contra a UNIÃO/MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO e a FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO AMAZONAS, que poderão ser citadas, aquela na pessoa do Procurador-Chefe da Advocacia-Geral da União no Amazonas, na Rua Quintino Bocaiúva, nº 122, Centro, e esta na de seus procuradores na Av. General Ramos, nº 3000, Campus Universitário, nesta cidade,
motivo pelo qual expõe e, afinal, requer o seguinte: DA LEGITIMIDADE ATIVA O art. 129, III e V, da Carta Magna, aduz que: "Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
............................................................................... III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos." (grifamos)
A Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação civil pública, no seu art. 1º, IV, por sua vez, traz que: "Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
...............................................................................
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo" O direito à saúde, direito humano de primeira geração, é reconhecido constitucionalmente (art. 196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação) e tem a ver com o interesse difuso de toda a comunidade, pois não é possível identificar o sujeito lesado pelo descaso com que são tratados os problemas de saúde da sociedade. Assim, é perfeitamente possível a defesa desse direito mediante a presente Ação Civil Pública.
No Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, art. 81, § único, I, temos o conceito do que seja direito ou interesse difuso, in verbis: "Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisivel, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato."
DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
Segundo o disposto no art. 109, I da Constituição, verbis: "Art. 109 – Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – As causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho." Assim, a Justiça Federal é absolutamente competente para processar e julgar ação civil pública (Lei 7.347/85, arts. 2º e 21 c/c Lei 8.078/90, art. 93 e CF/88, art. 109, I), nas causas propostas pelo Ministério Público Federal – cujo interesse público da União se presume – ou por qualquer das entidades referidas no art. 109, I, da Constituição, bem assim, nas ações propostas, em face dessas pessoas, por quaisquer autores, qualquer que seja a sua natureza jurídica.
DOS FATOS
O Ministério Público Federal, diante das inúmeras matérias jornalísticas que diuturnamente davam conta da precariedade dos serviços prestados pelo HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS, mantido pela FUA com repasses financeiros do Ministério da Educação, baixou a Portaria nº 08/98 instaurando Inquérito Civil Público visando colher elementos que pudessem comprovar o real estado em que se encontra aquele nosocômio, no que tange à prestação do serviço público a que se destina.
O Ministério Público Estadual remeteu o Procedimento Administrativo nº 031/98 MP/55ª PRODEDIC, o qual foi instaurado para apurar irregularidades no que tange à realização de exames especializados.
Dos referidos autos, depreende-se que "o Hospital Getúlio Vargas é indispensável ao atendimento de casos de maior complexidade no Estado do Amazonas, além da formação de recursos humanos (...). No Estado não há outro estabelecimento público que possa desempenhar o seu papel no Sistema Único de Saúde..."(pag. 64), tendo sido informado pelo Diretor do Hospital, às fls. 67/68, que: "Seu quadro de pessoal, cronicamente deficiente, teve a corda apertada nos últimos anos. De janeiro de 1996 a dezembro de 1997 perdemos 233 servidores(...) (grifo nosso), e continua expondo os seguintes números: "Em 1997 atendemos 86.524 consultas e foram feitas 3.051 pequenas cirurgias e 1.688 aparelhos gessados. Mesmo com este volume o faturamento anual por atendimentos externos foi de R$861.493,00; média mensal de R$71.791,00. No mesmo período foram internados 6.100 pacientes; com todas as cirurgias realizadas e exames complementares feitos faturamos R$2.435.918,00. Com restos recebidos de 1996 recebemos um total de R$4.000.934,00 e gastamos R$5.782.786,00. Tivemos um déficit de R$1.781.851,00. Atualmente, decorridos os dois primeiros meses de 1998, considerando os processos de empenho em andamento, já estamos com um déficit acumulado de R$3.231.444,00(...). E neste ritmo prossegue, concluindo com a demonstração da seguinte soma de prejuízo: TOTAL GERAL: R$1.023.855,00.
De fato, o Diretor do HUGV, no ofício nº 370/98 de fls. 94/96, informa que: "O Hospital Universitário Getúlio Vargas, centro de referência em procedimentos de alta complexidade, passa por uma de suas piores crises. É o único hospital da rede pública a realizar procedimentos cirúrgicos nas especialidades de Neurocirurgia, Ortopedia e Geral de grande e médio porte. Atende a pacientes oriundos de todo o Estado do Amazonas, parte do Pará, Rondônia, Roraima e Acre. Sem conseguir equilibrar as receitas com as despesas, enfrenta problemas de todas as ordens: pessoal e financeiro são os mais agravantes.
O Processo de Demissão Voluntária, as aposentadorias e o cruzamento de folhas entre os poderes Federal, Estadual e Municipal, foram os principais responsáveis pelo esvaziamento do seu quadro de pessoal. Nas ocasiões em que o servidor era identificado como tendo mais de um vínculo empregatício, a opção de demissão sempre recaía em seu quadro, por questões exclusivamente salarial.Esta sem dúvida é uma situação singular. Historicamente o Governo Federal sempre pagou melhor os seus servidores. Hoje a situação é inversa: o Estado e o Município remuneram melhor.
Na questão financeira, é fácil a identificação. Os valores dos procedimentos médicos tabelados pelo Sistema Único de Saúde não sofrem reajuste desde 1994. O mesmo não ocorre com o preço dos insumos utilizados na assitência: medicamentos, materiais de uso hospitalar e outros. Alguns indicadores apresentam entre 80% e 90% a inflação desses insumos acumulada no período.
Trabalhamos basicamente com um financeiro defasado em seus valores há 04 anos. Em contrapartida, pagamos nas compras dos materiais e na manutenção de nossos equipamentos, preços atualizados. Para se ter uma idéia, estamos com o aparelho de Tomografia Computadorizada paralisado há aproximadamente 04 meses por falta de R$ 64.000,00, valor necessário para pagar o seu conserto.
Forçados pela situação, reduzimos nossa capacidade de internação. Dos 251 leitos credenciados pelo SUS, estamos operando com apenas 219. Reduzimos leitos no Centro de Tratamento Intensivo e nas demais clínicas. Por falta de credenciamente e inviabilidade financeira, paralisamos parcialmente o Curso de Mestrado em cirurgia cardíaca, suspendendo as cirurgias programadas.
O HUGV por força de seu Regimento é um Órgão Suplementar da Universidade do Amazonas, subordinado diretamente ao Gabinete do Reitor. Possui autonomia administrativa e financeira na gestão de seus recursos. A Universidade é responsável pelo pagamento de sua folha de pessoal e encargos.
Não existe no orçamento da Universidade, com exceção de pessoal, qualquer dotação destinada a sua manutenção (determinação do Governo Federal). O HUGV se mantém única e exclusivamente com os recursos financeiros repassados pelo SUS. Por ser um hospital-escola, evidentemente que seus custos são mais altos. Além dos procedimentos de assistência, proporciona aos alunos dos cursos de Medicina, Odontologia, Farmácia e Enfermagem, campo de estágio em suas formações. Também favorece condições de estágio aos alunos de ensino básico da rede estadual e municipal de ensino...."
E assim prossegue. Nos Demonstrativos da Execução Orçamentária e Financeira que junta, percebe-se o agravamento da crise supra exposta, ano após ano.
No ofício de fls. 147/148 dos autos, o Diretor do HUGV informa ainda que: "De janeiro de 1996 para cá perdemos 260 funcionários por razões diversas e cada mês acumulamos um prejuízo de ordem de R$120.000,00 (...)". O mesmo aponta como possíveis soluções para tão graves problemas, as seguintes: "Reposição de parte pelo menos do pessoal que perdemos e reajuste de 50% da tabela do SUS...".
Na planilha em anexo ao referido ofício, lêem-se os seguintes números, referentes ao atendimentos procedidos pelo HUGV:
xxxxxxxxxxxxxx c
Resta, assim, demonstrado que o crescimento da demanda é inversamente proporcional à diminuição dos recursos e do pessoal de que dispõe o Hospital, daí a violação ao direito à saúde da população que se quer coibir mediante a presente Ação.
Não temos dúvida em afirmar que, no âmbito hospitalar, a robótica não é plenamente aplicável, principalmente para a execução de atividades-meio, o que leva à inferência de que no nosocômio as máquinas não, de todo, substituem o ser humano, o que agrava a omissão do Poder Público diante do quadro estatístico acima.
DO DIREITO
A Constituição Federal, em seu art. 196, assim enuncia:
"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."
No mesmo sentido, a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90), prescreve nos seus arts. 2º e 3º, verbis:
" Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º - O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
§ 2º - O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
Art. 3º - A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, dentre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.
Parágrafo único – Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social."
Assim, havendo obrigação constitucional para que o Poder Público garanta o direito à saúde, o reconhecimento da Administração Pública de que o funcionamento do Hospital Universitário é necessário, prioritário e conveniente, gera uma posição jurídica reinvindicável pelo interessado, que, no caso é toda a população beneficiada, aqui representada pelo Ministério Público Federal, pois como dispõe o art. 129, II da Constituição Federal, também é função institucional do Ministério Público "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia."
Desta forma, deve o Judiciário reconhecer a obrigação jurídica do Poder Público, através de suas instituições, de garantir o direito à saúde, mediante políticas sociais e econômicas. Isto porque não se pode olvidar que a missão constitucional principal do Poder Judiciário, nas democracias constitucionais contemporâneas, é a de garantir os direitos fundamentais juridicamente estabelecidos. Este é o principal fundamento atual da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário: sujeição do juiz à Constituição e à tarefa de garantir os direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos.
Na presente ação não se busca substituir o poder-dever do Administrador pela do Juiz, trata-se apenas de fazer cumprir a Constituição Federal.
Isto por que o Administrador já exerceu sua opção reconhecendo a necessidade da existência de determinado número de servidores no Quadro de Pessoal do HUGV, tanto assim que já manteve esse número de servidores por longos anos, sendo assim, as instituições que corporificam o Estado brasileiro já deram sua chancela, antes, sobre a necessidade de pessoal e orçamento para o Hospital Universitário. Sendo que os "sumiços" foram ampliados, veja-se as estatísticas acima, e não houve substituição tecnológica da mão-de-obra, sem a conseqüente manutenção sequer do mesmo número de servidores, muito pelo contrário houve decréscimo.
Por esta razão, não pode prosperar o argumento de que o Poder Judiciário estaria adentrando o mérito do ato administrado, seara sobre a qual não detém controle, já que se trata do juízo de conveniência e oportunidade do próprio Administrador, que já o exerceu.
DO FUMUS BONI JURIS
A legitimidade do Ministério Público Federal para a espécie resulta da Constituição da República, que lhe confere atribuição para promover o inquérito civil e a ação pública para a proteção "do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos", dentre os quais o direito à saúde (art. 129, III).
No plano infra-constitucional, na Lei nº 7.347/85, art. 5º, o Ministério Público é o primeiro na lista de Instituições e pessoas legitimadas à propositura da ação civil pública.
A competência da Justiça Federal defluí do artigo 109, I da Carta Política de 1988.
Finalmente, os direitos ora defendidos decorrem do próprio texto constitucional, ao resguardo da saúde, segundo o art. 196 da C.F, e dos arts. 2º e 3º da Lei nº 8.080/90.
DO PERICULUM IN MORA
Os fatos relatados evidenciam, por si só, a gravidade da situação, que piora dia a dia.
De fato, a população carente, que não pode pagar consultas, nem exames, e muito menos os altos preços do planos de saúde, necessita dos serviços do HUGV.
É que como já foi dito: "o Hospital Getúlio Vargas é indispensável ao atendimento de casos de maior complexidade no Estado do Amazonas, além da formação de recursos humanos (...). No Estado não há outro estabelecimento público que possa desempenhar o seu papel no Sistema Único de Saúde..."(pag. 64). E, ainda: "O Hospital Universitário Getúlio Vargas (...) é o único hospital da rede pública a realizar procedimentos cirúrgicos nas especialidades de Neurocirurgia, Ortopedia e Geral de grande e médio porte. Atende a pacientes oriundos de todo o Estado do Amazonas, parte do Pará, Rondônia, Roraima e Acre..."
Daí por que não se pode mais esperar pela solução dos problemas apontados na presente Ação.
DAS PROVAS
Muito embora os fatos estejam absolutamente provados mediante os documentos anexos, protesta o Ministério Público Federal pela produção de prova testemunhal e outras que julgar necessárias.
DOS PEDIDOS: LIMINAR E PRINCIPAL
Diante dos fatos narrados, do fumus boni juris e do periculum in mora deles resultantes e expostos em capítulos destacados desta exordial, impõe-se ao Ministério Público Federal o dever de ofício de requerer a esse douto Juízo Federal a concessão de medida liminar prevista no art. 12 da Lei nº 7.347/85, o que de fato requer, para que a ré União, dentro de 30 (trinta) dias, efetue o repasse mensal da ordem de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) - sob pena de multa moratória mensal do mesmo valor, a ser vertida em favor do HUGV - à Fundação Universidade do Amazonas para que, no mesmo prazo, expeça Edital de Concurso Público para admissão de pessoal que se destine a repor aqueles que foram desligados do quadro funcional, por cujo pagamento de vencimentos também deverá responder a União, mediante repasse financeiro para tal finalidade.
Dá-se a presente o valor de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais).
Pede deferimento.
Manaus/AM, 16 de março de 1999.
Osório Barbosa
PROCURADOR DA REPÚBLICA
Anexo: Inquérito Civil Público nº 007/98, em 175 laudas.