer seja uma criança, um homem ou uma mulher, até que a punição destes os tenha tornado melhores, e devemos desterrar de nossas cidades ou executar, como incuráveis, aqueles que não conseguirem responder a essa punição e instrução – se assim for, se esta for a natureza dessa coisa, e os homens bons educam seus filhos em tudo exceto nela, então devemos cair em pasmo diante do quão bizarro é o comportamento dos homens bons! Pois demonstramos que encaram essa coisa como passível de ensino tanto na vida privada quanto na pública. Como pode ser algo ensinado e cultivado, é possível que providenciem o ensino aos seus filhos de tudo cuja ignorância não os faça incorrer na pena de morte, enquanto numa matéria cuja a ausência de instrução e cultivo (isto é, a virtude) resulta na execução ou exílio de seus filhos – e não só na morte, como também no confisco das propriedades e praticamente numa total catástrofe familiar – não providenciem a educação deles e não tomem com eles o máximo cuidado? É imperioso concluirmos que sim, Sócrates.”.

Fonte: Protágoras – Platão, tradução de Edson Bini, Edipro, Bauru, 2007: p. 265/271.

Obs.: