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O Ministério Público, a Polícia e o Supremo Tribunal Federal

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Desde a promulgação da Constituição de 1988, uma luta velada e, muitas vezes pública, travou-se entre a Polícia e o Ministério Público. Tudo por que aquela teima em não aceitar o controle externo a ser exercido por este sobre suas atividades, como determinado pelo constituinte originário.

Não custa lembrar que tal renitência é uma violação a preceito constitucional, e, aqueles que relutam em aceitar as disposições da Carta Magna não contribuem para a construção do Estado Democrático de Direito, pois a eles falta a vontade de constituição de que fala Konrad Hesse, além de ferirem de morte o princípio republicano do dever de prestação de contas de seus atos, ínsito aos agentes públicos.

Este embate que deveria, passados dez anos da promulgação da CF, estar pacificado, recentemente ganhou sobrevida à sua persistência, desta feita estimulado pelo Colendo STF que, ao julgar o RE nº 205.473-9, ementou:

"EMENTA:

 

CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. ATRIBUIÇÕES. INQUÉRITO. REQUISIÇÃO DE INVESTIGAÇÕES. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. C.F., art. 129, VIII; art. 144, §§ 1º e 4º.

I - Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior.

II - R.E. não conhecido." (DJ de 19.03.99, seção I, fls. 19) (grifamos)

Ressalte-se que ao julgar a ADIn nº 1.517-UF, relatada pelo Ministro Maurício Corrêa (Informativo nº 69), sob o título "Diligências Realizadas por Juiz II", decisão bem anterior ao julgamento cuja ementa acima se transcreveu, o mesmo STF, em sua composição plenária, entendeu que: "A investigação criminal não é privativa da Polícia Judiciária".

Decidiu, ainda, a 1ª Turma do STF em Acórdão da lavra do Ministro Octávio Gallotti:

"Regular participação do órgão do Ministério Público em fase investigatória e falta de oportuna argüição de suposta suspeição do Magistrado. Pedido indeferido."

(HC nº 75.769, D.J. de 28.11.1997, pg. 62.220 - Ementário STF: vol. 01893-3, pg. 00480). Daí porque afirmamos que a controvérsia, a qual já estava dirimida, ganhou sobrevida, devido à discrepante decisão de Turma da cúpula do Poder Judiciário brasileiro, anteriormente transcrita.

O Ministro Marco Aurélio, como sempre, ao fundamentar seus votos em questões em que quedou vencido, faz questão da frisar que não há maior prejuízo ao Poder Judiciário do que o seu dissídio interno, mas, ressaltando o seu entendimento pessoal, sempre adere ao entendimento da maioria.

Na ADIn 1571-DF, cujo relator é o Ministro Néri da Silveira, e que tratou da representação fiscal como condicionante da atuação do MP, ficou decidido: "... que a norma não coacta a ação do Ministério Público Federal, a teor do art. 129, I, da Constituição no que concerne à propositura da ação penal. Dela não cuida o dispositivo, imediatamente. De certo, tomando o MPF pelo mais diversificados meios de sua ação, conhecimento de atos criminosos na ordem tributária, não fica impedido de agir, desde logo, utilizando-se, para isso, dos meios de prova a que tivera acesso. É de se observar, ademais, que, para promover a ação penal pública ut art. 129, I, da Lei Magna da República, pode o MP proceder às averiguações cabíveis, requisitando informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos preparatórios da ação penal (CF, art. 129, VI), requisitando também diligências investigatórias e instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII), o que, à evidência, não se poderia obstar por norma legal, nem a isso conduz a inteligência da regra legis impugnada ao definir disciplina para os procedimentos da administração fazendária." (Informativo STF nº 64)

Nesta última fonte abeberou-se o Ministro Carlos Velloso ao indeferir o HC nº 75.723.

O que mudou? A legislação ou o entendimento do percuciente Ministro?

No Estado do Amazonas determinada autoridade judiciária já afirmou que assinara Alvará de Soltura sem o ler (ver Relatório da CPI do Narcotráfico).

O novo posicionamento está voltado para a doutrina dos delegados de polícia que, a todo custo, tentam alijar o Ministério Público, destinatário último de suas diligências, das investigações a que devem proceder.

O Ministro Carlos Velloso, relator no RE acima transcrito, não exprimiu as mesmas lições primorosas contidas na sua obra "Temas de Direito Público", da Editora Del Rey, principalmente quando cita a Ação Interventiva 114-MT ajuizada pelo Procurador-Geral Aristides Junqueira Alvarenga, pelo fato de indivíduo que se encontrava preso fora linchado e queimado vivo pela população de um certo Município.

É que Sua Excelência não poderia, data venia, formular a seguinte pergunta, constante de seu voto: "o erro do juiz o tribunal pode corrigir, mas quem corrigirá o erro do Ministério Público?"

É que os erros do Ministério Público são corrigidos pelo próprio Poder Judiciário, via habeas corpus, Mandado de Segurança, etc. Portanto não se podendo jamais, perante a ordem jurídica nacional, questionar-se da falta de controle e correção dos atos ministeriais.

Finalizando, temos que o STF, em matéria de sigilo bancário, no Mandado de Segurança nº 21.729-4/DF, no voto do Ministro Octávio Gallotti, já procedeu às devidas distinções entre as causas em que pode o Ministério Público requisitar informações bancárias diretamente ou mediante a via judicial.

Naquela oportunidade ficou consignado: "Impressionou-me, em primeiro lugar, a graduação qualificada que S. Exa. empreendeu da espécie do sigilo bancário, na compreensão do inciso X do art. 5º da Constituição Federal; também as considerações que fez S. Exa. sobre a estrutura constitucional do Ministério Público e a correspondente responsabilidade que cabe a seus membros, na seleção e na preservação dos dados a ser requisitados. Peço vênia, porém, e também a S. Exa., para apresentar minha conclusão numa premissa menos ampla: aquela de que se justifica a quebra do sigilo pela circunstância de aqui se tratar de uma hipótese de requisição à autoridade pública." Disse mais: "... não se acha em causa, propriamente, a quebra de um sigilo. Deste se acha imune por sua natureza, a operação realizada com dinheiros públicos, cujo dispêndio, ao revés, está sujeito, pelo art. 37 da Constituição, para não dizer ao princípio da moralidade, pelo menos, sem dúvida alguma, ao princípio da publicidade."

Assim, houve na respeitável decisão ora comentada inequívoca confusão entre o que se buscava no RE e matéria que lhe era estranha. Naquele, discutia-se a possibilidade do MP proceder à quebra de sigilo bancário, a decisão, contudo, traz à baila a questão de poder ou não o MP proceder a investigações, que seriam, segundo a decisão, privativo da Polícia.

A questão foi posta, mostrando a falta de sintonia e a ampliação de questão não versada, ao Excelentíssimo Senhor Ministro Carlos Velloso em Embargos de Divergência movimentado pelo MPF, por intermédio do Excelentíssimo Senhor Sub-Procurador Geral da República Cláudio Lemos Fonteles.

Esperemos a resposta que será oportunamente publicizada.

O que nos deixa perplexos é que, segundo doutrina e jurisprudência pacificas, a atuação do MP não está condicionada, na área criminal, à prévia existência de Inquérito Policial, podendo ele agir por intermédio de outros elementos de convicção (art. 27 do CPP).

Esses outros elementos de convicção podem ser fornecidos, por exemplo, por um escritório de investigadores particulares.

Por que, então, a ação do MP estaria submetida ao atuar da Polícia? E se essa não atuar, o MP quedar-se-á inerte? Processar-se-á a autoridade policial mas não o outro criminoso autor da ação que o Delegado não quis investigar?

É o absurdo a que conduz a tese tão ardorosamente defendida pelos Delegados, ou seja, o MP passa a ser um mero executor da vontade de Polícia, sem qualquer iniciativa.

Osório Barbosa
Procurador da República

(Manaus-Am)

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