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Saulo Ramos e os (e)leitores

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(*)

Artigo escrito pelo ex-ministro da Justiça Saulo Ramos (Folha de S.Paulo, 15/3/02) foi discutido no mesmo dia em aula no curso de pós-graduação em Direito, na PUC-SP. O assunto foi levado pela professora a fim de ilustrar o tema estudado, a interpretação constitucional, no subtema "o intérprete".

A professora se dizia admirada pelo fato de até aquele momento ninguém ter escrito sobre a busca e apreensão realizada na empresa Lunus, em São Luís (MA). Dizia ela que por estar afastada desde 1973 do estudo da processualística civil, não poderia dar sua opinião sobre as formalidades envolvendo o caso, mas que, por ser Saulo Ramos o jurista que é, com ele compartilhava que a busca e apreensão deveria ter sido executada por oficial de justiça, nunca por policiais federais. Apenas se aqueles encontrassem resistência deveriam solicitar ao juiz que requisitasse a intervenção da Polícia Federal. O pensamento, que é o do autor do artigo, deixa a impressão que o direito ainda está nos tempos das cavernas ou vive num mundo de fantasias.

 

O tema da aula era a função do intérprete da lei. Por isso, vamos trabalhar com o artigo do jurista solicitando a você leitor(a) que, à moda dos programas televisivos interativos, interaja conosco a fim de que conheçamos alguns dos pontos que mais chamaram a atenção no texto da Folha, e que merecem vir à baila para que se saiba como atuam os intérpretes da lei de acordo com seus interesses, geralmente escusos, e como é importante, para não dizer fundamental, a posição do intérprete no resultado da interpretação.

Responda às seguintes questões: 


1. Se você tivesse uma causa sendo julgada por um juiz e a causa fosse contra o União, e o ministro desta pedisse que um juiz-amigo decidisse de acordo com o que ele, ministro, escrevera, você acreditaria neste ministro e nesta justiça?

Sim ( ) Não ( )


2. Você confiaria na isenção de um servidor público, no caso o ministro, ao dar opinião sobre a pessoa ou os familiares da pessoa que o nomeou para um cargo de confiança?

Sim ( ) Não ( )


3. Você leitor confia mais no seu advogado que no advogado da parte contrária?

Sim ( ) Não ( )


4. A lei é para funcionar em relação a todos ou apenas em relação a alguns.
Sim ( ) Não ( )


5. O Fernandinho Beira-Mar teria esperado a polícia se tivesse sido avisado que ela chegaria?

Sim [todos] ( ) Não [alguns] ( )


6. Você confia que a Polícia Militar seja capaz de prender o seu comandante maior, o governador do Estado?

Sim ( ) Não ( )


7. Você conhece o artigo 144, parágrafo 1º, inciso IV da Constituição Federal, que diz o seguinte: "A Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturada em carreira, destina-se a: exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União"?

Sim ( ) Não ( )


8. Se a polícia judiciária da União é a federal, o juiz federal (que é a autoridade judiciária) pode determinar que essa polícia cumpra suas ordens?

Sim ( ) Não ( )


9. A Polícia Federal é uma polícia nacional ou estadual?

Sim [nacional] ( ) Não [estadual] ( )


10. Você se entende melhor conhecedor da realidade de um processo que nunca viu de que o juiz que com ele trabalha todos os dias?

Sim ( ) Não ( )


11. O juiz, membro da sociedade, deve conhecer a realidade que o cerca?

Sim ( ) Não ( )


12. Conhecendo a realidade, o juiz deve adotar providências para que suas decisões sejam efetivas ou deve brincar de faz-de-conta, deixando para a sociedade, à qual serve, a ilusão de que agiu cumprindo a lei?

Sim [adotar providências] ( ) Não [brincar] ( )


13. Sabendo-se que a lei ordinária (às vezes mais ordinária do que lei) só é válida se estiver de acordo com a Constituição, assim não podendo contrariá-la e, em caso de conflito, a Constituição se sobrepõe ela, pergunto, leitor(a): a lei ordinária é superior, à Constituição?

Sim ( ) Não ( )


14. O artigo 355, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal, no qual se louva o ex-ministro Saulo Ramos, conflita com artigo constitucional acima transcrito?

Sim ( ) Não ( )


15. Havendo conflito, o artigo constitucional deve prevalecer sobre o artigo do Código de Processo Penal?

Sim ( ) Não ( )


16. Para ser ministro da Justiça é necessário saber que a Constituição é superior ao Código Penal ou para ser ministro, no Brasil, é necessário somente ser amigo do presidente da República?

Sim [saber que a CF é superior] ( ) Não [ser amigo] ( )


17. Se um filho ou uma filha de um amigo seu estivesse envolvida com a polícia, e você fosse advogado da família, opinaria, no caso, desinteressadamente?

Sim ( ) Não ( )


18. Se esse filho ou filha do seu amigo tivesse "culpa no cartório", seu interesse na defesa seria escuso?

Sim ( ) Não ( )


19. Você já leu o livro A República dos Padrinhos, de Gilberto Dimenstein, que trata, exatamente, do mesmo fato do artigo ora comentado, qual seja, a corrupção, que ganhou até uma CPI integrada por José Ignácio Ferreira, hoje governador do Espírito Santo, o qual, segundo os jornais, se tornou mestre no assunto?

Sim ( ) Não ( )


20. Você sabia que os investigados da dita CPI da Corrupção eram, dentre outros, José Sarney e Jorge Murad, e que o ministro da Justiça, da época, era o articulista do artigo comentado?

Sim ( ) Não ( )


21. Você sabia que a Polícia Federal não recebeu determinação alguma do ministro da Justiça da época para apurar os fatos apontados na CPI?

Sim ( ) Não ( )


22. Você sabia que a Polícia Federal não quer ser controlada pelo Ministério Público, na sua atividade externa, mas aceita subordinar-se na mesma atividade ao Poder Executivo, tanto assim que lhe manda fax na hora que está agindo?

Sim ( ) Não ( )


23. Você sabia que se fizer uma pesquisa no Carandiru, todos se dirão inocentes e perseguidos, levando-nos a acreditar que "lugar de inocente é na cadeia", já que todos, exceto carcereiros, se qualificam como tal?

Sim ( ) Não ( )

Acabaram-se a paciência dos senhores(as) e as perguntas inconvenientes. Por estas, acredita-se suficiente a demonstração da importância da figura do intérprete na aplicação das leis - pois aqueles que as aplicam têm apenas amigos e, para os amigos, sabe como é que é...

Existe um ensinamento calhorda que diz: "aos amigos os benefícios da lei, aos inimigos os rigores da lei; e àqueles que não são amigos nem inimigos, simplesmente a lei". Bom será no dia em que não exista, na aplicação da lei, nem amigos nem inimigos. Mas agora é necessário que volte o autor destas mal traçadas à sala de aula para que continue aprendendo, mesmo sabendo que interpretação constitucional não é tão difícil, como deve ter percebido o(a) leitor(a). A não ser quando se faz ciência, mas aí são outros quinhentos. A beleza do Direito não corresponde à sua prática, infelizmente.

(*) Procurador da República e mestrando da PUC-SP

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