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"O que fazer com filósofos do passado que se revelaram racistas e sexistas?" Comentários...

Bondade americana 

Caro Fabio,

vamos lá?

(o texto irá em duas ou mais partes, pois os caracteres excederam a norma. kkk)

Minhas impressões então entremeadas no texto, mas identificadas com “[Osório diz:]”

"O que fazer com filósofos do passado que se revelaram racistas e sexistas?

[Osório diz: lê-los!]

Mais útil que proibir é indagar se eles seriam preconceituosos ainda hoje, afirma autor

[Osório diz: complicado esse exercício de futurologia! Creio que temos que olhar o momento e a situação em que o filósofo escreveu]

[RESUMO] Autor vê equívoco no julgamento de pensadores que manifestaram preconceitos arraigados em épocas menos esclarecidas e defende que mais útil é indagar se seus modos de pensar os levariam a ser preconceituosos hoje.

[Osório diz: os equívocos acompanham o homem como uma sobra, logo, não podemos fugir de nossos fantasmas, e este é um deles.]

[Osório diz: “épocas menos esclarecidas”?! Com assim? Esses filósofos continuam a ser atuais e paradigmas até hoje! Aliás, parece que aquela época é que era a esclarecida, já que as que a sucederam não “criaram nada”! Tanto assim que, repito, eles ainda são a referência]

[Osório diz: “... ser preconceituoso hoje” é futurologia, talvez a “Mãe Dinah” ou outro 171 tenha a resposta]

Admirar os grandes pensadores do passado virou um risco moral.

[Osório diz: Sim! Se o admirarmos cegamente! Temos que ver as virtudes os defeitos. Ninguém é só virtude ou somente defeitos!]

[Osório diz: parênteses: penso que temos algumas premissas a estabelecer: (i) filosofia ou política?, (ii) filósofo ou empregado? e (iii) material ou espiritual?

Não vou me preocupar, no momento, em dizer que tudo na vida (até o respirar) é política, portanto, a Filosofia também o é! O que quero dizer e digo é: uma pessoa (pensador) pode fazer filosofia e política ao mesmo tempo. Falo da política partidária. Portanto, pode usar sua filosofia para fazer política. Mas pode também separar as duas coisas!

Vamos ao exemplo de Carlos Drummond de Andrade: era funcionário público e poeta. Seu agir enquanto servidor público, certamente, não era externado em versos e rimas.]

O filósofo tem que sobreviver (precisa comer) e aqui ocorre mais uma possível separação: filósofos ricos e filósofos pobres.

Grandes artistas eram pobres (fiquemos com os do Renascimento), precisavam de mecenas. Como então, o português Miguel Ângelo, que viveu sobre o mecenato, chamaria os papas de corruptos e devassos? Entre comer e passar fome os artistas (dentre eles os filósofos) optam pela satisfação da necessidade imediata.

Sócrates e Diógenes, por exemplo, mesmo com as lendas que os cercam, eram mais amigo mesmo é da comida. Precisam de alguém para sustentar suas lições.

Creio ter falado arriba sobre duas premissas. A seguinte é: um filósofo ensina como administrar uma cidade (coisa que estão condenados a nunca executar, pois sempre haverá uma discussão anterior à resolução do problema e isso não tem fim!); outro cria a penicilina.

Chamo de espiritual o ensinamento do primeiro e material o do segundo.

Se o filósofo mau-caráter criou a penicilina e ela funciona, por que discutir?

(não vamos falar de efeitos colaterais e da superação da penicilina).

Já quando o filósofo ensina a governar temos que fazer uma série de perguntas depois de lê-lo, claro.

Em que ambiente de necessidade ele escreveu isso? Escreveu para quem? Escreveu para quê? A quem precisava agradar? A quem não queria desagradar?

Como se vê, as respostas secas & molhadas são complicadas, se é que existem!

Mas vou deixar para o final a crítica que fiz e que é a razão do questionamento. Critiquei Platão e Aristóteles!].

Elogie Immanuel Kant e alguém pode lembrar a você que ele acreditava que “a humanidade alcança sua maior perfeição na raça dos brancos” e que “os índios amarelos possuem talento escasso”. Louve Aristóteles e você terá que explicar como é possível que um sábio genuíno possa ter pensado que “o macho é por natureza superior, e a fêmea, inferior; o homem é o governante, e a mulher, a súdita”.

[Osório diz: Eu não sabia até pouco tempo, pelo fato de Kant nunca ter saído de sua cidade, que ele frequentava o círculo dos governantes (da nobreza). Suas festas e banquetes. Além de ser um Professor.

Como em um ambiente desses falar contra a escravidão? Exploração de negros?

Complicado né?

Professor só era Professor por conta do Estado (reis) deixar que ele o fosse.

Assim, como falar contra os comensais e o empregador?]

Escreva um tributo a David Hume, como fiz recentemente, e será criticado por louvar alguém que escreveu em 1753-54: “Tendo a suspeitar que os negros e todas as outras espécies de homens, em geral, sejam naturalmente inferiores aos brancos”.

[Osório diz: embora Hume não seja inglês, é como se..., pois é escocês!

Nunca trabalhou! Estudou em cima de herança! Serviu ao governo inglês (militar).

A Inglaterra e arredores jamais veriam os negros sequer como seres humanos, pois muito de sua riqueza está fundada no tráfico e trabalho escravo!

Creio que isso é suficiente para influenciar o pensamento do autor.

Preciso justificar minha boa vida!]

Parece que estamos diante de um dilema. Não podemos simplesmente descartar como insignificantes os preconceitos inaceitáveis do passado. Mas, se pensarmos que a defesa de opiniões moralmente repreensíveis desqualifica alguém de ser visto como grande pensador ou líder político, não restará praticamente ninguém da história.

[Osório diz: é sempre assim! O cara começa bem (vejam os julgamentos nos tribunais!), porém, quando ele coloca o “MAS”, viradas de 180 graus ocorrem, sendo elas construídas sobre o “nada a ver”! Foi o que fez o autor!

Que importa se não sobrem ninguém!

Temos que aceitar simplesmente pelo fato de não sobrar?

Ainda bem que ele se salva ao usar o “praticamente”!

O que significa que sobra alguém sim!]

O problema não desaparece se excluirmos os homens brancos do establishment. O racismo era comum no movimento sufragista feminino de ambos os lados do Atlântico.

[Osório diz: assumo uma premissa: TODOS SOMOS PRECONCEITUOSOS, uns mais, outros menos. A grande e necessária possibilidade que temos é não usarmos os nossos preconceitos. Nos educarmos para sufocá-los dentro de nós!]

A sufragista americana Carrie Chapman Catt disse: “A supremacia branca será fortalecida pelo sufrágio feminino, e não enfraquecida”. Emmeline Pankhurst, sua companheira britânica na luta, virou defensora acirrada do colonialismo, negando que ele fosse “algo a ser criticado ou do que se envergonhar” e insistindo que, em vez disso, “é algo grandioso sermos os herdeiros de um império como o nosso”.

[Osório diz: o que diz Emmeline cabe, como luva, ao que disse sobre Hume! A preocupação é a preservação do império, da vida boa, mesmo que isso esmague a vida de outros.

Já a frase de Carrie me parece bem colocada dentro do contexto! O que ela queria vencer era a resistência dos brancos!

Brancos escravizam mulheres e negros em nome de sua supremacia. Carrie diz: sua supremacia não será atingida senhor branco, caso o sufrágio às mulheres seja concedido.

Parece uma conquista por etapas.

Não se pode dar o pé, que depois querem a mão”, alguém certamente disse depois.]

Tanto o sexismo quanto a xenofobia têm sido comuns no movimento sindicalista, tudo isso em nome da defesa dos direitos dos trabalhadores — dos trabalhadores homens e não imigrantes, que fique claro.

Mas é um equívoco pensar que ideias racistas, sexistas ou intolerantes de outras maneiras automaticamente desqualifiquem uma figura histórica como objeto de admiração. Qualquer pessoa que não consiga admirar figuras assim revela uma profunda falta de entendimento sobre como nossas mentes são condicionadas socialmente, mesmo as maiores delas.

[Osório diz: automaticamente não! Deixa-se de admirar justamente quando se conhecem os erros cometidos! Portanto, nada de automaticamente.

Nossas mentes são condicionadas socialmente”! Voltarei a isso mais embaixo].

Pelo fato de o preconceito parecer tão evidentemente errado, essas pessoas não conseguem imaginar como alguém possa deixar de enxergá-lo, a não ser que seja degradado em termos morais.

[Osório diz: sim! Especialmente quando o preconceituoso é um “gênio”!]

A indignação dessas pessoas supõe de modo arrogante que elas próprias são tão virtuosas que jamais seriam tão imorais, mesmo quando todos a sua volta fossem incapazes de enxergar a injustiça. Já deveríamos saber que isso não é verdade.

[Osório diz: nada disso! Pelo menos comigo! “Jamais” é uma palavra que ‘jamais’ deve ser usada!

O autor se esquece que estamos tratando de seres humanos!

Isso não significa, contudo, que, por todos estarmos sujeitos ao cometimento de falhas, devamos aceitar as falhas dos “gênios”! Ao contrário, a eles a cobrança deve ser maior!

Lembrei-me de frase irônica de Stanislaw Ponte Preta: “Restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!”

Basta invertê-la: “se todos somos imorais, esqueçamos a imoralidade dos “gênios”!]

A lição mais perturbadora do Terceiro Reich é que ele foi apoiado em grande medida por cidadãos comuns que teriam levado vidas isentas de culpa, não fosse o acaso de terem vivido naqueles tempos particularmente tóxicos.

[Osório diz: e as virtudes de Hitler em construir o fusca, em dar emprego a Albert Epeer e preservar Paris?

Aqui o autor muda e cai na vala que ele vinha dizendo que condenava!]

Qualquer confiança que possamos sentir no fato de que nós não faríamos o mesmo é infundada, já que hoje temos consciência do que as pessoas na época não sabiam. Tolerar o nazismo hoje é inimaginável, porque não é preciso imaginação alguma para entender exatamente quais foram suas consequências. Por que tantas pessoas acham impossível acreditar que qualquer chamado gênio possa ter deixado de enxergar que seus preconceitos eram irracionais e imorais?

[Osório diz: por serem gênios, macho, como dizem os cearenses!]

Uma razão disso é que nossa cultura parte de uma premissa equivocada e muito arraigada: que o indivíduo é um intelecto humano autônomo, independente do ambiente social. Um conhecimento mesmo superficial de psicologia, sociologia ou antropologia jogaria por terra essa ilusão cômoda.

[Osório diz: sim! Mas no meio do lodo nasce a flor! E os “gênios” fdp’s deveriam saber disso!

Deviam dizer: “Estou perdido no meio de um mar de merda, mas que eu queria que fosse um mar de mel, para mim e para os demais seres humanos!]

O ideal do Iluminismo de que todos somos capazes e devemos pensar por nós mesmos não deve ser confundido com a fantasia hiper-iluminista de que todos somos capazes de pensamento independente. Nosso pensamento é moldado por nosso ambiente, de maneiras profundas das quais nós mesmos não temos consciência. Aqueles que se negam a aceitar que são tão limitados por essas forças quanto todas as outras pessoas têm delírios de grandeza intelectual.

Quando uma pessoa está arraigada em um sistema imoral, torna-se problemático atribuir responsabilidade individual. Isso é perturbador, porque todos acreditamos com firmeza na ideia de que o lócus da responsabilidade moral é o indivíduo autônomo. Se levássemos a sério o condicionamento social de crenças e práticas repulsivas, o medo é que todos seriam perdoados e que nos restaria um relativismo moral intolerável.

[Osório diz: concordo somente com o final!

O autor perdoa os racistas, mas não os nazistas!]

Mas o receio de que seríamos incapazes de condenar o que mais precisa ser condenado é infundado. A misoginia e o racismo não são menos repulsivos pelo fato de serem produtos de sociedades, tanto ou mesmo mais do que de indivíduos.

Desculpar Hume não quer dizer tolerar o racismo; desculpar Aristóteles não é desculpar o sexismo. Racismo e sexismo nunca foram aceitáveis: as pessoas apenas acreditavam, de maneira equivocada, que fossem.

[Osório diz: equivocadas? “Gênios” equivocados?]

Aceitar isso não significa passar por cima dos preconceitos do passado. Tomar consciência de que mesmo pensadores como Kant e Hume foram produtos de seu tempo serve para nos lembrar de que as maiores mentes também podem ficar cegas diante de erros e males, se estes forem bastante onipresentes.

[Osório diz: desculpa esfarrapada, creio].

Isso também deve nos levar a questionar se os preconceitos que vêm à tona em suas observações mais infames não podem estar à espreita, em segundo plano, em outras partes de seu pensamento. Boa parte da crítica feminista feita à filosofia de “homens brancos mortos” é dessa natureza, argumentando que a misoginia evidente é só a ponta de um iceberg muito mais insidioso. Em alguns casos isso pode ser verdade, mas não devemos presumir que seja. Muitos pontos cegos são locais, deixando o campo geral de visão perfeitamente claro.

[Osório diz: nós somente trabalhamos com presunção, amigo!]

A defesa da misoginia de Aristóteles apresentada por Edith Hall, estudiosa dos clássicos da literatura grega e romana, constitui um exemplo rematado de como salvar um filósofo de seu próprio pior lado.

[Osório diz: mas isso não significa que ele tenha um lado pior! E o lado melhor pode estar no que acima chamei de “material”].

Em lugar de julgar Aristóteles pelos critérios de hoje, Hall argumenta que um teste melhor seria indagar se os fundamentos de seu modo de pensar o levariam a ser preconceituoso hoje. Dada a abertura de Aristóteles a evidências e à experiência, não há dúvida de que, se vivesse hoje, não seria necessário persuadi-lo de que as mulheres estão em pé de igualdade com os homens.

[Osório diz: o autor de “A psicanálise dos contos de fadas”, Bruno Bettelheim, que viveu hoje, era pedófilo, dizem!

Portanto, é complicado atualizar para desculpar].

Também Hume se rendia à experiência, de modo que, se vivesse hoje, é provável que não suspeitaria nada de negativo em relação aos povos de pele escura. Em suma, não precisamos olhar além dos fundamentos da filosofia deles para entender o que estava errado no modo como eles os aplicaram.

[Osório diz: ao contrário! É para isso que temos que olhar, com todos os olhos possíveis, justamente para que não nos enganemos tão facilmente.

Nem sempre a filosofia está alheia à política a que serve. Ao partido a que serve!

A filosofia vai além do “amor ao saber”!].

Uma razão pela qual podemos relutar em perdoar os pensadores do passado é o receio de que desculpar os mortos nos obrigará a desculpar os vivos. Se não pudermos criticar Hume, Kant ou Aristóteles por seus preconceitos, como podemos criticar as pessoas que estão sendo cobradas pelo movimento #MeToo por atos que cometeram em círculos sociais em que esses atos eram completamente normais? Afinal, Harvey Weinstein não seguiu tipicamente a cultura do “teste do sofá” de Hollywood?

[Osório diz: é por aí!]

Há, no entanto, uma diferença muito importante entre os vivos e os mortos. Os vivos podem entender como seus atos foram errados, podem reconhecer o fato e demonstrar remorso. Quando seus atos forem crimes, podem enfrentar a Justiça. Não podemos nos dar ao luxo de sermos tão compreensivos com os preconceitos do presente quanto somos com os do passado.

[Osório diz: os vivos aprendem com os mortos? Com suas obras? Estas não estão inseridas no ambiente social formador do ser humano?

Pediu desculpas, está isento de pena”? Bem Brasil isso!]

Para transformar a sociedade, é preciso levar as pessoas a enxergar que é possível superar os preconceitos com que foram criadas. Não somos responsáveis por criar os valores distorcidos que moldaram a nós e a nossa sociedade, mas podemos aprender a assumir a responsabilidade por como lidamos com eles de agora em diante.

[Osório diz: isso tudo sem deixar de reconhecer que os preconceituosos foram preconceituosos, até para que aprendamos para não repeti-los e possamos transmitir os erros deles às futuras gerações, tudo na tentativa de que eles morram de verdade, pois enquanto suas ideias circularem, seus atos imorais estão aí].

Os mortos não têm essa oportunidade; logo, é inútil desperdiçar nossa indignação castigando-os. Temos razão em lamentar as iniquidades do passado, mas culpar indivíduos por coisas que fizeram em tempos menos esclarecidos, aplicando os padrões de hoje, é duro demais."

[Osório diz: o fecho não podia ser pior, depois do que tentei dizer, e disse!].

Julian Baggini, escritor e filósofo britânico, é autor de “O que os Filósofos Pensam” (ed. Ideias e Letras, 2005) e “How the World Thinks: A Global History of Philosophy” (2018).

Texto originalmente publicado no site Aeon; tradução de Clara Allain.

[Osório diz: finalizando: creio que o que escrevi em (http://osoriobarbosa.com.br/.../831-os-sofistas-e-os...) serve para cá, portanto, remeto para lá, dizendo apenas:

NA ÉPOCA EM QUE ESSES ‘GÊNIOS’ FORAM PRECONCEITUOSOS, JÁ EXISTIAM HOMENS COMBATENDO OS PRECONCEITOS QUE ELES DEFENDIAM. Melhor: gastaram rios de tinta criticando os que combatiam a escravidão, por exemplo]

Obrigado Fabio pela oportunidade do exercício.

Inté,

Osório Barbosa

P.S.: lendo o livro “Rivalidades criativas”, de Michael White (ed. Record), encontrei os excertos abaixo que podem ajudar na compreensão do tema acima. Vejam:

Rivalidades produtivas.

MICHAEL WHITE

“… Ainda assim, foi um processo torturantemente lento. Quando Newton foi para a Universidade de Cambridge em 1661, o currículo pouco diferia do modelo helênico ensinado ali, desde a fundação da universidade, no início do século XIII. Mas as palavras de Galileu, Descartes e Boyle, e as reflexões dos alquimistas, estavam lá para salvá-lo. Mesmo nos tempos de estudante de Darwin, um século e meio depois de Newton, as grandes universidades eram retrógradas ao extremo, e todo estudante era obrigado a jurar seguir os Trinta e Nove Artigos da Igreja Anglicana. Darwin fez objeção, mas, como iremos ver, no fim de sua vida ele teria a palavra final sobre a importância da religião.

Ainda assim, recentemente tornou-se moda para alguns intelectuais tentar provar que a Igreja, na realidade, era mais esclarecida do que se pensava, e que ela não tentou sufocar a razão e a inovação. Uma importante parcela da pesquisa moderna nesse campo tenta demonstrar que, entre os séculos XVI e XIVIl, muitos sábios católicos foram incentivados pelo Vaticano a realizar observações astronômicas sérias.

Isso é verdade, a Igreja deu sua sanção a alguns astrônomos e permitiu a construção de observatórios, pagos pelos cofres do Vaticano. Giovanni Cassini (1625-1712) foi o mais famoso astrônomo a se beneficiar dessa proteção, e fez muitas observações do sol em observatórios financiados pela Igreja na década de 1650. O objetivo oficial dessas observações era produzir um calendário mais preciso, de modo que as autoridades eclesiásticas pudessem determinar a data certa da Páscoa em cada ano, que fora fixada pelo Concílio de Nicéa, em 325, na "primeira lua cheia depois do equinócio da primavera".

Mas essa história não acaba ai, porque, ao permitir essas atividades, a Igreja tinha claros motivos inconfessados. Ansiosa por encontrar qualquer evidência ue sustentasse suas convicções anti-Copérnico, a Igreja criou sua própria equipe de astrônomos para vasculhar os céus em busca de provas com as quais pudesse combater a ciência em seus próprios domínios. Esta era, naturalmente, uma ação autocomprovante, pois figuras poderosas no Vaticano suprimiam qualquer evidência que parecesse apoiar Copérnico e divulgavam qualquer coisa que pudesse ser usada para contradizê-lo. Assim, o mundo só saberia dos resultados se eles fossem favoráveis à Igreja.

Talvez essas descobertas tenham sido feitas e devidamente registradas, mas seus autores foram proibidos de publicar seus trabalhos, ou de dar qualquer notícia a respeito dessas descobertas em suas preleções. Em outras palavras eles foram neutralizados, tornaram-se eunucos intelectuais. Se nada mais houvesse, este fato bastaria para mostrar que a Igreja era um sistema fechado suas figuras principais tinham receio de doutrinas rivais. Era uma autoridade que agia como força puramente opressiva. Não se deve esquecer que a Igreja tolerava aqueles que contestavam o modelo geocêntrico, mas apenas enquanto eles (como o cauteloso editor de Copérnico) mantivessem suas especulações como tal - curiosidades matemáticas - e nunca como visões concorrentes do mundo.

QUANDO PENSAMOS nas figuras hercúleas que batalharam no longo caminho até a razão e em suas contribuições para nossa moderna visão do mundo, é muito natural imaginar o que os movia, o que os levava ao ato de descobrir. De fato, essas considerações nos levam a questionar o próprio significado da descoberta. Em vários aspectos os cientistas e os filósofos da natureza que os precederam têm muito em comum com artistas, músicos, escritores. Na verdade, muitos dos que se destacaram como artistas ou cientistas mostraram ter talentos geminados. Sir Edward Elgar foi educado como químico, Alexandre Borodin foi um notável professor de química, Albert Einstein era considerado um hábil violinista amador, e Leonardo, naturalmente, foi primeiro reconhecido como um artista consumado e somente depois como um cientista. Talvez essas pessoas tenham a chave para a compreensão do modo como a descoberta acontece, pois a inovação cientifica e a criação artística mostram notáveis similaridades, e parecem brotar de um impulso idêntico.

Muitas pessoas percebem o cientista como um indivíduo seco, uma caricatura, um homem com cabelo ralo vestido com um avental branco de laboratório. Isto, claro, é um estereótipo amado pela mídia, e é uma imagem tão falsa quanto a do artista com um barrete e uma bata besuntada de tinta. Não se deve levar a sério tais exageros. Além disso, a idéia de que a ciência é uma ocupação árida ou, pior ainda, puramente um esforço "útil" deve ser ignorada. Certamente os cientistas são homens do seu tempo, eles têm as mesmas preocupações de todos nós e trabalham dentro de um contexto cultural limitado, mas, num paralelo direto com o do artista, o trabalho do cientista transcende tempo e lugar. A ciência, de fato, é "útil", mas também são úteis as palavras, as tintas e as cordas do violino.