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Poesia: deleite-se ou delete-me (19.12.14).

Maraãvilhosos,

Cris(4)

 

Ao ler a entrevista abaixo, publicada nas páginas amarelas da revista Veja, vi mais que uma opinião de um médico: vi este roteiro para a vida como uma verdadeira poesia!

Espero que seus olhos encontrem a mesma beleza que os meus viram nas palavras de Marco Bobbio, que disse:

 


 

Moderação e serenidade

 

Jornalista: Adriana Dias Lopes

 

29/11/2014 - Marco Bobbio, de 63 anos, dirige um dos centros de referência em cardiologia da Itália, o hospital Santa Croce e Carie di Cuneo, no Piemonte. Ele se notabilizou entre os colegas de todo o mundo por ter colocado na dimensão correta a atual obsessão pela preservação da juventude a qualquer custo. Do pai, o filósofo Norberto Bobbio, morto em 2004, um ícone do pensamento liberal e da defesa dos direitos individuais, Marco herdou a inteligência e a ironia cortante com que postula suas teses. "Meu pai dizia que o homem de cultura é aquele que valoriza a dúvida. É o que faço diariamente exercendo a medicina."

 

Antes de embarcar para o Brasil, onde lançará nesta semana o livro O Doente Imaginado, Marco Bobbio falou a VEJA, por telefone, de sua casa em Turim.

 

A medicina preventiva é um ramo com muitas histórias de sucesso para contar, mas ainda não o convenceu totalmente. Por quê?

 

Há um exagero nas medidas que visam a evitar o aparecimento das doenças. O médico deveria intervir menos e esperar mais o curso natural das coisas. Acredito nas intervenções em situações agudas, como no caso do paciente vítima de um infarto ou um derrame. Desconfio um pouco das medidas de longo prazo. Os tratamentos da medicina moderna fazem com que as pessoas vivam mais. Vive-se mais, mas não se vive tão bem. São pouquíssimas as pessoas que chegam a uma idade avançada sem problemas. A vida se prolongou. Mas o mal-estar associado ao envelhecimento também. Não há cura para esse mal-estar. É o que chamo de "paradoxo da medicina". Vejo pessoas com 85 ou 90 anos dizendo que estão cansadas. Elas estão mesmo, é idosas.

 

Como harmonizar sua tese com a promessa da medicina de fazer pelo paciente tudo o que estiver ao alcance?

 

Os cuidados preventivos podem levar uma pessoa até os 90 anos com o sistema cardiovascular funcionando muito bem. Mas eles não eliminam por completo todos os problemas associados à idade avançada, como a dificuldade de locomoção, a perda de memória, o cansaço. A tecnologia dos exames e o aprimoramento dos medicamentos são dois dos muitos recursos capazes de manter uma pessoa viva por muito mais tempo, mas ainda não foi possível desenvolver mecanismos que possam proporcionar qualidade de vida aos pacientes em idade avançada.

 

Uma mulher de 50 anos descobre no check-up anual que tem um câncer de mama em fase muito inicial. Nessas circunstâncias, a probabilidade de cura ultrapassa 90%. Sem medidas preventivas ela estaria condenada, não?

 

O rastreamento do câncer de mama é um dos poucos exames que têm provado sua eficácia preventiva. Nesse caso hipotético, é inegável que a prevenção foi decisiva. O problema é quando os médicos não respeitam os valores e as necessidades do paciente, acreditando que o que eles oferecem é sempre o melhor. Não se pergunta nem mesmo o que o paciente quer. Muitas vezes a questão é dar a ele o direito de não seguir um determinado tratamento, se essa for a sua vontade.

 

Conhecer o risco de desenvolver uma doença, por menor que ele seja, não ajuda o paciente a organizar a vida?

 

Isso seria verdadeiro se, ao descobrirmos a doença, fôssemos capazes sempre de eliminá-la. Raramente é possível mudar a história de uma doença, esse é o ponto. As dificuldades começam pelos exames que identificam o problema. Os pacientes acreditam que os exames dão sempre uma resposta definitiva. O tumor é benigno ou maligno? A placa de gordura vai se expandir ou não? Todo e qualquer exame tem o chamado resultado falso negativo ou falso positivo. No caso do falso negativo, o paciente vai para casa tranquilo, quando, na verdade, pode ter mesmo um câncer. Ou então. quando o exame confirma a doença, o paciente se submete a inúmeros procedimentos invasivos e, possivelmente, a um procedimento mutilador. Há um excesso de determinismo na prática da medicina atualmente.

 

Um em cada cinco exames, em média, dá resultado falso positivo ou falso negativo. Esse número é altíssimo, não?

 

A taxa de falsos positivos e falsos negativos depende do tipo de exame, da forma como ele é aplicado e das condições de sua realização. Uma regra para saber se vale a pena se submeter a um exame de detecção precoce é conhecer os dados globais de sua eficácia. A mamografia e a colonoscopia, que detecta o câncer colo retal, têm sua eficácia comprovada por esse critério.

 

A expectativa dos pacientes em relação à medicina é demasiadamente alta?

 

Sim, e essa postura é alimentada pelos próprios médicos. Não é incomum ver profissionais renomados declarar para revistas, jornais e televisão sua onipotência, divulgando feitos extraordinários. Por exemplo, o cirurgião que recuperou um paciente em condições desastrosas depois de uma operação de dez horas de duração. Claro que isso pode acontecer. Mas não é o comum. Esse médico, então, passa a ser visto como um salvador, quase um ente divino. Pode acontecer também de um paciente morrer na mesa de cirurgia ao ser operado de apendicite. Também é incomum. Excluindo-se aqui o erro médico, há o imprevisto, a fatalidade. O imponderável. Saber lidar com isso é saudável porque faz o médico não se sentir Deus — e errar menos. A medicina não é uma ciência exata. É uma ciência biológica que tem de lidar com características muito particulares e complexas.

 

Qual o pecado mais evidente dos médicos atualmente?

 

Os médicos estão muito arrogantes, impondo seu ponto de vista a todo custo. Parte da culpa é das sub-especializações médicas, um fenômeno recente na medicina. Elas são necessárias para a compreensão mais aprofundada de uma doença, mas, quando o médico se concentra em uma pequena porção de uma determinada afecção, passa a ver o paciente de forma fragmentada. Os médicos atualmente só sabem falar de questões referentes às suas subespecialidades. Não do paciente. A postura dos especialistas é comparável à dos socialistas, para quem só há uma única solução para um problema — ela é perfeita, e não tem discussão. Hoje em dia, exames e tratamentos são determinados pelos estudos científicos, sem maiores reflexões. Se um paciente sofre um infarto em São Paulo, em Nova York ou na índia, é tratado basicamente da mesma forma. São, evidentemente, boas abordagens, mas que funcionam bem com a média da população. Quando o paciente procura ajuda médica, ele é um indivíduo, não uma média — é único. Parece chavão, mas pensar assim faz uma diferença brutal. Cada paciente tem uma história que deve ser levada em consideração. E isso implica, muitas vezes, não seguir as diretrizes médicas. Há os que querem se submeter a tratamentos menos eficazes, mas menos invasivos. Há os que simplesmente não querem prolongar a vida com má qualidade. A decisão deve ser primordialmente do paciente. Sempre. E, quando ele não tem mais condições de decidir sobre o fim da vida, cabe aos parentes fazê-lo.

 

No fim da vida, doente, seu pai, o filósofo Norberto Bobbio, não foi submetido a nenhum tratamento extraordinário. Foi uma decisão sua?

 

Em outubro de 2003, meu pai completou 94 anos em condições bastante boas. Fisicamente ele estava um pouco limitado. Já não saía de casa, conseguia, no máximo, caminhar do quarto para o banheiro ou para a sala. Mas se locomovia sozinho. Festejamos o Natal daquele ano em sua casa. Foi uma alegria. Dois dias depois, porém, ele pegou uma pneumonia. Com dificuldade para respirar, teve de ir para o hospital. Lá, foi tratado com antibióticos, antitérmicos e recebeu oxigênio. Recuperou-se e retornou para casa. Em 06 de janeiro de 2004, li os jornais para ele, que compreendeu tudo. No dia seguinte, piorou drasticamente. A febre voltou, seu estado geral se agravou. Dessa vez teríamos de tomar a decisão se seria ou não entubado e submetê-lo a alimentação artificial. Eu disse não. Pensei comigo: até pouco tempo atrás ele teve uma vida maravilhosa. Mas, viúvo há três anos, se sentia só e estava deprimido. Nos últimos meses, repetia com frequência a expressão latina taedium vitae para dizer que estava cansado da vida. A partir daquele momento, foi indo embora devagarinho, apenas com o suporte médico para controlar o mal-estar causado pela doença. Mesmo assim, quando o coração dele começou a bater mais fraco, as enfermeiras me olharam aflitas e perguntaram o que deveriam fazer. Nada, respondi. No dia 9 de janeiro ele se foi.

 

Como o médico pode saber com segurança a hora de interromper o tratamento?

 

É muito difícil, independentemente da situação do paciente. Trata-se sempre, repito, de uma decisão que deve ser tomada com o paciente ou com seus parentes. Mas sempre tento seguir a lógica de um movimento médico nascido na última década chamado Slow Medicine, do qual faço parte. O lema é praticar uma medicina o menos invasiva possível, que respeite a vontade do paciente.

 

Como o senhor cuida da própria saúde?

 

Tomo um copo de vinho por refeição, como muita verdura e consumo pouca carne, pouco sal e pouco açúcar. Sei que o vinho faz bem ao coração, o excesso de carne aumenta o risco de câncer de intestino, o sal está associado à pressão alta e o açúcar ao diabetes. Mas não me escravizo por isso. Se vou à casa de amigos e lá há um doce gostoso, como com muito prazer. Se o vinho é bom, bebo mais de duas taças, claro. Faço caminhadas apenas quando posso. E sempre de forma prazerosa — em meio às montanhas do Piemonte. Dou risada quando vejo as pessoas correndo em esteira.

 

O senhor faz check-ups?

 

O único exame que já fiz na vida foi o do sangue oculto nas fezes, para investigar possíveis lesões intestinais. Esse é um dos poucos exames que de fato conseguem predizer a existência de uma doença. Nem o PSA, o marcador para o câncer de próstata, eu fiz. Não é uma forma tão eficaz de detecção quanto se pensava. Alguns institutos canadenses excluíram recentemente a indicação desse exame, e espero que outros lugares façam o mesmo. Não tomo remédios. Nunca fiz um exame de coração.

 

0 senhor não tem medo de ter um infarto, para o qual pode estar caminhando sem sinais aparentes?

 

Claro que sim. Mas não vejo vantagem em fazer um exame se me sinto muito bem. Tenho 63 anos e, certamente, minhas artérias não são as de um garoto de 20. Sei que posso ter uma lesão. Sei também que, seguramente, os exames e os procedimentos médicos não vão me garantir uma sobrevivência serena. Prefiro viver sem saber. Em minha opinião, não faz sentido eu me sentir bem e ir ao médico para tentar saber quando vou estar mal.

 

0 que seus pacientes acham de suas opiniões?

 

Os que discordam não voltam mais. Posso lhe garantir que a maioria volta.

 

O que o senhor aconselha a quem está bem de saúde e quer se conservar assim?

 

Tente levar uma vida serena. Não tenha como objetivo chegar aos 70 anos com o mesmo vigor que tinha aos 50. Desfrute a vida e não se prive de prazeres. Hoje, quando as pessoas se reúnem à mesa com os amigos ou com a família, não dizem mais se gostam ou não de determinado prato, mas se podem ou não comê-lo. Isso significa invariavelmente comer mal. Deve-se comer um pouco de tudo. Inclusive quando se está doente. Aqui os médicos pecam novamente. O paciente que sofreu um infarto vai ouvir da maioria dos especialistas a recomendação de eliminar a gordura do prato. Eu não concordo. Recomendo a meus pacientes que comam queijo, mas não um queijo qualquer. Escolham um produto de excelente qualidade, mesmo que ele custe mais. Toda noite se deliciem com um pedacinho dessa maravilha, deixando que ele derreta na boca bem devagar. O mesmo vale para todo tipo de alimento, seja salame, vinho, sal ou açúcar. Comam com moderação e vivam com serenidade. Não existe receita melhor de saúde.

 

Vou dividir com todos, também, o conto abaixo, de autoria do Chico Anísio, com o qual quase morro de rir, pois é muito bom. Confiram:


 

Camarada Brijinsky

 

Na rua, nas arquibancadas, em bares e bilhares, Justino, quando solteiro, foi-não-foi, quebrava o pau. Até entradas na polícia! Quatro, e todas elas por arruaça ou resistência à prisão. Mesmo por desacato à autoridade.

Até que casou.

Foi o reverso da medalha.

A mulher, Dona Jandira, cantava de galo, enquanto Justino punha os ovos.

Justino não era um cabra frouxo, mas ficou. Pelo menos, em casa. Na rua, ainda dava para quebrar o galho. Quando os amigos do escritório faziam uma brincadeira (trabalhava num negócio de importação – ilegal – e exportação – inexistente), Justino tinha sempre pronto um revide em palavras ou atos. Não se demorava para chegar ao desforço físico. Isso, na rua. Em casa, era um Ferdinando manso e pacato. Ainda mais do que o touro que cheirava flores.

Justino, venha cá!

Espere. Eu estou...

Eu disse venha cá!

E lá vinha ele, humílimo marido de uma insuportável mulher – uma gorda senhora de 57 anos que lhe colocara uma coleira para melhor levá-lo, à corda curta, pelos dias da vida. Dias de 72 horas, porque desse tamanho pareciam ser os dias de Justino, sob o jugo da ditadura.

Morava em São Cristóvão e torcia para o Vasco. Aquele torcedor de rádio, porque a mulher jamais lhe dera o direito de ir ao campo. Ao campo, ele ia antes de casar. Do casamento pra cá, adeus Vasco. Ficava ouvindo o Waldir Amaral e lambia os beiços. Estava certo. Numa dessas Dona Jandira podia irritar-se e gritar um “desliga a droga desse rádio”, e aí, nem mel, nem cabaça. Por isso o rádio era ouvido no menor volume, com Justino de orelha encostada ao falante, quase precisando adivinhar a descrição do locutor.

 

Ah, a vida sem gosto a do Justino! Via os amigos saindo de casa para o bilhar, e ele na janela sem poder participar daquela santa sinuquinha depois do jantar, prazer que tanto cultivara nos tempos de solteiro quando, fazendo merecida fé no seu taco, ganhara muito dinheirinho no Lamas e no Salão Palácio.

E nem o papo na esquina sobre as virtudes e os defeitos do seu time podia contar com a sua participação. Tudo era proibido, mesmo tomar uma cervejinha no bar do Maurício, no domingo de manhã, de paletó de pijama, nas previsões do que aconteceria no jogo de logo mais, jogo que ele iria apenas escutar. Com o menor volume.

Era como se sua vida não fosse sua, mas de Dona Jandira. O que não deixava de ser verdade.

Quando pela vizinhança um marido chegava tarde para jantar ou para dormir, a esposa do faltoso usava Justino como exemplo, numa explosão de ira:

Eu devia te tratar como a Jandira trata o marido. Você merecia que eu fosse igual a ela.

Justino Oliveira dos Prazeres. Oliveira está certo, mas quais os prazeres que pode sentir na vida um Justino tão frouxo?

De vez em quando, lembrava das brigas. Não as de agora, no escritório, que deviam ser mais colocadas na conta de pequenas revoltas, mas as brigas pra valer do tempo de solteiro, quando não havia cabresto curto nem gorda Jandira.

Ah, meus tempos. Um dia, na Galeria Cruzeiro, saiu na mão com Madame Satã e quase quebraram o Bar Nacional. Tiveram que chamar três carros da RP para segurar os dois. E os tapas que trocou com o crioulo que ofendeu o Vasco, no campo de Bangu? E o chofer de ônibus da Tijuca, com quem rolou ´pela asfalto da Conde de Bonfim, deixando-o sem dois dentes e com o braço quebrado? Ah, o tempo que não volta mais, sem Jandira e sem coleira!

Uma coisa, nem ele entendia: por que não brigava com a mulher? Ocasião não faltava. No dia do aniversário do “do meio”, quando, na frente dos parentes e convidados, ela o fez se pôr de quatro para limpar o guaraná inocentemente derramado, era um ótimo exemplo. Podia haver momento melhor para o revide? Ela falara com ele como se fala a um cão leproso:

Fez porcaria? Pois fique de quatro e lamba.

Lamber, ele não lambeu, mas à vista de todos, que fizeram silêncio para testemunhar sua obediência, ficou de quatro e limpou. Queria morrer, enquanto limpava. Pedia que o mundo se acabasse, na mesma rapidez com que procurava enxugar a poça com uma página do Jornal dos Sports. Tinha pensado em berrar: “Limpe você, sua vaca gorda!” - mas, e a coragem para falar essa verdade? De vez em quando, num momento de desabafo, enquanto sofria a viagem de volta a casa, com o Pimentel, seu amigo da Praça Argentina, Justino botava suas manguinhas de fora.

- Pimentel, minha mulher é um bicho.

- Por que você não se manda? - sugeria Pimentel, que já não aguentava mais esse papo chato, na volta ao lar.

- Me mandar como? Se eu me mandar, ela me acha.

- Acha nada – dizia Pimentel, já querendo cortar o assunto para ler as estórias em quadrinhos do jornal.

- Acha! Eu posso ir ao inferno, que ela me acha. Aquilo tem gênio de onça e faro de cachorro.

- Sabe de uma coisa, Justino? Você tem que dar muito duro nela. Minha mulher, vai lá em casa que tu vê. Minha mulher eu trato ali, debaixo da vara.

- Porque não é como Jandira – esfriava Justino. - A Jandira é uma vaca ditatorial. Tai! - alegrava-se. - Eu agora consegui explicar: vaca, como as vacas, e ditatorial, como os ditadores.

- Dá um cacete nela. Desce-lhe o braço.

- De que jeito? - e ainda segredava. - Ela é que me bate.

- Mentira! - comentava Pimentel bem que acreditando. É humilhante. Eu com as mãos cobrindo a cara, e ela mandando bala. Eu gritando e ela dando. E a vizinhança escuta tudo, Pimentel, porque quando ela bate é de repente, nem dá tempo de fechar a janela.

- Mas por que você não revida?

- Quanto mais tento, mais ela me cobre. Posso te falar com franqueza? Quando ela não me bate, eu já sinto falta.

O hábito é uma segunda natureza”, já dizia quem inventou essa frase. E sob essa segunda natureza, Justino deixava a vida seguir. Durante as suras torturantes, não era raro um moleque dar calço a outro que subia na janela, pelo lado de fora, especialmente para o gozar.

- Vocês nunca se deram, como é que agora estão brigando?

Só que não era briga: era surra mesmo. Justino apanhando e pedindo, com as mãos a cobrir o rosto:

- Na cara, não, que fica marca. Na cara, não.

Dona Jandira livrava a cara e esquentava o resto. Justino Oliveira dos Prazeres era um personagem de Nélson Rodrigues, como Jandira também o era.

Um dia, Justino chegou em casa às três da tarde. Dona Jandira estava no tanque, lavando uma combinação com o rádio ligado. Ela cantava o bolero junto com Ângela Maria. Quando se voltou para pendurar a combinação no varal, deu de cara com Justino na porta da cozinha. Primeiro, o susto e depois, a briga:

- Por que em casa a essas horas? Tá doente? - perguntou num tom que não admitia outra hipótese para aquela volta do trabalho antes da hora (ele só chegava às sete e meia);

Despedido, não podia ser. Ele não era homem para se atrever a ser despedido. Insistiu na pergunta:

- Tá doente, cachorro?

O que Justino falou foi uma declaração de guerra:

- Entrei para o partido. Agora eu sou comunista.

Não caiu por falta de espaço. Balbuciou:

- Comunista?

- Fichado. Fiz ficha, com retrato e tudo. Sou comunista praticamente. Tou no partido.

E para zombar mais do pavor que já notava na mulher, ainda gritou: “Viva Prestes!”

Aquele Justino que se encontrava meio sarcástico no portal da cozinha não era o mesmo que saíra de manhã. Claro que não era. De manhã, saíra um pacífico e humilhado Justino, um pobre homem submisso e achincalhado, e o que estava dominando a cena era um comunista. Comunistaço. Fichado e praticante – como ele próprio confessara.

Foi água na fervura. Dona Jandira, acostumada desde menina a temer os comunistas, era agora mulher de um. Comunista é fogo, ela sabia. E, sendo casada com um, teria que o suportar. Quis chamar o marido de cachorro novamente, mas o marido não era o mesmo, era um comunista. Ainda trocaram algumas palavras:

- Justino, Justininho... Você, comunista?

- Ativo – acrescentou Justino, cuspindo no chão da cozinha, coisa que sonhava fazer há um monte de anos.

- Fichado mesmo?

- Já não disse? Fichado, com retrato. Sabe aquele retrato com cara? Tirei um de cinco minutos, e tá lá na ficha. De frente e de perfil.

A Rua Bela, em São Cristóvão, teve, durante muito tempo, uma repetição de comentários. Não se falava de outra coisa que as surras de Brijinsky, o comunista. Bateu de cinto, de escova, de sapato, de panela, de frigideira. Bateu como quis e quando entendeu. Comunista é comunista. Houve um tempo em que chegou a dar pena ver aquela senhora gorda e suada lavando os pratos do jantar, com um pé repousado sobre a outra perna – de longe parecia uma seriema criada a vitamina – e Brijinsky, de banho tomado e roupa trocada – parar na porta rescendendo a “Cambridge”, acender um “Petit Londrinos” e dizer, nem se sabe se desafiante, provocador ou irônico:

- Vou para a reunião do Partido.

- Vai demorar, Brijinsky? - ousava perguntar a humilhada mulher.

- Sei a que horas vou e não sei a que horas volto! - respondia e ainda gritava: - Aliás, nem sei se volto. Se eu for preso, não me procure – que o partido me ajuda a fugir.

Ela consentia sem palavras – e nem precisava o seu consentimento, porque ele ia mesmo.

E lá se ia Brijinsky, batendo a porta com estrondo, tentando demolir a casa.

Seus passos ressoavam como batidas de Estacas Franki pelos paralelepípedos da Rua Bela. Andava pelo meio da rua, que comunista não anda pela calçada. Na Praça Argentina pegava o bonde e ia até Benfica, onde o Pimentel o esperava no “Café Bar e Bilhares Nossa Senhora da Aparecida”. Ali, ele colocava um avental, escolhia um taco (que era sempre o mesmo), e um avental, escolhia um taco (que era sempre o mesmo), e disputavam partidas de sinuca até duas, três da manhã. Entre uma partida e outra, enquanto devorava em três golpes o copo de cerveja e espumante, Justino costumava comentar:

- Pimentel, não há dinheiro que te pague essa ideia de me fingir de comunista.

E jogavam mais uma, sempre com a conta paga pelo Brijinsky. Era um dinheirinho que podia fazer certa falta, mas quanto vale a independência, camarada?

 

(“O enterro do anão”, Sabiá, Rio de Janeiro, 1973, p. 23/28).


 

Por fim, estando 2014 (um ano praticamente perdido no Brasil: “carnaval”, “Copa do mundo de futebol” e “eleições”!) indo embora, aproveito para pedir as desculpas de praxe pelas injustiças involuntárias que cometi e com as quais posso ter magoado alguém, embora esta nunca tenha sido minha intenção (não pratiquei com dolo).


 

Que 2015 traga-nos:

 

- Ideias inovadoras:

24 11 14 racismo

 

- Seja um ano inspirador:

ano inspirado(1)

 

- Que a evolução seja outra:

Evoluúo da TV   ser+í (1)

 

- Que jamais nos sintamos vazios:

FilosofiaO pior vazio (1)

 

- Que apendamos cada vez mais a respeitar:

Gostar e respeito (1)

 

- Que não sintamos saudades:

Saudade (1)

 

- Estão todos convidados para darem uma passadinha lá em casa:

passem l+í em casa (1)

 

Por fim, prometo-lhes também...

prometo (1)

 

Abraços,


 

Osório


 

POEMEMOS:

 

Você & Buenos Aires

você tem menos cafés que Buenos Aires

você tem menos livrarias que Buenos Aires

você tem menos táxis que Buenos Aires

você tem menos museus que Buenos Aires

você tem menos praças que Buenos Aires

você tem menos plátanos que Buenos Aires

você tem menos milongas que Buenos Aires

você tem menos cinemas que Buenos Aires

você tem menos teatros que Buenos Aires

você tem menos quiosques que Buenos Aires

você tem menos parrillas que Buenos Aires

ainda assim prefiro você a Buenos Aires”

 

Autor: Fabrício Corsaletti, em Poemas ruins, Fonte: Revista da FSP, 30.11 a 05.12 de 2014, p. 146.

 

e,

El recuerdo

 

Un aroma, un beso,

Un paisaje, una noche de amor,

Una calle, la magia de la primera vez,

Un camino que te regresa sin quererlo

A un tiempo que pasó, y te pasea

Por el barrio que te vio crecer,

Que te dibuja la sonrisa

Que alguien apagó

O te devuelve una mirada que te hace temblar,

Que te despierta la ternura del primer amor

Y te repite cuántos años han pasado ya,

Que desempolva los secretos de tu corazón

Y te acompaña hasta el pasado una y otra vez,

Cuando el recuerdo se despierta en el corazón...

Una tarde de lluvia

Una historia al calor de un hogar

Un poema o el brillo de una estrella fugaz

Un juguete que te devuelve hasta la infancia

Sin quererlo tú

Y te pasea por la calle que te vio jugar

Que te acompaña hasta encontrar un nido de gorrión

O te sumerge en el vacío de la soledad

Que te despierta la ternura del primer amor

Y te repite cuan tos años han pasado ya

Y desempolva los secretos de tu corazón

Y te acompaña hasta el pasado una y otra vez

Cuando el recuerdo se despierta en el corazón.

 

Autor: José Luis Perales.

 

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