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A JUSTIÇA - (De Laio a Antígona, passando por Édipo e Creonte)

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A cidade de Tebas, situada na região da Beócia, no sudoeste da Grécia, teve como seus ancestrais e seus reis: Cadmos, Polidoro, Agenor, Lábdaco, Laio e Édipo. Seu fundador foi Cadmos.

Lábdaco inicia a dinastia dos Labdácios.

Laio era filho de Lábdaco e, ainda muito jovem, foi impedido por Zeto e Anfião de assumir o trono de sua cidade, tendo que dela se refugiar, indo para a cidade de Elida, onde foi recebido na corte do rei Pélops.

Os gregos prezavam muitíssimo os laços de hospitalidade, tanto assim que um dos motivos da guerra de Tróia foi o fato de Páris, príncipe filho dos reis Príamo e Hécuba daquela cidade, e que fora hóspede de Menelau, rei de Esparta, ter-lhe levado a esposa ao fim da hospedagem, ofendendo, assim, gravemente, a hospitalidade que lhe fora dedicada.

 

Esquecendo dessa obrigação sagrada para com seu hospedeiro, Laio se apaixonou perdidamente por Crisipo, filho do rei Pélops e da ninfa Axíoque, raptando o rapaz, assim como Páris fizera com Helena (embora, mais tarde, Górgias, vá por em dúvida se Helena foi levada por castigo, por engano, por rapto ou por amor, defendendo, para qualquer que tenha sido a causa, a sua absolvição: se foi por castigo dos deuses não poderia ser condenada, pois quem contra tal força iria se opor? Se foi por engano, não poderia ser condenada, pois, quem condenaria a enganada? Se foi raptada, foi levada por violência, então, quem condenaria a vítima? Por fim, se foi por amor, quem condenaria uma pessoa que ama? Estas teses constam do discurso: A defesa de Helena, uma das obras primas do discurso sofístico).

Este rapto, somado ao desrespeito à hospitalidade, levaram o rei Pélops a amaldiçoar publicamente Laio, especialmente que ele morresse sem deixar descendentes. A essa maldição juntou-se a ira da deusa Hera, que era a deusa dos amores legítimos.

Este rapto veio a inaugurar, abertamente, o homossexualismo na Grécia. As conseqüências ...

Crisipo, a vítima de Laio, posteriormente, veio a se matar.

Consultando um oráculo, Laio ficou sabendo que seria morto por um filho seu, como castigo para o ato praticado contra Crisipo.

Laio casou-se, depois, com Jocasta, que tinha um irmão, Creonte, sendo ambos filhos de Meneceu.

Fruto do seu casamento com Laio, Jocasta deu a luz a um menino.

Ao ver o filho, Laio lembrou-se da premonição do oráculo e resolveu matar o próprio filho. Como não tinha coragem, amarrou a criança pelos pés, após ter furado seus tendões, e deu a um de seus pastores para que o abandonasse no monte Citéron, abandono que o levaria à morte certa.

O pastor, realmente, levou a criança rumo ao seu destino. Entretanto, chegando ao local onde abandonaria o menino, se condoeu com a sorte do mesmo, e, em vez do abandono, deu a criança a um outro pastor seu conhecido, que pastoreava os rebanhos do rei de Corinto.

O segundo pastor aceitou a criança por lembrar-se que o rei Pôlibo e sua esposa Mérope não tinham filhos e poderiam adotar o menino. Foi o que fizeram.

Deram-lhe o nome de Édipo, do grego oidípous, que significa pés inchados, exatamente como se encontravam os pés do pequeno em virtude das amarras que lhe pusera o pai, Laio.

Édipo cresceu feliz e com todas as facilidades que a sua condição de filho dos reis lhe podia proporcionar. Estudou e praticou esportes.

Já rapaz, Édipo participava de uma animada festa quando um dos convidados, já embriago, disse a ele que não era filho legítimo dos reis Pôlibo e Mérope, mas que era filho adotivo.

Com a notícia, Édipo foi interrogar seus pais sobre o assunto, os quais se sentiram magoados com as perguntas do filho. Este continuou a remoer a sua dor e resolveu dirigir-se ao oráculo de Apolo, na cidade grega de Delfos, mas o oráculo não pôs fim às sua dúvidas, ao contrário, aumentou seu desespero ao dizer-lhe que, no futuro, ele se casaria com a própria mãe, com quem teria filhos, tudo isso após matar o próprio pai.

Com medo deste vaticínio, Édipo decidiu não mais voltar para Corinto, com medo de praticar os atos que o oráculo predissera.

Saiu caminhando sem destino, indo, nesse itinerário, aproximar-se da cidade de Tebas.

Quando se aproximava da cidade, na estrada apareceu um carro levando várias pessoas. Uma delas se aproximou de Édipo e o agrediu para que ele saísse da estrada, permitindo a passagem do carro. Nessa agressão foi ajudado pelo principal ocupante do carro.

Édipo revoltou-se com a agressão e matou a todos, exceto um dos ocupantes do carro que conseguiu fugir.

Nessa época, a cidade de Tebas vinha sendo atacada pela esfinge (monstro que tinha cabeça e busto de mulher, corpo de leoa, cauda em forma de serpente, asas de ave, garras de leoa e voz humana), a qual lançava enigmas aos tebanos; aqueles que não respondiam eram devorados por ela.

Ao encontrar-se com Édipo, a esfinge lançou-lhe o seguinte enigma: "qual é o animal que pela manhã anda com quatro pernas; ao meio-dia com duas e à tarde anda com três pernas?"

Édipo decifrou o enigma ao responder que tal animal era o homem, pois quando criança (manhã) anda engatinhando; na meia idade (meio-dia) anda com os dois pés, e na velhice (tarde) anda auxiliado por bengala.

Vencida, a esfinge se afogou no mar.

O rei de Tebas que tinha saído da cidade em busca de ajuda para derrotar a esfinge não voltara mais. Na sua ausência e morte presumida, assumiu o trono seu cunhado Creonte, que tinha prometido o próprio trono e a mão da rainha viúva Jocasta àquele que vencesse a esfinge. Tendo vencido, Édipo assumiu o trono e casou-se com a rainha.

Do casamento de Édipo com Jocasta nasceram os seguintes filhos: Antígona, Ismênia, Polinices e Eteócles.

Tebas, até certo momento, prosperou sob o governo de Édipo. Passados alguns anos, instalou-se sobre a cidade uma terrível peste que abateu-se incansavelmente seus habitantes.

Esta peste foi provocada pelos deuses, que estavam atentos aos cumprimentos de seus vaticínios anteriormente emitidos.

Não sabendo o que fazer para controlar o mal que dizimava a população, Édipo manda seu cunhado Creonte ir consultar o oráculo de Delfos sobre os motivos da peste.

Creonte volta com a resposta do deus Apolo, que manda libertar Tebas da execração, banindo o assassino do rei Laio.

Édipo começa a procura pelo assassino do rei. Em primeiro lugar conclama a população a denunciá-lo; depois que se apresente voluntariamente, pois, neste caso, será apenas exilado e não morto. Dentre os castigos que irá impor ao criminoso, estão os seguintes:

"...proíbo terminantemente aos habitantes deste país onde detenho o mando e o trono que acolham o assassino, sem levar em conta o seu prestígio, ou lhe dirijam a palavra ou lhe permitam irmanar-se às suas preces ou sacrifícios e homenagens aos bons deuses ou que partilhem com tal homem a água sacra! Que todos, ao contrário, o afastem de seus lares pois ele comunica mácula indelével".

Como ninguém se apresenta, o rei manda chamar o profeta cego Tirésias, para consultá-lo sobre quem seria o criminoso.

Com relutância, o profeta diz a Édipo que ele é a própria pessoa a quem procura. Este passa, então, a ralhar com o profeta, imputando-lhe falso conhecimento, em especial por inveja de não ter sido o próprio a vencer a Esfinge.

A revelação, no entanto, perturba profundamente o rei, que passa a desconfiar de um complô contra si, armado por seu cunhado Creonte, a quem Tirésias servia.

Eis que chega de Corinto um mensageiro noticiando a Édipo que seu pai Pôlibo tinha morrido e que sua mãe Mérope tinha se matado em seguida. Édipo se diz contente por deste modo ter fugido da profecia do oráculo. Eis que, ao ouvir tal regozijo, o mensageiro informa a Édipo que ele realmente não era filho dos reis de Corinto, e sim de um casal tebano, tendo, quando criança, sido entregue por um pastor do rei Laio, conhecido do mensageiro por pastorearem juntos no monte Citéron.

Édipo pergunta-lhe se era capaz de reconhecer o dito pastor, ao que ele responde que, mesmo com o passar dos anos, seria possível.

Édipo chama Jocasta e pergunta-lhe pelo pastor de Laio que lhe servia por aquela época. Jocasta diz que ele foi o único que sobreviveu ao ataque em que morreu Laio. Creonte ordena que mandem chamá-lo. Quando o pastor chegou, foi apresentado ao pastor mensageiro de Corinto, tendo ambos se reconhecido imediatamente.

O pastor do rei Laio, contudo, tentou, com evasivas, negar os fatos, mas, pressionado, confessou que a criança era filha de Laio e Jocasta, portanto, que era o próprio Édipo. Este, sabedor do defeito que tinha nos calcanhares, reconheceu a verdade que tanto queria evitar.

Nesse ínterim, Jocasta se retira para o interior do palácio, onde vem a se enforcar com uma corda em seu quarto.

Édipo vai ao encontro de sua mãe e esposa e já a encontra morta. Ao deparar-se com o cadáver, o rei retira os broches da roupa dela e com eles, no desespero, fura os próprios olhos, cujo sangue e lágrimas molham toda a barba. Quando, então, disse:

"para que serviriam meus olhos quando nada me resta de bom para ver? Teria algum prazer vendo o semblante dos pobres filhos meus, nascidos como foram?"

Édipo se impõe todo este sofrimento, mas evita se matar para não encontrar com os próprios pais no mundo dos mortos.

Após estes acontecimentos, como maldito e como ele próprio determinara, Édipo foi expulso de Tebas, assumindo o trono seu cunhado Creonte, tendo em vista a pouca idade dos filhos de Édipo.

Vagando pela Grécia, tempos depois, Édipo chega aos arredores de Atenas, mais precisamente em Colono, uma espécie de bairro daquela cidade.

Sem saber, invade neste local um parque destinado a deusas poderosas, as Fúrias (ou Erínies), no que fora repreendido por um morador local. A censura leva-o, guiado por sua filha Antígona, que era sua guia e que pedia alimento para ambos, abandonar o local. Pede, no entanto, ao seu interlocutor que faça chegar ao rei de Atenas o seu desejo de conversar com ele, pois tem a relatar-lhe uma clarividência. Quando o interlocutor parte, Antígona diz a seu pai:

"devemos adaptar-nos, pai, às tradições dos habitantes desta terra, obedecendo-lhes sempre que seja necessário e os ouvindo",

o que já demonstrava o tirocínio da menina.

O rei de Atenas era Teseu, filho de Ageu.

Enquanto Édipo e Antígona estavam naquele local, chega ao encontro deles a filha e irmã Ismene, mais velha que Antígona e que muito havia perambulado até encontrá-los. Traz-lhes a notícia de que os filhos de Édipo, Eteócles (o mais novo) e Poliníces, tentaram fazer de Creonte rei de Tebas, para, com isso, afastar a maldição que se abatia sobre os Labdácidas. Essa solução foi passageira e durou até os príncipes ficarem adultos, quando acordaram entre si que dividiriam o poder, administrando Tebas alternadamente. Após o primeiro mandato de Poliníces, assumiu Eteócles, que ao término de seu mandato, não mais devolveu o poder ao irmão. Então, começaram a brigar pelo cetro e pelo poder real, sendo que Eteócles, sendo mais novo e por isso com menor direito, pela idade, ao poder, assumiu definitivamente o trono ao primogênito Poliníces e o expulsou da cidade.

Poliníces, cumprindo o ostracismo, um dos piores castigos para os gregos, pois significava a morte em vida, foi para a cidade de Argos, onde veio a se casar com a filha do rei Ádrasto, que o armou de poderoso exército a fim de recuperar seu trono em Tebas.

O rei Teseu chega para ouvir Édipo e pergunta-lhe que benefício o rei cego pretendia trazer-lhe. Édipo responde que com o tempo ele saberá, mas não naquele momento. "Quando, então?", pergunta Teseu. "Quando eu morrer e me tiveres sepultado", responde Édipo. Teseu, então, dá guarida a Édipo e suas filhas, acolhendo-o como habitante do lugar, incumbindo a súditos que deles cuidassem.

Tempo depois, Édipo e as filhas recebem a visita de Creonte, que diz que, em nome do povo, vinha levar Édipo de volta a Tebas. Como já tinha sido alertado por Ismene, Édipo recusa, pois o que Creonte lhe preparava era uma sepultura nos arredores de Tebas. Com a resposta negativa, Creonte revolta-se e tenta levar suas sobrinhas consigo. Édipo pede e o povo vem em seu socorro, inclusive o rei Teseu, que, ao chegar no local, encontra apenas Creonte, pois os guardas do rei tebano já haviam partido, levando as duas meninas. Teseu reclama sua devolução, mas há recusa por parte do outro rei. Teseu e seus guardas saem em perseguição aos raptores e conseguem devolver as meninas ao seu velho pai.

Édipo toma conhecimento, por Antígona, que Poliníces deseja com ele conversar, ao que o pai recusa terminantemente, pois se encontra naquela vida miserável pelo fato de ter sido expulso pelos seus filhos varões. Teseu intervém, pedindo ao ancião que receba seu filho, ao que ele não pôde deixar de aquiescer.

Poliníces veio pedir ao seu pai que o apoiasse em sua investida contra Tebas, pois o oráculo predissera que o filho que recebesse o apoio paterno sairia vitorioso do embate. Édipo recusa terminantemente a apoiar qualquer dos filhos e prediz que no combate os dois irmãos se matariam mutuamente.

Sem aprovação paterna, Poliníces caminha para o cerco a Tebas.

Édipo pede para que chamem novamente o rei Teseu e, quando este chega, noticia que é chegada a sua morte. Pede ao rei que cuide de suas filhas. Pede a todos que permaneçam onde estão e que somente o rei o acompanhe, pois só este saberia o local de sua sepultura, sendo este o benefício que lhe prometera quando de sua chegada. Os dois caminham até sumir das vistas das pessoas, voltando, posteriormente, apenas o rei Teseu, que guardou consigo para sempre o local da sepultura do rei maldito.

Começa a guerra entre os irmãos Eteócles e Poliníces pelo domínio de Tebas. Quem a vencerá, já que ambos aparentam ter igual legitimidade para sua causa?

Poliníces busca recuperar o trono do qual foi alijado injustamente por seu irmão.

Eteócles defende a existência da cidade de Tebas e de seu povo, cuja dizimação é buscada por seu irmão.

Assim, ambas as causas são perfeitamente defensáveis, mas de que lado estarão os deuses?

Etéocles afirma que eles estão sempre com os vencedores, com os vencidos estão os outros. Insiste que os divinos debandam da cidade vencida. E arremata que em qualquer empresa, a má companhia é o que há de pior.

O rei usurpador comanda e dirige o exército tebano, distribuindo os batalhões para os locais em que devem combater.

Como Tebas era cercada de muralha, existiam sete portas que lhe davam acesso. Para cada uma delas Poliníces encaminhou um batalhão com o respectivo comandante, na seguinte ordem:

  • porta de Electra: seria atacada sob o comando de Capaneu;
  • porta Neís: seria atacada sob o comando de Eteoclo;
  • porta Atena Onca: seria atacada sob o comando de Ipomedonte;
  • porta Bóreas: seria atacada sob o comando de Partenopeu;
  • porta Homolóis: seria atacada sob o comando de Anfiareu;
  • finalmente, a sétima porta seria atacada sob o comando do próprio Poliníces e, para combatê-lo, destacou-se a si próprio o rei Etéocles. 

Na luta, os reis, nascidos no mesmo ventre, jazem, abatidos por golpes recíprocos, vítimas das próprias mãos, como de resto já antevira o próprio Édipo.

Com a morte dos irmãos, volta a assumir o trono seu tio Creonte, o qual, contra toda crença e prática ancestrais, baixa um decreto determinando que o corpo de Poliníces permanecesse insepulto, servindo de pasto para cães e aves de rapina, uma vez que ele morrera ao atacar a cidade de Tebas.

Quanto a Etéocles, receberia ele os funerais destinados aos heróis, pois morrera defendendo a cidade de Tebas.

O decreto de Creonte afrontava toda a tradição grega, que via e tinha no sepultamento um dos rituais mais sagrados e respeitados, tanto assim que a Guerra de Tróia chegou a ser interrompida para que se celebrassem os funerais de Heitor. Ou seja, o decreto ia de encontro a costumes imemoriais que, segundo acreditavam os próprios gregos, foram estabelecidos pelos próprios deuses.

A quem a população deveria obedecer, quanto ao sepultamento de Poliníces: ao decreto de Creonte ou às leis consideradas divinas? Havia comentários na cidade condenando o decreto real, mas, como a conseqüência para o seu descumprimento era a morte do infrator, ninguém ousava descumprir o édito real.

Antígona, no entanto, resolve contrariar o decreto de Creonte.

Decidida a enterrar seu irmão Poliníces, prestando-lhe as últimas homenagens, convida sua irmã, Ismênia, para ajudá-la na empreitada, sendo que esta pondera que tal atitude seria temerária, levando-as à morte. Mesmo diante da ponderação, Antígona vai em frente.

Aproximou-se do cadáver num momento de distração dos guardas, que o vigiavam para que fosse devorado. Lavou o seu corpo e fez preces.

Quando os guardas perceberam que o corpo fora sepultado, foram noticiar tal fato a Creonte, que sentenciou que, caso o autor do sepultamento não fosse encontrado, seriam mortos os próprios guardas que o permitiram, sob suborno.

Os guardas voltaram ao local e desenterraram o corpo novamente, expondo-o à ação determinada pelo decreto real. E se esconderam, para ver o que acontecia. Eis que novamente se aproxima do corpo e começa a enterrá-lo Antígona, momento em que é presa e levada à presença do seu tio-rei, que afirma já desconfiar que se tratasse da mesma. Entre tio e sobrinha, se estabelece o seguinte diálogo:

"Creonte: ... sabias que um edito proibia aquilo?

Antígona: Sabia. Como ignoraria? Era notório.

Creonte: E te atreveste a desobedecer às leis?

Antígona: Mas Zeus não foi o arauto delas para mim, nem essas leis são as ditadas entre os homens pela justiça, companheira de morada dos deuses infernais; e não me parece que tuas determinações tivessem força para impor aos mortais até a obrigação de transgredir normas divinas, não escritas, inevitáveis; não é de hoje, não é de ontem, é desde os tempos mais remotos que elas vigem, sem que ninguém possa dizer quando surgiram. E não seria por temer homem algum, nem o mais arrogante, que me arriscaria a ser punida pelos deuses por violá-las.

Eu já sabia que teria que morrer (e como não?) antes até de o proclamares, mas, se me leva à morte prematura, digo que para mim só há vantagem nisso. Assim, cercada de infortúnios como vivo, a morte não seria uma vantagem? Por isso, prever o destino que me espera é uma dor sem importância. Se tivesse de consentir em que ao cadáver de um dos filhos de minha mãe fosse negada a sepultura, então eu sofreria, mas não sofro agora. Se te pareco hoje insensata por agir dessa maneira, é como se eu fosse acusada de insensatez pelo maior dos insensatos.

Creonte: ... nem ela nem a irmã conseguirão livrar-se do mais atroz destino, pois acuso a outra de cúmplice na trama desse funeral.

Antígona: ... Eles me aprovariam, todos, se o temor não lhes tolhesse a língua, mas a tirania entre outros privilégios, dá o de fazer e o de dizer sem restrições o que se quer."

Creonte busca condenar ambas as irmãs, mas Antígona chama para si toda a responsabilidade pelo ocorrido, dizendo à vacilante Ismene:

"Os mortos sabem quem agiu, e o deus dos mortos; não quero amiga que ama apenas em palavras."

Hêmon, filho de Creonte e da rainha Eurídice, além de noivo de Antígona, roga pela vida da mesma, lembrando ao pai "o rumor obscuro ouvido pelas ruas" contra o seu decreto. Creonte é implacável e condena definitivamente Antígona à morte, mandando encerrá-la em uma caverna junto com alguns alimentos.

O sepultamento de Antígona na caverna é cumprido.

Creonte é procurado pelo adivinho Tirésias, que condena o seu ato, como já fazia toda a cidade, acusando-o de desrespeitar, ultrajando, os deuses. Então o rei resolve voltar atrás em sua decisão e manda seus servos partirem para o local onde Antígona fora encerrada para libertá-la, seguindo-os logo após. Quando as pedras, que fechavam a saída da caverna transformada em prisão, foram retiradas, Antígona estava pendurada, estrangulada em um laço improvisado com o seu próprio véu de linho, matando-se do mesmo modo que sua mãe Jocasta. Hêmon abraçou o corpo de sua noiva apertadamente. Quando Creonte chega ao local e vê a cena vivida por seu filho, com palavras carinhosas, pede que este saia do lugar. Hêmon, no entanto, investe contra o pai com a própria espada, mas não consegue atingi-lo. Revolta-se mais ainda e cospe na cara do pai, deitando-se, em seguida, sobre a lâmina de sua espada, que lhe traspassou o corpo, falecendo abraçado com sua noiva.

Creonte se maldiz:

"infeliz de mim por minhas decisões irrefletidas",

no que foi advertido:

"como tardaste a distinguir o que era justo!"

A morte de seu filho Hêmon chega à Eurídice, que já havia perdido um outro filho, Megareu, durante a guerra de Tebas. Ao ouvir a notícia, a rainha vai para seus aposentos.

Quando Creonte, desesperado, chega ao palácio, é recebido com a notícia de que sua mulher havia se matado e, então, lhe é apresentado o corpo da rainha.

A Creonte não foi dado o benefício da desgraça rápida, pois:

"quanto mais breve for o mal, tanto melhor".

Põe-se ele a lamentar a morte do filho e da mulher, dizendo que, com aquele, tudo perdeu, embora nova desgraça, ainda mais dura, esmague-lhe o destino.

De tudo resta que "a prudência é a primeira condição para a felicidade, que não se deve ofender os deuses em nada e que é na velhice que se aprende, afinal, a ser prudente".

Fontes:

Sófocles, A Trilogia Tebana – Édipo Rei, Édipo em Colona e Antígona, tradução de Mário da Gama Kury, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998.

Ésquilo, Os Sete contra Tebas, tradução de Donaldo Schüler, Porto Alegre, L&PM, 2003.

 Organizado por Osório Barbosa, procurador da República, mestre em Direito Constitucional – PUC/SP. Obras: "Comentários à Lei nº 9.868/98" (Ed. Saraiva) e "A CF Vista pelo STF" (Ed. Juarez de Oliveira).

P.S.: Sófocles não narrou o cerco de Tebas e como morreram os irmãos Poliníces e Etéocles na sua trilogia tebana, tendo a lacuna preenchida por outro dramaturgo, Ésquilo.

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