Cível

Você está aqui: Home | Peças Processuais | Cível
In Cível

ACP - DESVIO DE VERBAS DA SUDAM

BRASO 
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
EXCELENTÍSSIMO(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO AMAZONAS

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, através do Procurador da República que a presente subscreve, nos termos do art. 129, inciso III, da Constituição Federal, dos arts. 1º, inciso IV, 2º, 3º e 12, da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), e art. 6º, VII, "b", da Lei Complementar nº 75/93, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COM PEDIDO DE ORDEM LIMINAR

 

em face da SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, na pessoa de seu Superintendente, o Dr. Maurício Benedito Barreira Vasconcelos, com endereço na Av. Almirante Barroso, nº 426, bl. B, Belém/PA;

da empresa WTC MANAUS S/A, CNPJ nº 00.306.400/0001-20, com endereço na Av. Darcy Vargas, nº 1002, Chapada, nesta cidade, ora representada por seu acionista majoritário, Sr. Gilberto Bousquet Bomeny, C.I. nº 4.465.108/SSP/SP e CPF nº 003.845.428-91, residente na Rua Honduras, nº 1.267 (fls. 15 da Representação nº 2000.32.000100024-0) ou na Rua Atlântica, nº 301 (fls. 26 da mesma Representação), ambos na cidade de São Paulo/SP;

da empresa SERVPLAZA PROJETOS E IMPLANTAÇÃO HOTELEIRA LTDA., CNPJ nº 56.422.355/0001-23, com endereço na Av. Nações Unidas, nº 12551, 25º andar, Cj. 2502, bairro do Brooklin Novo, São Paulo/SP, na pessoa de seu diretor Gilberto Bousquet Bomeny, acima qualificado; e

da empresa SERVLEASE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., CNPJ nº 50.596.170/0001-59, com endereço na Av. Nações Unidas, nº 12551, 25º andar, Cj. 2502, bairro do Brooklin Novo, São Paulo/SP, na pessoa de seu diretor Gilberto Bousquet Bomeny, acima qualificado,

pelos seguintes substratos fáticos e jurídicos:

DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O artigo 129, inciso III, da Constituição Federal conferiu ao Ministério Público relevante missão institucional consistente em "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos".

O art. 1º, da Lei Federal nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), por sua vez, dispõe :

"Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados:

......................................................................................

IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;"

Em conformidade com o mandamento constitucional e com as disposições da Lei da Ação Civil Pública, estão os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

"Art. 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único - A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III- interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum."

"Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;"

Assim, a legitimação ativa do Ministério Público para o ajuizamento de Ação Civil Pública em defesa de interesse difuso ao patrimônio público, resta claramente demonstrada pela norma constitucional; pelo art. 1º, da Lei nº 7.347/85, assim como pelos arts. 81, parágrafo único e 82, ambos do Código de Defesa do Consumidor e art. 6º, VII, "b", da Lei Complementar nº 75/93.

O interesse difuso na presente demanda é facilmente identificável, como se verá a seguir, em vista do objeto nela perseguido, qual seja a tutela dos interesses dos contribuintes que pagam seus impostos e têm direito à moralidade na gestão dos recursos para que sejam transformados em obras que os beneficiem, sendo este o traço de transindividualidade e indivisibilidade do bem jurídico tutelado.

Nas palavras do eminente Ministro Edson Vidigal: "o dinheiro público resultante da contribuição sofrida dos cidadãos, mediante tributos que lhe são impostos, não pode ser gasto fora dos parâmetros do bem comum (...) Uma pessoa investida de autoridade do poder público tem de estar sempre muito atenta para que, nem à sua sombra nem do seu devedor, prosperem ações que possam comprometer a moral imprescindível do exercício da autoridade." (Ação Penal 15).

DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

Segundo o disposto no art. 109, I da Constituição, verbis:

"Art. 109 – Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – As causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho."

Assim, a Justiça Federal é absolutamente competente para processar e julgar ação civil pública (Lei 7.347/85, arts. 2º e 21 c/c Lei 8.078/90, art. 93 e CF/88, art. 109, I), nas causas propostas pelo Ministério Público Federal – cujo interesse público da União se presume – ou por qualquer das entidades referidas no art. 109, I, da Constituição, bem assim, nas ações propostas, em face dessas pessoas, por quaisquer autores, qualquer que seja a sua natureza jurídica.

Ainda, mais se firma a competência da Justiça Federal pelo fato de a ré ter recebido recursos do Fundo de Investimento da Amazônia – FINAM, gerenciado pela có-ré Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, órgão público federal.

DOS FATOS

A empresa WTC MANAUS S/A recebeu, no período de 27.08.97 a 31.12.98, do FINAM, o valor de R$ 14.593.393,66 (quatorze milhões, quinhentos e noventa e três mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta e seis centavos), o que em valores atuais corrigidos equivale, confome informado pela SUDAM no ofício nº 017/2000 (com cópia em anexo) a R$ 15.371.467,00 (quinze milhões, trezentos e setenta e um mil, quatrocentos e sessenta e sete reais), para a construção do "World Trade Center" – Centro de Convenções de Manaus (projeto aprovado pela Resolução/SUDAM nº 8428, em anexo, de 12.12.96).

Os recursos financeiros destinavam-se a ser aplicados no desenvolvimento do projeto econômico vinculado ao desenvolvimento desta Região. Antes de mais nada, é preciso esclarecer que existem, no mínimo, duas Instituições de fomento ao desenvolvimento da Amazônia (SUDAM e SUFRAMA) com várias linhas de créditos destinados aos mais diversos fins.

A posição institucional do MPF é de integral apoio à existência das agências fomentadoras, até porque não poderia ser diferente haja vista que estão previstas em lei; a do subscrevente em particular, por conhecer a realidade fática do Estado do Amazonas. No entanto, no exercício do dever funcional, vem o MPF ajuizando diversas ações contra pessoas, autoridades em particular, que recebem verbas federais e não as aplicam nos fins a que se destinam.

Assim, que fique bastante claro o entendimento do MPF: é favorável à existência das linhas de crédito especiais dos órgãos de desenvolvimento da região, mas por dever constitucional (zelo pelo patrimônio público) é terminantemente contra o desvio dos recursos de suas finalidades, haja vista que na maioria das vezes dos recursos se locupletam, criminosamente, os agentes políticos que são seus meros gestores, quando não os desviam em proveito de terceiros ou são coniventes com este desvio, situações que chegam a tipificar condutas delituosas.

No caso em tela, o valor total do empreendimento é de R$ 93.200.000,00 (noventa e três milhões e duzentos mil reais), a preço de janeiro de 1996 (época da aprovação do projeto), ou seja, quando havia paridade do Real com o Dólar americano, o que importa dizer que equivale a mesma quantia naquela moeda estrangeira.

Instada pelo Ministério Público Federal, a Receita Federal procedeu a rastreamento dos valores liberados e inspeção no local, concluindo que as obras do "World Trade Center", apesar de iniciadas com a construção de galpão de apoio e início de terraplenagem e fundações, encontram-se paralisadas, além do que a quantidade de obra realizada é incompatível com o volume de recursos liberados pelo FINAM, acima referidos. Também, as fotos em anexo demonstram que gramíneas tomam conta do local e que o terreno está erodido, além do fato de crianças brincarem no local, tudo a demonstrar o abandono do canteiro de obras.

Na verdade, os recursos liberados pelo FINAM não foram aplicados em sua finalidade e sim redistribuídos pela empresa WTC para seus acionistas, pessoas físicas e jurídicas, e para outras empresas com as quais mantém relações comerciais e financeiras.

As empresas para as quais foram transferidos tais recursos são: Servplaza Projetos e Implantação Hoteleira Ltda. e Servlease Empreendimentos Imobiliários Ltda. A empresa Servplaza redistribuiu o recebido para os acionistas da própria WTC Manaus S/A, quais sejam: Servplaza, Servlease e Gilberto Bousquet Bomeny, além de outras empresas, abaixo relacionadas:

  • Mondial do Brasil Exportação Ltda. (CNPJ 43.712.967/0001-09);
  • Pyramide Confecções Ltda. (CNPJ não identificado);
  • Têxtil Saint Germain (CNPJ nº 37.440.542/0001-95); e
  • Green Gate Ltda. (CNPJ não identificado).

Observa-se que o nome da primeira empresa corresponde exatamente às iniciais de Gilberto Bousquet Bomeny, principal acionista da empresa WTC, a qual também tem seu nome, coincidentemente, correspondente ao próprio nome do empreendimento "World Trade Center".

A SUDAM, órgão gestor, repassador e fiscalizador, certamente não vem acompanhando a aplicação dos valores repassados.

Há, ainda, informação extra-autos da Receita Federal de que o terreno onde está sendo edificado o Centro de Convenções sequer comportaria a construção nos moldes em que aprovada, o que tornaria nula a própria aprovação do projeto (ato administrativo).

DO DIREITO

Estabelece o art. 1º da Lei nº 8.137/90:

"Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: "

Do mesmo modo, o art. 2º, IV, do mesmo diploma legal dispõe que:

"Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza:

..............................................................................................

IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento."

DO PEDIDO

DO PEDIDO LIMINAR

Diante de todo o exposto, restou evidenciado que o desvio dos recursos liberados pelo FINAM para a construção do Centro de Convenções Manaus, implica em flagrante ofensa ao direito básico de todo cidadão à proteção do patrimônio público

Ainda, o fumus boni iuris se infere do previsto nos dispositivos legais supra transcritos, quais sejam o art. 129, III da CF/88; arts. 1º, II, 2º, 3º e 12 da Lei nº 7.347/85; art. 6º, VII, "b" da LC nº 75/93; arts. 81, § único e 82 do CDC; art. 109, I da CF/88 e arts. 1º, caput e 2º, IV da Lei nº 8.137/90.

Por outro lado , o periculum in mora pode ser claramente extraído dos fatos expostos, ante o risco iminente dos prejuízos se avolumarem, causando danos irreparáveis ou de difícil reparação para os contribuintes que pagam, com sacrifícios, seus tributos em dia e têm o direito de vê-los transformados em obras que os beneficiem, não podendo se conformar com o fato de os recursos dos órgãos públicos serem desviados para entidades privadas, pessoas físicas e jurídicas.

Sendo assim, presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, requer-se SEJA CONCEDIDA LIMINAR, INAUDITA ALTERA PARTE, para determinar à SUDAM que não repasse mais nenhum recurso para o referido projeto, até que seja feita a comprovação de sua aplicação, se for o caso.

DO PEDIDO DE MÉRITO:

Requer a Vossa Excelência, outrossim, se digne a:

a) determinar a citação das empresas-rés e da SUDAM para, querendo, contestarem a presente ação, no prazo legal, sob pena de arcarem com os efeitos da revelia;

b) determinar o bloqueio dos bens de Gilberto Bousquet Bomeny, que é o principal sócio do empreendimento, bem como da construtora Servlease que também detém parte do capital social, com o fim de possibilitar o ressarcimento ao erário, oficiando-se aos Cartórios de Registro de Imóveis do Estado de São Paulo para que informem se há imóveis registrados nos nomes dos requeridos, bem como ao Detran e às Companhias Telefônicas, para que informem também se há outros bens registrados nos nomes dos mesmos requeridos;

c) a título de diligência e, uma vez que há informações de que o terreno onde está sendo edificado o Centro de Convenções sequer comportaria a construção nos moldes em que aprovada, requer-se a nomeação de um perito técnico (engenheiro) para a comprovação do alegado;

d) caso seja comprovado por perícia a informação acima, requer seja anulada a aprovação do projeto, com o conseqüente ressarcimento ao erário por parte daqueles que receberam o recurso; e

e) requer, por fim, seja julgada procedente a presente ação, nos termos em que está sendo proposta, tornando-se definitiva a medida liminar, a fim de que seja interrompido definitivamente o repasse de recursos pela SUDAM para o empreendimento, bem como que sejam obrigados os beneficiários a ressarcirem o erário público;

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente pela juntada dos documentos em anexo.

Dá-se à presente causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 15.371.467,00 (quinze milhões, trezentos e setenta e um mil, quatrocentos e sessenta e sete reais).

Termos em que,

Espera e requer deferimento.

Manaus, 25 de janeiro de 2000.

Osório Barbosa

PROCURADOR DA REPÚBLICA

Anexos: - cópia da Representação nº 2000.32.00.100024-0, formulada pela Receita Federal, com 146 laudas;- cópia do Procedimento Administrativo nº 2000.32.00.100702-7, iniciado por Portaria do signatário da presente, com 06 laudas; e - cópia do OF.GS/DAI/AUD/Nº 017/200 e seus anexos.