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Poesia: deleite-se ou delete-me (29.04.16).

Maraãvilhosos,

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(a genialidade do artista anônimo ao captar o momento político em um trabalho colado no MASP)

 

 

 

Por que você gosta de mim?

 

Se sua namorada, esposa, ou espomorada ou namoesposa fizesse essa pergunta a você, qual seria sua resposta?

Dia desses cheguei no boteco e o jovem proprietário, um desses que está ao lado de Romero Jucá e Moreira Franco na busca de restaurar a moralidade e a honestidade no Brasil, perguntou-me algo relacionado ao tema. Devolvi a pergunta perguntando a ele de que era feito aquele copo que ele tinha na mão. Ele respondeu-me com toda segurança: “eu tenho certeza absoluta de que é feito de vidro”!

Como vi que ele estava exaltado preferi pedir licença e ir para o seu concorrente!

É que pela resposta dele percebi que a conversa seria infrutífera. Sua exaltação não o permitiria a aceitar o que eu pretendia dizer-lhe, que era o seguinte: “meu caro, um grego chamado Tales diria que o copo é feito de água! Outro grego, Anaxímenes, diria que você segura o ar! Já outro também grego, Heráclito, diria que você está segurando fogo! Empédocles, também grego, diria que você segura água, terra, fogo e ar! ‘Seguras átomos’, diria o grego Demócrito. Agora você me vem e diz que segura vidro! Será isso mesmo?”.

Nem iria de Anaximandro com o seu “apeiron” (o infinito/ou indefinido), nem de Anaxágoras com o seu “nous” (inteligência) pois são complicados até para quem tenta explicá-los!

Disse tudo isso para dizer que não sei o que dizer diante de tal pergunta (“Por que você gosta de mim”?).

E você, o que diria?

Vamos pensar juntos?

Poderíamos responder assim:

Pela sua beleza!”. Mas a perguntadora poderia retrucar:

E quando minha beleza for levada pelo tempo, você deixará de gostar de mim?”.

Melhor arranjarmos outra razão:

Pelo amor que a gente faz!”. E ela, sábia, diria:

Mas não se gosta apenas por sexo. Se você gostasse apenas por sexo, quantas mulheres você teria na mesma condição em que estou com você agora? Além do mais, não se namora/casa apenas por sexo. Aliás, o sexo, no prolongamento do relacionamento, não tem mais a mesma intensidade do seu início, e não tem mais o mesmo ritmo, alguém do casal pode pensar que o outro deixou de gostar. Temos também as doenças que prejudicam as relações sexuais. Então...?”

Que namoesposa chata, você pensará consigo, mesmo gostando dela e de modo que ela não leia em seu pensamento o que você diz apenas para você mesmo.

Digamos, então: “Pela sua inteligência!”.

Ela insistirá: “Embora não seja o seu caso, as pessoas costumam dizer, inclusive nós mesmas, que as mulheres são burras!”.

Não é o seu caso querida!”.

Queres me agradar! Se tivesses impaciente, como começas a ficar com minhas perguntas, talvez, para tentar encerrar, para ti, a conversa, já tivesses dito isso. É o normal quando as pessoas não têm respostas para as perguntas que lhes são formuladas!”.

Puta-que-o-pariu! Onde essa espomorada quer chegar?” Nós nos perguntamos sem deixar que ela olhe nos nossos olhos, pois se olharem, lerão!

Tentemos outra:

Pelos nossos filhos!”.

Esqueceu que ainda não temos filho?!”.

Ou

Você sabe que, no relacionamento do casal, filhos mais atrapalham que ajudam! Você que tinha uma esposa/mulher/companheira/amante ou seja lá o que for só para você, passará a dividi-la com filho ou filhos!”.

Insistamos: “Pelos seus talentos e dons artísticos! Seu modo de falar. Seu companheirismo. Pela sua compreensão em aceitar meus defeitos”.

Só você vê talento em mim! O mundo inteiro parece dizer o contrário! Ponto para você. Quantas vezes você já disse para eu falar mais baixo ou ser mais discreta no sorrir, que não deixa de ser um falar. Não sabia que você gostava do meu companheirismo, pois perde longas horas com seus amigos em volta de uma tela assistindo futebol! Mas, até aí tudo bem! Agora, quem disse que eu aceito seus defeitos? Procuro conviver com eles, mas eu mesma não sei qual o meu limite. Para falar a verdade...”.

Devemos aproveitar a pausa e dizer: “Amor preciso ir ao banheiro com urgência!”, ou arranjemos outra desculpara para sair, sumir, vazar, deixando como arremate para o que você não sabe responder, apenas se sente, o seguinte:

Amor, gosto de você por tudo que disse até agora, não por um dos pontos ressaltados individualmente, mas por todos eles. Gosto de você pelo conjunto da obra que seus pais me deram e eu faço tudo para não perder, pois, afinal, te amo pelo que você é e isso me basta para amá-la sempre e cada vez mais”.

Beijemos-lhes as testas e partamos o mais depressa possível para o nosso inadiável compromisso, rezando para que, na volta, as perguntas tenham sumido e nos espere apenas o carinho, a atenção e o amor de sempre.

Ela ainda arranjará tempo para perguntar: “Você me ama?”.

Sim”.

Tem certeza?”.

Certeza absoluta!”.

 

Até mais,

 

Abraços,

 

Osório

 

POEMEMOS:



Os poemas abaixo são da Elen Juanini, poeta que conheci antes de saber que ela poetava o mundo, pois ela trabalha na Livraria Cultura, meu local de passei quase que diário.

Estava encomendando um outro livro quando vi sobre a bandada o livro “Poemas simples e domésticos”, cuja autora, pelo nome, eu não sabia quem era! Comentei com o rapaz que me atendia que tinha gostado do escrito, gostando até do poema que é a apresentação da autora. Ele, então, me disse que a autora é uma colega de trabalho dele e ao me descrevê-la, a identifiquei.

Adquiri a obra. A autora não trabalhava no dia da aquisição. Quando passei para o autógrafo, ela impressionou-se com o fato de eu colocar o valor e a data em que comprei o livro, mas impressionou-se mais ainda por eu ter comprado no dia do seu aniversário!

Claro que a autora é modesta, como se percebe de seu poema apresentação, abaixo, mas, a despeito de o mundo conhecê-la, apresento-a novamente, pois ela, aqui neste espaço, é novidade.

Ei-la:





Morte da mulher limpa

 

A mulher limpa

deve manter limpa a casa.

É preciso que o quarto esteja limpo

para que o homem coma a mulher limpa

os lençóis sem manchas com cheiro de amaciaste.

É preciso que a cozinha esteja brilhando

para que a mãe, em visita, não tenha nojo

de comer a comida da mulher limpa.

É preciso os cinzeiros vazios os móveis sem pó

para que os amigos da mulher limpa frequentem sua casa.

As unhas devem estar impecáveis

para que esteja bem limpa a mulher limpa.

É preciso uma banheira totalmente desinfetada

e sais de banho perfumados água quente = líquido amniótico

uma navalha polida, pura

sangue sujo sujando a água

mais branca a mulher limpa

os sais cheiram à ferrugem

e o branco vapor devia ser tinto

só que não: branco o vapor que avança por debaixo daquela porta.

Então a água de cor

sujando o tapetinho recém-lavado que ficará manchado para sempre mas quem se importa?

quem já se importou, senão ela?

O piso já não está limpo

e a pálida mulher limpa

não limpará mais nada

suja agora, apodrecendo

já líquidos fétidos

saindo dos limpos buracos

depois asquerosos bichos

roendo a carne macia

agora macilenta

a natureza finalmente revelada;

depois disso, ossos

e depois, nada”.

 

E,

 

Finjo que durmo Finges que dormes

Inútil fingir

No escuro nossas

bundas conversam

o que calamos

e tudo é uma droga

mas descansa: está tudo bem.

O dia aniquilou nossa força

e um tempo precioso

a Máquina comeu

Deixa que pesem os olhos

Escuta a extinção do ruído

Não penses nas contas

nas pendências no futuro

na metafisica

não finjas que dormes,

descansa

que eu vigio teu sono,

e durmo pra te sonhar.

 

Elen Juanini nasceu em 1989, em São Paulo. Vem de uma tradicional família de trabalhadores anônimos. Tanto no meio acadêmico quanto nos círculos literários é um consenso que sua obra é amplamente desconhecida. Mora no Bixiga.”

 

Autora (se preciso ainda fosse): Elen Juanini, Poemas simples e domésticos, Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, São Paulo, 2016, páginas 30, 31, 73, 74 e orelha da contracapa.

 

 

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