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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

5.1 – O estabelecimento da escrita na Grécia.

 

Os Sofistas surgem na Grécia quando a escrita começava a ser fixada e apoiaram-na incondicionalmente! Diversamente de Platão, por exemplo, como se disse. Eles dela necessitavam para instruir seus alunos também em outras cidades, com o que não seria necessária suas presenças constantemente, pois não queriam “homens livros”. A prova maior dessa utilização da escrita pelos sofistas nos é dada pela existência do próprio “Anônimo de Jâmblico”, que, como se verá oportunamente, tem a forma de exercícios a serem praticados/memorizados por estudante de sofística.

A lógica, tudo indica, já existia antes de Aristóteles, pois Protágoras criou as antilogias (antilógicas) para combatê-la. Aristóteles, assim, apenas a teria fixado pela escrita.

 

Diz mais Martin Burckherdt:

 

Da mesma forma pela qual Aristóteles cuidou dos sofistas, também desenvolveu com sucesso o livro de receitas do pensamento lógico. Com isso, Kant pôde dizer mais tarde que a lógica desde Aristóteles "não conseguiu avançar nenhum passo, parecendo, dessa forma, finalizada e perfeita em todos os sentidos". E, todavia, se quiséssemos falar das leis da razão, precisaríamos trazer à tona uma objeção importante. Todas essas belas frases remontam o alfabeto como condição de possibilidade para poder efetivamente conduzir à lógica. Se Aristóteles atribuiu ao princípio da identidade que A é igual a A, se a casualidade é atribuída ao fato de que quem diz A, também pode dizer B, se a assim chamada conclusão silogística (se A = B e A = C, então B = C) por fim completa o ABC da lógica, vemos assim que nela existem algumas suposições básicas que o lógico não considera. Se retirássemos o alfabeto do lógico, tiraríamos dele o fundamento de seu negócio – não haveria mais nada que lhe pudesse garantir identidade ou casualidade.

Aprox. 340 a.C. Credita-se a Euclides (365 a 300 a.C.) a "matematização" da lógica aristotélica. Em seu livro Elementos (grego stoichea — ou seja: as letras) ele demonstra que os conjuntos comuns se originam de axiomas. Não se fez mais nada. com a lógica, que se torna um problema novamente apenas nos séculos XIX e XX. (Pequena história das grandes ideias, Martin Burckhardt, tradução de Petê Rissatti, Tinta Negra: 2011, p. 45/46).

 

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5 – Ler e escrever em Antenas.

 

Kerferd ensina:

 

O currículo da educação sofista não começava do nada, - seguia-se ao término do estágio primário. Segundo Esquines, o orador, foi Sólon quem, no início do século VI a.C., tornou compulsório o ensino da leitura e da escrita, em Atenas (Esquines, In Tim. 9-12) [Osório diz: a escrita em Atenas]. Por volta da metade do século V e, provavelmente, mais cedo, havia um sistema bem estabelecido de escolas primárias. Frequentar a escola era o normal para meninos nascidos livres, embora não haja prova de que a freqüência escolar fosse obrigatória. A ampliação da educação para toda a sociedade ateniense que isso implica- [66] va não foi popular entre os que olhavam para o passado como para uma época de maior privilégio aristocrático nessas questões [Osório diz: a educação como prejudicial à hegemonia burguesa]. Píndaro (01.II.86-88) opunha aqueles cuja sabedoria vem por natureza (família e nascimento) àqueles que tiveram de aprender [Osório diz: no que “acreditava” também Platão]. Embora não se saiba ao certo a quem ele estava se referindo, pode-se, com razão, tomar isso como um lance na controvérsia Natureza-Educação, que era importante no período sofista (cf. também sua ode Nemeana, III, 41). Se aretê ou excelência, pode ser ensinada, então a mobilidade social é imediatamente possível [Osório diz: eis o pomo da discórdia e a má vontade contra os sofistas]; e é claro que Protágoras estava interessado exatamente nessa controvérsia Natureza-Educação quando escreveu: "ensinar exige ambos, Natureza e Prática" (DK 80B3; cf. B10). [Osório diz: Frase de Protágoras]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 66-67).

 

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4 – Atenas riqueza e democracia. Ambiente do e para o nascimento da sofística.

 

Após as guerras pérsicas [Osório diz: guerras travadas entre a Grécia e a Pérsia (atual Irã)], na qual a Grécia saiu vitoriosa, coube a Atenas, por sua forte e decisiva participação no conflito, especialmente com sua marinha, a primazia de administrar os recursos que tinham sido arrecadados pela contribuição de seus aliados e concentrados na cidade de Delos para fazer frente as despesas para com o conflito presente e futuros, caso fosse necessário. Pouco depois, Péricles acabou por determinar a transferência desses recursos para o próprio território ateniense, onde passou a gastá-los com o aformoseamento da cidade e com a melhoria das condições de vida dos seus cidadãos. É por isso que Péricles, o artífice de tudo, chega a dizer, segundo nos narra Tucídides:

 

35. "Muitos dos que me precederam neste lugar fizeram elogios ao legislador que acrescentou um discurso à cerimônia usual nestas circunstâncias, considerando justo celebrar também com palavras os mortos na guerra em seus funerais. A mim, todavia, ter-me-ia parecido suficiente, tratando-se de homens que se mostraram valorosos em atos, manifestar apenas com atos as honras que lhes prestamos - honras como as que hoje presenciastes nesta cerimônia fúnebre oficial - em vez de deixar o reconhecimento do valor de tantos homens na dependência do maior ou menor talento oratório de um só homem. É realmente difícil falar com propriedade numa ocasião em que não é possível aquilatar a credibilidade das palavras do orador. O ouvinte bem informado e disposto favoravelmente pensará talvez que não foi feita a devida justiça em face de seus próprios desejos e de seu conhecimento dos fatos, enquanto outro menos informado, ouvindo falar de um feito além de sua própria capacidade, será levado pela inveja a pensar em algum exagero. De fato, elogios a outras pessoas são toleráveis somente até onde cada um se julga capaz de realizar qualquer dos atos cuja menção está ouvindo; quando vão além disto, provocam a inveja, e com ela a incredulidade. Seja como for, já que nossos antepassados julgaram boa esta prática também devo obedecer à lei, e farei o possível para corresponder à expectativa e às opiniões de cada um de vós.

36. "Falarei primeiro de nossos antepassados, pois é justo e ao mesmo tempo conveniente, numa ocasião como esta, dar-lhes este lugar de honra rememorando os seus feitos. Na verdade, perpetuando-se em nossa terra através de gerações sucessivas, eles, por seus méritos, no-la transmitiram livre até hoje. Se eles são dignos de elogios, nossos pais o são ainda mais, pois aumentando a herança recebida, constituíram o império que agora possuímos e a duras penas nos deixaram este legado, a nós que estamos aqui e o temos. Nós mesmos aqui presentes, muitos ainda na plenitude de nossas forças, contribuímos para fortalecer o império sob vários aspectos, e demos à nossa cidade todos os recursos, tornando-a auto-suficiente na paz e na guerra. Quanto a isto, quer se trate de feitos militares que nos proporcionaram esta série de conquistas, ou das ocasiões em que nós ou nossos pais nos empenhamos em repelir as investidas guerreiras tanto bárbaras quanto helênicas, pretendo silenciar, para não me tornar repetitivo aqui diante de pessoas às quais nada teria a ensinar. Mencionarei inicialmente os princípios de conduta, o regime de governo e os traços de caráter graças aos quais conseguimos chegar à nossa posição atual, e depois farei o elogio destes homens, pois penso que no momento presente esta exposição não será imprópria e que todos vós aqui reunidos, cidadãos e estrangeiros, podereis ouvi-la com proveito.

37. "Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos1; ao contrário, servimos de modelo a alguns2 ao invés de imitar outros. Seu nome, como tudo depende não de poucos mas da maioria, é democracia. Nela, enquanto no tocante às leis todos são iguais para a solução de suas divergências privadas, quando se trata de escolher (se é preciso distinguir em qualquer setor), não é o fato de pertencer a uma classe, mas o mérito, que dá acesso aos postos mais honrosos; inversamente, a pobreza não é razão para que alguém, sendo capaz de prestar serviços à cidade, seja impedido de fazê-lo pela obscuridade de sua condição. Conduzimo-nos liberalmente em nossa vida pública, e não observamos com uma curiosidade suspicaz a vida privada de nossos concidadãos, pois não nos ressentimos com nosso vizinho se ele age como lhe apraz, nem o olhamos com ares de reprovação que, embora inócuos, lhe causariam desgosto. Ao mesmo tempo que evitamos ofender os outros em nosso convívio privado, em nossa vida pública nos afastamos da ilegalidade principalmente por causa de um temor reverente, pois somos submissos às autoridades e às leis, especialmente àquelas promulgadas para socorrer os oprimidos e às que, embora não escritas, trazem aos transgressores uma desonra visível a todos.

38. "Instituímos muitos entretenimentos para o alívio da mente fatigada; temos concursos, temos festas religiosas regulares ao longo de todo o ano, e nossas casas são arranjadas com bom gosto e elegância, e o deleite que isto nos traz todos os dias afasta de nós a tristeza. Nossa cidade é tão importante que os produtos de todas as terras fluem para nós, e ainda temos a sorte de colher os bons frutos de nossa própria terra com certeza de prazer não menor que o sentido em relação aos produtos de outras.

39. "Somos também superiores aos nossos adversários em nosso sistema de preparação para a guerra nos seguintes aspectos: em primeiro lugar, mantemos nossa cidade aberta a todo o mundo e nunca, por atos discriminatórios, impedimos alguém de conhecer e ver qualquer coisa que, não estando oculta, possa ser vista por um inimigo e ser-lhe útil. Nossa confiança se baseia menos em preparativos e estratagemas que em nossa bravura no momento de agir. Na educação, ao contrário de outros que impõem desde a adolescência exercícios penosos para estimular a coragem, nós, com nossa maneira liberal de viver, enfrentamos pelo menos tão bem quanto eles perigos comparáveis. Eis a prova disto: os lacedemônios não vêm sós quando invadem nosso território, mas trazem com eles todos os seus aliados, enquanto nós, quando atacamos o território de nossos vizinhos, não temos maiores dificuldades, embora combatendo em terra estrangeira, em levar freqüentemente a melhor. Jamais nossas forças se engajaram todas juntas contra um inimigo, pois aos cuidados com a frota se soma em terra o envio de contingentes nossos contra numerosos objetivos; se os lacedemônios por acaso travam combate com uma parte de nossas tropas e derrotam uns poucos soldados nossos, vangloriam-se de haver repelido todas as nossas forças; se, todavia, a vitória é nossa, queixam-se de ter sido vencidos por todos nós. Se, portanto, levando nossa vida amena ao invés de recorrer a exercícios extenuantes, e confiantes em uma coragem que resulta mais de nossa maneira de viver que da compulsão das leis, estamos sempre dispostos a enfrentar perigos, a vantagem é toda nossa, porque não nos perturbamos antecipando desgraças ainda não existentes e, chegado o momento da provação, demonstramos tanta bravura quanto aqueles que estão sempre sofrendo; nossa cidade, portanto, é digna de admiração sob esses aspectos e muitos outros.

40. "Somos amantes da beleza sem extravagâncias e amantes da filosofia sem indolência. Usamos a riqueza mais como uma oportunidade para agir que como um motivo de vanglória; entre nós não há vergonha na pobreza, mas a maior vergonha é não fazer o possível para evitá-la. Ver-se-á em uma mesma pessoa ao mesmo tempo o interesse em atividades privadas e públicas, e em outros entre nós que dão atenção principalmente aos negócios não se verá falta de discernimento em assuntos políticos, pois olhamos o homem alheio às atividades públicas não como alguém que cuida apenas de seus próprios interesses, mas como um inútil; nós, cidadãos atenienses, decidimos as questões públicas por nós mesmos, ou pelo menos nos esforçamos por compreendê-las claramente, na crença de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim o fato de não se estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação. Consideramo-nos ainda superiores aos outros homens em outro ponto: somos ousados para agir, mas ao mesmo tempo gostamos de refletir sobre os riscos que pretendemos correr, para outros homens, ao contrário, ousadia significa ignorância e reflexão traz a hesitação. Deveriam ser justamente considerados mais corajosos aqueles que, percebendo claramente tanto os sofrimentos quanto as satisfações inerentes a uma ação, nem por isso recuam diante do perigo. Mais ainda: em nobreza de espírito contrastamos com a maioria, pois não é por receber favores, mas por fazê-los, que adquirimos amigos. De fato, aquele que faz o favor é um amigo mais seguro, por estar disposto, através de constante benevolência para com o beneficiado, a manter vivo nele o sentimento de gratidão. Em contraste, aquele que deve é mais negligente em sua amizade, sabendo que a sua generosidade, em vez de lhe trazer reconhecimento, apenas quitará uma dívida. Enfim, somente nós ajudamos os outros sem temer as conseqüências, não por mero cálculo de vantagens que obteríamos, mas pela confiança inerente à liberdade.

41. "Em suma, digo que nossa cidade, em seu conjunto, é a escola de toda a Hélade e que, segundo me parece, cada homem entre nós poderia, por sua personalidade própria, mostrar-se auto-suficiente nas mais variadas formas de atividade, com a maior elegância e naturalidade. E isto não é mero ufanismo inspirado pela ocasião, mas a verdade real, atestada pela força mesma de nossa cidade, adquirida em conseqüência dessas qualidades. Com efeito, só Atenas entre as cidades contemporâneas se mostra superior à sua reputação quando posta à prova, e só ela jamais suscitou irritação nos inimigos que a atacaram, ao verem o autor de sua desgraça, ou o protesto de seus súditos porque um chefe indigno os comanda. Já demos muitas provas de nosso poder, e certamente não faltam testemunhos disto; seremos portanto admirados não somente pelos homens de hoje mas também do futuro. Não necessitamos de um Homero para cantar nossas glórias, nem de qualquer outro poeta cujos versos poderão talvez deleitar no momento, mais que verão a sua versão dos fatos desacreditada pela realidade. Compelimos todo o mar e toda a terra a dar passagem à nossa audácia, e em toda parte plantamos monumentos imorredouros dos males e dos bens que fizemos3. Esta, então, é a cidade pela qual estes homens lutaram e morreram nobremente, considerando seu dever não permitir que ela lhes fosse tomada; é natural que todos os sobreviventes, portanto, aceitem de bom grado sofrer por ela.

42. "Falei detidamente sobre a cidade para mostrar-vos que estamos lutando por um prêmio maior que o daqueles cujo gozo de tais privilégios não é comparável ao nosso, e ao mesmo tempo para provar cabalmente que os homens em cuja honra estou falando agora merecem os nossos elogios. Quanto a eles, muita coisa já foi dita, pois quando louvei a cidade estava de fato elogiando os feitos heróicos com que estes homens e outros iguais a eles a glorificaram; e não há muitos helenos cuja fama esteja como a deles tão exatamente adequada a seus feitos. Parece-me ainda que uma morte como a destes homens é prova total de máscula coragem, seja como seu primeiro indício, seja como sua confirmação final. Mesmo para alguns menos louváveis por outros motivos, a bravura comprovada na luta por sua pátria deve com justiça sobrepor-se ao resto; eles compensaram o mal com o bem e saldaram as falhas na vida privada com a dedicação ao bem comum. Ainda a propósito deles, os ricos não deixaram que o desejo de continuar a gozar da riqueza os acovardasse, e os pobres não permitiram que a esperança de mais tarde se tornarem ricos os levasse a fugir ao dia fatal; punir o adversário foi aos seus olhos mais desejável que essas coisas, e ao mesmo tempo o perigo a correr lhes pareceu mais belo que tudo; enfrentando-o, quiseram infligir esse castigo e atingir esse ideal, deixando por conta da esperança as possibilidades ainda obscuras de sucesso, mas na ação, diante do que estava em jogo à sua frente, confiaram altivamente em si mesmos. Quando chegou a hora do combate, achando melhor defender-se e morrer que ceder e salvar-se, fugiram da desonra, jogaram na ação as suas vidas e, no brevíssimo instante marcado pelo destino, morreram num momento de glória e não de medo.

43. "Assim estes homens se comportaram de maneira condizente com nossa cidade; quanto aos sobreviventes, embora desejando melhor sorte deverão decidir-se a enfrentar o inimigo com bravura não menor. Cumpre-nos apreciar a vantagem de tal estado de espírito não apenas com palavras, pois a fala poderia alongar-se demais para dizer-vos que há razões para enfrentar o inimigo; em vez disso, contemplai diariamente a grandeza de Atenas, apaixonai-vos por ela e, quando a sua glória vos houver inspirado, refleti em que tudo isto foi conquistado por homens de coragem cônscios de seu dever, impelidos na hora do combate por um forte sentimento de honra; tais homens, mesmo se alguma vez falharam em seus cometimentos, decidiram que pelo menos à pátria não faltaria o seu valor, e que lhe fariam livremente a mais nobre contribuição possível4. De fato, deram-lhe suas vidas para o bem comum e, assim fazendo, ganharam o louvor imperecível e o túmulo mais insigne, não aquele em que estão sepultados, mas aquele no qual a sua glória sobrevive relembrada para sempre, celebrada em toda ocasião propícia à manifestação das palavras e dos atos5. Com efeito, a terra inteira é o túmulo dos homens valorosos, e não é somente o epitáfio nos mausoléus erigidos em suas cidades que lhes presta homenagem, mas há igualmente em terras além das suas, em cada pessoa, uma reminiscência não escrita, gravada no pensamento e não em coisas materiais. Fazei agora destes homens, portanto, o vosso exemplo, e tendo em vista que a felicidade é liberdade e a liberdade é coragem, não vos preocupeis exageradamente com os perigos da guerra. Não são aqueles que estão em situação difícil que têm o melhor pretexto para descuidar-se da preservação da vida, pois eles não têm esperança de melhores dias, mas sim os que correm o risco, se continuarem a viver, de uma reviravolta da fortuna para pior, e aqueles para os quais faz mais diferença a ocorrência de uma desgraça; para o espírito dos homens, com efeito, a humilhação associada à covardia é mais amarga do que a morte quando chega despercebida em acirrada luta pelas esperanças de todos.

44. "Eis porque não lastimo os pais destes homens, muitos aqui presentes, mas prefiro confortá-los. Eles sabem que suas vidas transcorreram em meio a constantes vicissitudes, e que a boa sorte consiste em obter o que é mais nobre, seja quanto à morte - como estes homens - seja quanto à amargura - como vós, e em ter tido uma existência em que se foi feliz quando chegou o fim. Sei que é difícil convencer-vos desta verdade, quando lembrais a cada instante a vossa perda ao ver os outros gozando a ventura em que também já vos deleitastes; sei, também, que se sente tristeza não pela falta de coisas boas que nunca se teve, mas pelo que se perde depois de ter tido. Aqueles entre vós ainda em idade de procriar devem suavizar a tristeza com a esperança de ter outros filhos; assim, não somente para muitos de vós individualmente os filhos que nascerem serão um motivo de esquecimento dos que se foram, mas a cidade também colherá uma dupla vantagem: não ficará menos populosa e continuará segura; não é possível, com efeito, participar das deliberações na assembléia em pé de igualdade e ponderadamente quando não se arriscam filhos nas decisões a tomar. Quanto a vós, que já estais muito idosos para isso, contai como um ganho a maior porção de vossa vida durante a qual fostes felizes, lembrai-vos de que o porvir será curto, e sobretudo consolai-vos com a glória destes vossos filhos. Só o amor da glória não envelhece, e na idade avançada o principal não é o ganho, como alguns dizem, mas ser honrado.

45. "Para vós aqui presentes que sois filhos e irmãos destes homens, antevejo a amplitude de vosso conflito íntimo; quem já não existe recebe elogios de todos; quanto a vós, seria muito bom se um mérito excepcional fizesse com que fosseis julgados não iguais a eles, mas pouco inferiores. De fato, há inveja entre os vivos por causa da rivalidade; os que já não estão em nosso caminho, todavia, recebem homenagens unânimes.

"Se tenho de falar também das virtudes femininas, dirigindo-me às mulheres agora viúvas, resumirei tudo num breve conselho: será grande a vossa glória se vos mantiverdes fiéis à vossa própria natureza, e grande também será a glória daquelas de quem menos se falar, seja pelas virtudes, seja pelos defeitos.

46. "Aqui termino o meu discurso, no qual, de acordo com o costume, falei o que me pareceu adequado; quanto aos fatos, os homens que viemos sepultar já receberam as nossas homenagens e seus filhos serão, de agora em diante, educados a expensas da cidade até a adolescência; assim ofereceremos aos mortos e a seus descendentes uma valiosa coroa como prêmio por seus feitos, pois onde as recompensas pela virtude são maiores, ali se encontram melhores cidadãos. Agora, depois de cada um haver chorado devidamente os seus mortos, ide embora." (Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, tradução de Mário da Gama Kury, UnB, Brasília: 182, p. 97/102.).

 

Além disso Atenas continuou a cobrar tributos das outras cidades sobre o pretexto de manter sua armada e, assim, dar proteção a quem para isso contribuísse. Os recalcitrantes eram “convencidos” pela força daquilo que se tornou o Império Ateniense. Essa política agressiva, logo depois, irá levar à famosa Guerra do Peloponeso, que colocou frente a frente Atenas e as cidades que comandava e Esparta e suas cidades aliadas. A guerra durou de 431 a 404, e, depois de vinte e sete anos de conflito, Esparta sagrava-se vencedora na derrota fraticida dos gregos!

Ao gastar os recursos comuns, Atenas tornou-se uma cidade rica, luxuosa, culturalmente desenvolvida e cheia de oportunidades. Essas oportunidades atraíram gregos e mesmo estrangeiros das mais distantes localidades, que para lá acorreram para vender seus produtos e talentos.

O chamado Século de Péricles, o Século V a.e.a., será o século de ouro da Grécia, onde a beleza proporcionada por seus artistas resplandecerá e lançará luz até os dias de hoje. Construção civil, teatro, poesia, sofística, filosofia encontrarão aí solo propício ao seu desabrochar.

É também o século de consolidação da democracia direta grega.

A implantação da democracia irá abalar a estrutura de poder até então imperante na cidade. A aristocracia, que sempre a comandou, começa a se sentir incomodada com a possibilidade de alguém que não a integra poder ascender ao poder pela vontade da maioria do povo que venha a elegê-lo. O poder sanguíneo-hereditário estava sendo posto tem perigo pela ameaça de quem soubesse se fazer ouvir e convencesse os votantes a elegê-lo ou às suas propostas.

Dar-se também a abolição da vingança privada, tendo o a cidade/estado chamado para si a administração da justiça em seus tribunais.

Assembleia e tribunais passaram a atuar quotidianamente.

Para alguém fazer aprovar uma proposta na assembleia teria que saber falar para bem defender seus propósitos.

Para defender-se ou acusar no tribunal também era necessário o domínio apropriado da palavra.

O discurso, a palavra (logos), passa a ser fundamental na vida da cidade e daqueles que nela buscam o poder, ou influenciá-lo.

Os Sofistas, como tantos outros, foram também para Atenas em busca da riqueza lá concentrada, oferecendo para consegui-la os seus talentos de Sofistas/Sábios, capazes de ensinar as pessoas que os pagassem a discursarem convicentemente nas assembleias e nos tribunais, defendendo qualquer ponto de vista que lhes interessasse, pois sabiam que “para tudo existem dois discursos”, um a favor e outro que lhe contrapõe.

Na cidade iniciava-se a formar a classe que hoje pode-se chamar de burguesia, pequenos artesãos e comerciantes, com dinheiro suficiente para pagar aos Sofistas e vontade maior ainda de controlarem o poder político, concentrador e administrador das riquezas do tesouro.

 

Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Antes dos Sofistas, os educadores da Grécia eram os poetas [Osório diz: os educadores da Grécia]. Só no momento em que a recitação de Homero já não constitui o único alimento cultural dos Gregos é que a sofística poderá nascer; este momento coincidirá, como demonstrou Untersteiner, com a crise da civilização aristocrática2. Mas são as instituições democráticas que permitirão o progresso da sofística, tornando-a de alguma maneira indispensável: a conquista do poder exige, de agora em diante, o perfeito domínio da linguagem e da argumentação: não se trata apenas de ordenar, há também que persuadir e explicar. É por isso que os Sofistas, como nota Jaeger, que “saíam todos da classe média”, foram, de uma maneira geral, mais favoráveis, parece, ao regime democrático. É claro que os seus alunos mais brilhantes foram aristocratas, mas foi porque a democracia escolheu, frequentemente, os seus chefes entre os aristocratas, e os jovens nobres que frequentavam os Sofistas eram os que aceitaram submeter-se às regras das instituições democráticas; os outros desinteressavam-se da vida política. [Osório diz: os sofistas e a crise aristocrática! Mesmo que fosse aristocratas, aprendiam uma nova visão, portanto, revolucionária / O que permitiu o nascimento da sofística]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. ).

 

Kerferd ensina:

 

Os sofistas vieram de toda parte do mundo grego e muitos, embora nem todos, continuaram a viajar por toda parte em função de sua atividade profissional. Entretanto, todos vieram a Atenas, e é claro que Atenas, por uns sessenta anos, na segunda metade do século V a.C., era o verdadeiro centro do movimento sofista. De fato, tanto isso é verdade que, sem Atenas, é provável que o movimento dificilmente teria vindo a existir. O que havia, então, em Atenas nesse período que foi responsável por esse acontecimento?

A resposta deveria ser dada, provavelmente, sob dois tópicos11. Primeiro, as condições sociais e políticas que cria- [31] ram a necessidade dos sofistas [Osório diz: fundamentalmente a democracia, com suas necessidades básicas: falar/discursar e igualdade]; e, segundo, a influência direta de um único indivíduo, a saber, Péricles [Osório: Péricles que é elogiado por todos!]. A Grécia, como um todo, no século V a.C., parece ter ultrapassado todos os períodos antecedentes na produção da agricultura, da indústria e do comércio. Mas a transformação, em Atenas, importou em uma revolução econômica que tem sido descrita como uma passagem da economia de uma cidade-estado para a economia de um império. O grande e extenso programa de construção de prédios públicos que restaurou, numa escala jamais igualada antes, os templos destruídos pelos persas equiparava-se, segundo Tucídides (II, 38), à elegância, ao conforto e ao consumo luxuoso na vida privada. Conquanto seja totalmente errado tentar inferir dessa última afirmação que a pobreza tinha sido eliminada, é muito provável que a afirmação reflita uma crença geral de que a afluência privada era muito maior do que nas gerações anteriores em Atenas ou, mesmo, em outras cidades gregas. [Osório diz: Péricles usou, para isso o dinheiro da Confederação / Foi essa riqueza que permitiu aos sofistas poderem cobrar por seus ensinamentos].

Em certo sentido, o desenvolvimento de instituições democráticas em Atenas tinha sido gradual desde o tempo de Sólon. Mas também seria correto dizer que até o início da Guerra do Peloponeso foram, de modo geral, a mesma classe dominante e as mesmas famílias influentes que governaram o Estado em processo de democratização [Osório diz: Eis o que afetará a visão de Platão sobre os Sofistas, pois eles contribuiram para essa mudança]. Mas houve mudanças. As reformas constitucionais que começaram em Atenas em 462/461 a.C. deram nascimento ao que alguns consideraram uma democracia plena ou pura (p. ex. Plutarco, Cim. [32] 15.2). De fato, a afirmação de Tucídides (II, 37.1), cuidadosamente formulada, deixa claro que a democracia pericleana repousava em dois princípios fundamentais: chamada uma democracia porque a conduta dos negócios é confiada não a uns poucos, mas a muitos [Osório diz: Platão vai achar que isso é para poucos]; mas, conquanto haja igualdade para todos nos negócios civis estabelecidos por lei, permitimos plena liberdade de ação ao valor individual nos negócios públicos".

[Osório diz: São essas mudanças que Platão não suporta!]

Esses dois princípios são (1) que o poder deveria estar com o povo como um todo e não com uma pequena parte do conjunto dos cidadãos [Osório diz: com os aristocratas, como defende Platão e sua família], e (2) que os cargos com direito de aconselhar e agir em nome do povo deveriam ser confiados aos mais competentes e mais capazes de desempenhar essas funções [Osório diz: E quem atestava isso ou seria melhor para atestar? O próprio povo, embora isso não fosse visto com bons olhos por quem perdia poder, em especial o grupo ao qual pertencia Platão]. Em termos práticos, o primeiro princípio era expresso no poder da assembleia e dos conselhos de massa e a extensão gradual do sistema de seleção por sorteio para a maioria das magistraturas municipais. A introdução de pagamento tornou possível que cidadãos mais pobres se apresentassem para possível seleção, e sua importância é atestada pela fúria que provocou na oposição conservadora [Osório diz: leia-se Platão, em especial, embora posterior! Pagamento, justo, pela prestação de serviço público para o público].

Por outro lado, não houve nenhuma tentativa de estender o princípio de seleção por sorteio aos comandantes militares. De um ponto de vista militar isso era, sem dúvida, questão de bom senso [Osório diz: Platão não faz essa importantíssima ressalva!]. O autor do tratado pseudo-xenofontino Sobre a Constituição de Atenas (I, 2-3) contrasta os cargos para os quais todo o mundo pode ser admitido com [33] aquelas magistraturas que, quando bem conduzidas, trazem segurança para todo o povo, mas mal conduzidas trazem perigo; nessas magistraturas o povo não pede para tomar parte — eles não acham que devam tomar parte no generalato mediante sorteio, nem no cargo de comandante de cavalaria. Porque o povo está consciente de que lhe é mais vantajoso não ocupar esses cargos, e deixá-los para os homens mais capazes.[Osório diz: trecho fundamental para destruir o argumento platônico/socrático].

A importância deste segundo princípio não confinava-se a assuntos militares, visto que foi como strategos ou general que Péricles assegurou a si mesmo um poder virtualmente ininterrupto, tanto que Tucídides podia dizer que, sob Péricles, o que tinha o nome de democracia estava, de fato, em processo de se tornar o governo de um só homem.

Estes dois aspectos da democracia pericleana foram, sem dúvida, importantes no desenvolvimento de uma demanda pelos serviços dos sofistas. Mas estaremos provavelmente certos se pusermos maior ênfase no segundo. O que "os sofistas estavam aptos a oferecer não era, de forma alguma, uma contribuição para a educação das massas. Eles ofereciam um produto caro, valiosíssimo para os que estavam buscando fazer carreira na política e na vida pública em geral, isto é, uma espécie de educação secundária seletiva, em continuação à da instrução básica recebida na escola, em linguagem e literatura (Grammatikê e Mausikê), aritmética (Logistikê) e atletismo (Gymnastik)ver, por exemplo, Platão, Prot. 318el; Xenofonte, Constituição dos espartanos, II, 1. Como a educação da escola elementar se completava normalmente no ponto em que o menino deixava de ser crian- [34] ça (Pais) para tornar-se um adolescente ou um jovem (Meirakion) (ver Platão, Laques 179a5-7; Xenofonte, Const. dos espartanos III, I), e visto que se tornar um Meirakion era equacionado com a idade da puberdade, tradicionalmente fixada aos 14 anos (Aristóteles, HA VII. 581al2ss.), podemos dizer, em termos modernos, se quisermos, que os sofistas ministravam uma educação seletiva para a idade de 14 anos em diante.

Essa educação, embora variasse quanto ao conteúdo, parece ter sido sempre, em boa parte, orientada para a carreira. Por volta do início da Guerra do Peloponeso, se é que podemos acreditar em Platão no diálogo Protágoros, estava já suficientemente estabelecida uma outra função — a de treinar mais professores que deveriam, por sua vez, tornar-se sofistas profissionais (Prot. 312a-b). Mas, como a finalidade principal continuava sendo a de preparar homens para uma carreira na política, não é de surpreender que uma parte essencial da educação oferecida fosse treinar na arte do discurso persuasivo. Sobre isso, observou muito bem J. B. Bury:

As instituições de uma cidade democrática grega pressupunham, no cidadão comum, a faculdade de falar em público, o que era indispensável para quem quer que ambicionasse uma carreira política. Um homem que fosse arrastado ao tribunal por seus inimigos e não soubesse como falar era como um civil desarmado atacado por soldados. O poder de expressar ideias claramente e de maneira a persuadir seus ouvintes era uma arte a ser aprendida e ensinada. Mas não bastava adquirir domínio do vocabulário; era necessário aprender como argu- [35] mentar, e exercitar-se na discussão de questões políticas e éticas. Havia uma procura de educação superior. [Osório diz: por que os sofistas eram necessários às circunstâncias e necessidades da Atenas do século V].

Os sofistas, então, supriam uma necessidade social e política. Mas além disso eles deviam muito ao patronato individual e, acima de tudo, ao patronato de um homem, Péricles. Isso é algo que talvez não tenha sido sempre reconhecido, tanto quanto deveria, nos relatos sobre o movimento sofista [Osório diz: eu, particularmente, sempre o reconheci!]. A falta de dados torna difícil para nós formar qualquer juízo claro e confiável sobre a personalidade de Péricles. Mas seu intelectualismo não se discute. Seus associados mais próximos e, ao que parece, seus únicos amigos pessoais eram artistas, intelectuais e filósofos. Um dos sofistas, o ateniense Damon, amigo de Sócrates e fiel companheiro de Pródicos, foi mencionado como seu "instrutor e mestre em política", e Isócrates disse de Damon que ele era considerado o homem mais sábio de seu tempo. Subsequentemente ele ganhou suficiente importância política para ser expulso de Atenas, por dez anos, pelo processo do ostracismo [Osório diz: a entourage de Péricles].

De importância ainda maior foi Anaxágoras. Segundo Plutarco, esse era o homem que Péricles admirava até ao exagero. Adquiriu com ele a sua gravidade de pensamento e de aparência e, mais ainda, seu racionalismo científico e a rejeição da superstição. Isso era ilustrado pela história segundo a qual Péricles fora capaz de explicar o eclipse do sol, em 431 a.C., e acalmar os que estavam assustados, explicando os movimentos do sol e da lua e ilustrando o que dizia com a sua [36] capa, levantando-a, aparentemente para esconder seu próprio rosto. Mais importante, contudo, do que essa história é o testemunho de que tentava basear todas as suas ações em decisão racional e cálculo judicioso (Gnomé) de preferência a emoções (Orgé), esperança ou acaso. [Osório diz: Péricles e Anaxágoras].

Além de Anaxágoras, havia outros intelectuais intimamente associados a Péricles (cf. [Platão] Alcib. I 118c). Protágoras era certamente um deles. Ele elogiava Péricles por sua atitude filosófica depois da morte de seus dois filhos ilegítimos na praga de 429 a.C. (DK 80B9). Muito antes, ele tinha sido claramente escolhido, por Péricles, para escrever as leis para a nova cidade de Turói, uma importante fundação na Itália meridional, no ano 444/443 a.C. O traçado das suas ruas fora encomendado a Hipódamo de Mileto, teórico político e planejador urbanista que foi também responsável pela configuração das ruas do porto de Atenas, em Pireus. É-nos dito, ainda, que Protágoras passou, certa vez, um dia inteiro conversando com Péricles sobre a questão de quem ou o que deveria ser corretamente acusado por uma morte acidental ocorrida durante a celebração de um festival atlético — a arma (um dardo), o homem que o lançou ou os organizadores dos jogos. [Osório diz: Péricles e Protágoras].

Uma outra tradição preservada por Plutarco (Per. 4,3), mas provavelmente conhecida também por Platão (DK 29A4), conta que Péricles ouvia as conferências de Zenão, o Eleáti- [37] co. Outros do seu círculo eram Heródoto, o historiador, Fídias, o escultor, e Sófocles, o tragediógrafo. [Osório diz: a entourage de Péricles].

A provável influência do pensamento sofista em Péricles não passou, de fato, despercebida. Mas a importância dele na promoção do movimento sofista não era, claramente, menos importante. Não foi por acaso que sofistas de todo canto do mundo grego vieram para Atenas. Isso foi devido, em parte, à própria Atenas. Primeiro, porque a cidade oferecia excelentes oportunidades para um sofista ganhar muito dinheiro e, segundo, em nível mais elevado, porque, sob muitos aspectos, ela estava em processo de se tornar um verdadeiro centro intelectual e artístico para toda a Grécia. Mas o patronato individual era também importante. Protágoras, o diálogo de Platão, abre com um brilhante cenário na casa de Cálias, em Atenas. A cena dramática é colocada exatamente antes do começo da Guerra do Peloponeso. Hospedados na casa de Cálias estão Hípias e Pródicos, aos quais se reunira, recentemente, Protágoras, que chegara do exterior dois dias antes. Estão presentes, também, muitos dos seus seguidores e discípulos reunidos para ouvir seus discursos. Esse Cálias pertencia a uma das famílias mais ricas de Atenas e, segundo Platão, na Apologia (20a4-5), gastou mais dinheiro com os sofistas do que foi gasto por todos os outros juntos. Não pode ser insignificante o fato de sua mãe ter sido a primeira mulher de Péricles, antes de se casar com o pai de Cálias, Hípônico. Além disso, Cálias não era o único patrono particular dos sofistas — ficamos sabendo, por Platão, que Górgias es- [38] tava hospedado e preparado para fazer uma palestra na casa de Cálicles (Górgias, 447b7-8), e especulações posteriores sugeriram que Protágoras fez a leitura de sua obra Sobre os deuses ou na casa de Eurípides ou na casa de um certo Megaclides (Diógenes Laércio IX, 54). [Osório diz: quem foi Cálias / Protágoras leu sua obra – escrita].

Embora fosse esse, claramente, um importante patronato particular, dificilmente teria a mesma importância que o de Péricles. Não sabemos se ele teve, alguma vez, sofistas hospedados em sua casa, mas há menção de conversas com sofistas em sua casa, aparentemente em inúmeras ocasiões (Plut. Per. 36.2). Mas já vimos o seu grande interesse pessoal por eles. Considerando-se a sua posição, é razoável supor que a importância desse interesse tenha sido considerável.A profissão de sofista, em Atenas, não era isenta de perigo. O ponto de partida, aqui, são as palavras que Platão põe na boca de Protágoras:

Quando um homem, que é um estrangeiro, vai para grandes cidades e lá persuade os melhores jovens a abandonar suas associações com outros, sejam parentes ou estranhos, mais velhos ou mais jovens do que eles, para se associarem consigo, movidos pela ideia de que se tornarão melhores mediante a sua associação com ele, um homem que assim procede precisa estar vigilante. Pois grandes são os ciúmes que surgem junto com outros ressentimentos e ataques contra ele [Osório diz: isso parece até uma confissão, no contexto!]. Ora, eu declaro que a arte sofista é muito antiga, mas os que a praticavam nos tempos antigos [Osório diz: já!? A antiguidade da Sofística! É que ela nasceu com o homem: falar é sofismar!], receando o ódio que despertava, construíam um escudo e máscara para si mesmos; alguns deles poesia, como no caso de Homero, Hesíodo e Simônides; al- [39] guns, ritos religiosos e profecias, como fizeram Orfeu, Museus e seus seguidores, alguns, tenho observado, também o atletismo, como aconteceu com Icos de Tarento e um outro ainda vivo, Heródico de Selimbria, originalmente de Mégara, tão sofista como qualquer outro; e música foi disfarce adotado por vosso próprio Agátocles, um grande sofista, e Pitocleides de Ceos e muitos outros. Todos esses, como digo, receando a má vontade contra eles, usaram essas artes como anteparos (Prot. 316c5-e5). [Osório diz: rol interessante de sofistas anteriores ao século V! Muito estranha essa não condenação, o que leva a crer até em uma possível distorção dos escritos platônicos].

Protágoras prossegue dizendo que ele mesmo não tomou esse caminho [Osório diz: o do disfarce?]. Admite que é sofista e que educa homens. Considera isso melhor precaução do que total negação. Mas ele inventou "outras precauções também" (317b6-7) cuja natureza não é especificada, de modo que, por isso, não sofre dano em consequência de sua admissão de que é sofista.

A certa altura, Platão até põe na boca de Sócrates a afirmação de que Atenas permite maior liberdade de palavra do que qualquer outro lugar na Grécia (Górgias, 461e2), e isso se conservou, até o século IV, como uma das características das quais os atenienses se orgulhavam (cf. Demóstenes IX, 3). A "Nota de Liberdade" tem sido regularmente declarada uma das glórias do gênio grego, manifesta em Atenas mais do que em qualquer outro lugar no século V a.C. Entretanto, como escreveu E. R. Dodds,

os indícios que temos são mais do que suficientes para provar que a Grande Era do Iluminismo grego era também, como no nosso próprio tempo, uma Era de Perseguição — banimento de intelectuais, antolhos para o pensamento e até (a crer na tradição sobre Protágoras) [40] queima de livros. Isso afligiu e confundiu os professores do século XIX, que não tinham a nossa vantagem da familiaridade com esse tipo de comportamento. Isso os confundia ainda mais porque acontecia em Atenas, a "escola da Hélade", a matriz da filosofia e, até onde vai nossa informação, em nenhum outro lugar. Daí a tendência para duvidar dos dados, sempre que possível; e quando possível explicar que o motivo real por trás das denúncias era político.

Sem dúvida, os que atacavam os filósofos, em Atenas, estavam atacando Péricles. Isso é simplesmente prova do íntimo envolvimento e da patronagem de Péricles em relação ao movimento sofista. Mas os indícios são realmente fortes de que houve toda uma série de processos contra filósofos e outros em Atenas, na segunda metade do século V a.C., geralmente sob a acusação de Asebeia ou impiedade. Isto é preservado não por uma fonte, mas por várias. Entre as vítimas se incluía a maioria dos líderes do pensamento progressista em Atenas: Anaxágoras, Diágoras, Sócrates, Aspásia, Protágoras e Eurípides, embora no seu caso pareça que a denúncia não foi bem-sucedida. De Protágoras se disse que foi exilado de Atenas e seus livros foram queimados (DK 80Ale3); [41] parece não haver dúvida de que Anaxágoras foi exilado, embora a data seja incerta. Fídias, depois de condenado por apropriação indébita, ou morreu na prisão ou foi exilado. Damon, como vimos, sofreu o ostracismo. É difícil acreditar que tudo isso foi simplesmente inventado, a despeito da incerteza sobre alguns detalhes. [Osório diz: perseguição aos intelectuais em Atenas. Mais uma vez Sócrates não difere dos demais sofistas! Sócrates, no entanto, parece que não é do agrado de Péricles! Se o fosse, talvez Platão tivesse dito ou o destacou dos demais, justamente para fazer o contraponto, tentando dizer que ele era o melhor, daí não ter recebido atenção].

Plutarco (Per. 31-32) reúne um certo número dessas acusações e as situa por volta do início da Guerra do Peloponeso, associando-as a um decreto de Diopeites prescrevendo a instauração de processo público (pelo processo de eisangelia) contra os que não acreditavam em coisas divinas ou que davam lições de astronomia [Osório diz: talvez esse seja o real motivo para Sócrates negar a astronomia! Medo!]. As tentativas de datar o decreto depois do início da guerra, claramente motivadas por um desejo de associá-lo com a histeria da guerra e mesmo com emoções evocadas pela praga, deveriam ser descartadas. É até possível que alguns dos processos reais fossem anteriores a 432 a.C. Finalmente, tem de ser feita referência a uma intrigante afirmação na Retórica 1397b24, de Aristóteles, segundo a qual a rejeição de uma afirmação provável é aceita como um bom argumento para a rejeição de outra afirmação menos provável. Portanto, se não se deve menosprezar outros especialistas, os filósofos também não deveriam ser menosprezados. Se os generais não devem ser menosprezados porque estão frequentemente sujeitos à morte, tampouco devem ser menosprezados os sofistas. Aqui a interpretação do texto thanatountai é segura e não deveria ser alterada. Mas não significa realmente condenados à morte, mas apenas sujeitos à ameaça de [42] morte. O que Aristóteles está dizendo é que a profissão de sofista era perigosa, embora menos do que a de general. [Osório diz: a profissão de sofista era perigosa por que eles mexiam com interesses profundos da sociedade: dinheiro e poder ou poder e dinheiro. Alternância de poder e divisão de riqueza gera conflitos, e dos maiores].

Em vista dos testemunhos acima não é de se duvidar da autenticidade da tradição segundo a qual alguns sentiam que seria prudente que o sofista ocultasse o fato de ser sofista. Encontramos isso não só na passagem do Protágoras de Platão citada anteriormente, mas também aplicado a Damon, na Vida de Péricles, de Plutarco; tratado como pilhéria por Sócrates, no seu próprio caso, em Teeteto 149a7 [Osório diz: nisso é pilhéria? No dos outros não?]; como um argumento sério na Apologia 33c4-34b5, e aplicado a outros, além de Protágoras, em Mênon 91e3-92a6. Se os sofistas poderiam ocasionalmente sentir-se inseguros em Atenas, certamente haveriam de ter recorrido ao apoio de Péricles. Consta que Péricles interveio diretamente para socorrer Anaxágoras e Aspásia. Não há por que duvidar de que sua influência estava disponível para socorrer outros também, e é provável que o apoio de Péricles fosse a secreta fonte de segurança em que se fiava Protágoras (Prot. 317B6-7).

Em vista de tudo o que foi dito, podemos agora concluir que não somente a situação geral em Atenas, mas também o franco encorajamento de Péricles é que trouxeram tantos sofistas a Atenas. A sua vinda não foi provocada simplesmente por algo de fora mas, antes, por um desenvolvimento interno à história de Atenas. Eles faziam parte do movimento que estava produzindo a Nova Atenas de Péricles, e era como tal que foram, ao mesmo tempo, bem-vindos e atacados. Eles atraíam o entusiasmo e o ódio que regularmente advêm àqueles que [43] estão profundamente envolvidos num processo de fundamental mudança social. A mudança que estava se realizando era, ao mesmo tempo, social e política, de um lado, e intelectual, de outro. Mas esses dois aspectos não eram separados; ambos faziam parte de um único processo complexo de mudança [Osório diz: qual autor não diz! Mas podemos dizer: poder político e divisão de riqueza].

Este capítulo intentou compreender o movimento sofista como um movimento social dentro do contexto da sociedade ateniense do século V. Acredito que não há necessidade de me justificar pela ênfase dada aos aspectos especiais existentes em Atenas e, em particular, pela importância atribuída à influência pessoal de Péricles, embora reconheça que em ambos os pontos talvez esteja indo um pouco mais longe do que foram outros especialistas. Seria um engano dar a impressão de que o movimento sofista era alguma coisa confinada em Atenas. Os sofistas vieram de muitas partes do mundo grego, viajaram longas distâncias, visitando cidades por toda parte (Platão, Ap. 19e5), ou pelo menos as cidades maiores (Platão, Prot. 316c6), das quais, ao que parece, estavam sujeitos a ser expulsos, exatamente como acontecia em Atenas (Platão, Mênon 92b3). Alguns sofistas, contudo, não eram estrangeiros, mas cidadãos das cidades nas quais ensinavam (Platão, Mênon 91c2, 92b3, Sof. 223d5). Quando um sofista viajava, ia provavelmente acompanhado de alunos que, como ele, chegavam como estrangeiros nas cidades que estavam visitando (Platão, Prot. 315a7). Górgias teve alunos em Argos, onde atraiu muita hostilidade da população local (ver DK Vol. II, 425.26), e em outro período de sua vida parece que se fixou em Tessália (DK 82A19). Hípias viajou muito, especialmente no mundo dório e, portanto, até Esparta e Sicília; e Protágoras também viveu por algum tempo na Sicília. [44] [Osório diz: Os sofistas como professores itinerantes. Embora Atenas, por sua riqueza e poder tenha sido o palco principal deles]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. ____)

 

Foi, assim, que os Sofistas chegaram na cidade, ensinaram, ficaram ricos e deixaram suas marcas para sempre na cultura grega e Ocidental, desde então.

Os Sofistas, portanto, nada mais fizeram que simplesmente atender a uma demanda ateniense pelo saber, pelo conhecimento que eles detinham.

E, ao ensinarem, os Sofistas abriram um fosso que jamais veio a ser fechado, pois, com conhecimento, demonstrarem que o conhecimento é precário e limitado, sendo, por isso, odiados pelos donos da verdade, especialmente professores e religiosos ou os dois juntos e misturados.

Dizer a verdade, para os Sofistas, passou a ser o seu crime, numa completa inversão do que se diz, embora, intimamente, não se acredite nisso!

Que professor chega em sala de aula e diz, logo de início, que não tem conhecimento do que se propõe a ensinar?

 

11 No texto a seguir só posso proceder por generalizações que, inevitavelmente, estarão sujeitas a qualificação. Para maior discussão da controvertida questão do desenvolvimento económico da Grécia antiga, ver M. M. AUSTIN e P. VIDAL-NAQUET, Economic and Social History of Ancient Greece, Londres, 1977, e C. G. STARR, The Economia and Social Growth ofEarly Greece, Nova Iorque, 1977.

31

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

3 – Antecedentes da revolução Sofística.

 

Nos diz Guthrier:

 

Determinar as causas de uma revolução intelectual sempre é empreendimento temerário, e quando muitas e grandes coisas acontecem juntas não é sempre fácil distinguir causa de efeito; mas umas poucas coisas se podem mencionar como provavelmente pertencentes à primeira categoria. Somos obrigados a destacar, por motivos cronológicos, a suposição de que os “pré-socraticos”, e em particular os jônios, possam todos ter exercido influência na configuração do pensamento dos sofistas. Se existe alguma conexão causal entre as idéias de Demócrito e as de Protágoras ou Górgias, é mais provável que tenha sido em sentido contrário. De outro lado, a influência dos eleatas sobre Protágoras e Górgias é inegável, como também a de Heráclito sobre Protágoras, e de Górgias se diz que foi discípulo e seguidor de Empédocles.

A vida, inclusive a vida humana, seria produto de uma espécie de fermentação causada pela ação do calor sobre a humanidade ou na matéria em decomposição, e grupos sociais e políticos seriam formados por acordos como a única forma eficaz para o homem se defender da natureza não humana. As próprias cosmogonias ajudaram a banir agentes divinos do mundo, não porque eram mais evolutivas do que criativas...

...a idéia de (p. 19) criação divina nunca foi proeminente na religião grega – mas porque tornavam mais difícil o hábito grego de ver seres divinos ou semidivinos em toda parte da natureza. Foi um golpe para a religião quando até das estrelas e do sol se afirmou serem nuvens ígneas, ou rochas arrancadas da terra e postas em órbita pelo redemoinho cósmico. Os olímpicos, ainda que não tivessem criado o mundo, tinham-no pelo menos controlado, mas as teorias dos filósofos naturais não deixavam nenhum lugar ou papel para Zeus na produção da chuva, do trovão e do relâmpago, nem para Posêidon no terror dos terremotos. (p. 20)

Além de sua distância, os pré-socráticos eram desacreditados por suas mútuas contradições. [Osório diz: Protágoras viu isso!]

Muitas vezes se aduz como uma das causas do novo humanismo a ampliação de horizontes mediante aumento de contatos com outros povos, na guerra, nas viagens e na fundação de colônias. Estes deixaram cada vez [p. 20] mais claro que costumes e modos de comportamento que antes tinham sido aceitos como absolutos e universais, e de instituirão divina, eram de fato locais e relativos. [Osório diz: Divergência entre valores]

...Hábitos que para gregos eram maus e desagradáveis, como casamento entre irmão e irmã, podem entre os egípcios ou alhures ser considerados normais e até impostos pela religião. A história de Heródoto é típica dos meados do séc. V pelo entusiasmo com que coleta e descreve os costumes dos citas, persas, lídios, egípcios e outros, indicando suas divergencias do uso grego. Se se pedisse a todos os homens, diz ele, que mencionassem as melhores leis e costumes, cada um escolheria os seus próprios; e o ilustra pela história de Dario, que mandou vir a sua corte alguns gregos e hindus e perguntou primeiro aos gregos por que consideração eles consentiriam comer os seus pais falecidos. Quando estes responderam que não fariam isso por nada, ele se voltou para os hindus (de uma tribo que normalmente comiam os corpos de seus pais) e lhes perguntou se algo os poderia persuadir a queimar seus pais (como os gregos faziam), ao que eles protestaram pela mera menção de tal impiedade.

Também Eurípides notou que se pratica o incesto entre povos não-gregos, “e nenhuma lei o proíbe”... [Osório diz: Relatividade dos valores]

[Sócrates não concordava que uma lei não era menos universal e divina porque alguns a transgrediram; ...(p. 21) [Osório diz: um único exemplo e, ainda por cima, o pior!].

Estadas entre egípcios e caldeus são relatadas de primitivos filósofos e sábios como Sólon, e são inteiramente confiáveis tais relatos. ...

É “lei da natureza” que o mais forte faça o que está em seu poder e mais fraco ceda … (p. 22)

Assim também Teseu no Hipólito (Hip. 915ss) se pergunta para que serve os homens ensinarem dez mil artes e descobrir tanto instrumento engenhoso, se sua ciência não lhes diz como pôr senso na cabeça de um homem que não o tem. [Osório diz: o homem criando!]

Sólon (que foi o primeiro a introduzir o principio de nomear funcionários públicos por uma combinação de eleição e sorte) [Osório diz: Política]

...o arcontado ...Sócrates, ...sentimentos antidemocráticos ...(p. 23)

O trato de Mitilene pela democracia ateniense ilustra seus perigos, e talvez também suas virtudes.

Depois de dominar uma revolta em 428, a Assembléia sob influência de Clêon enviou uma trireme com ordens de matar todo homem na cidade e escravizar as mulheres e as crianças. No dia seguinte, arrependeram-se de sua crueldade atroz, e, depois de segundo debate, reverteram a decisão por magra maioria e despacharam uma segunda trireme a grande velocidade para cancelar a ordem. Comendo junto aos remos e dormindo revezando-se, conseguiram chegar antes que a ordem fosse levada a efeito. Neste caso, a fraqueza demagógicaratória contrabalançou por sua prontidão em reconsiderar e dar a ambos os lados adequada audição [O tamanho dos Estados modernos impede uma democracia completa, enquanto oposta a uma representativa, mesmo que fosse desejada, e provavelmente os únicos lugares onde se pode observar hoje são as Universidades de Oxford e Cambridge, onde semelhantes exemplos de vacilação não são desconhecidos.]. A pequena ilha de Melos foi menos afortunada, e seus habitantes sofreram a sorte originalmente planejada para Mitilene. Seu crime foi preferir a neutralidade à inserção no império ateniense. [Osório diz: Isso aconteceu no início da Democracia, o que mostra que esta é importante, pois permite rever seus atos tidos como errados] [Osório diz: o autor muda de assunto, embora a ele retorne na nota de rodapé]

Protágoras, que se gloriava do título de sofista e anunciava orgulhosamente sua habilidade de ensinar ao jovem “o cuidado adequado de seus negócios pessoais, para poder administrar melhor sua própria casa e família, e também dos negócios do Estado, para se tornar poder real na cidade, quer como orador, quer como homem de ação”. ...

E argumentou-se (da parte de Heinrich Gomperz) que todo o ensino dos sofistas se resume na arte da retórica. É considerável exagero; a arete que Protágoras pretendia comunicar consistia em mais do que isso. Mas alguém dentre eles, Górgias, mofou dos professores profissionais de [p. 24] virtude cívica. [Osório diz: existiam?]

Falei como se as circunstâncias políticas e as ações públicas dos Estados gregos originassem as teorias morais arreligiosas e utilitárias dos pensadores e mestres, mas é mais provável que prática e teoria agissem e reagissem mutuamente entre si. Sem dúvida, os atenienses não precisavam de um Trasímaco ou de um Cálicles para ensinar-lhes como lidar com uma ilha recalcitrante, mas os discursos que Tucídides põe nos lábios dos porta-vozes atenienses, no que ele tipifica um debate com a assembléia meliana, trazem marcas inconfundíveis de ensino sofista. Péricles era amigo de Protágoras, e quando Górgias apareceu diante dos atenienses em 427, os novos floreios da oratória com que ele pleiteou a causa de sua terra natal, a Sicília, suscitaram admiração e surpresa (p. 169, n. 11, abaixo). Se os sofistas foram produto de seu tempo, por sua vez também ajudaram a cristalizar suas idéias. Mas seu ensino pelo menos caiu em terreno bem preparado. Ao ver Platão, não eram eles que deviam ser declarados culpados por infeccionar os jovens com pensamentos perniciosos, pois nada mais faziam do que refletir os prazeres e as paixões da democracia existente:

Cada um destes mestres profissionais, que o povo chama de sofistas e considera seus rivais na arte da educação, não ensina, com efeito, nada mais do que as crenças do povo expressas por ele mesmo em suas assembléias. É isso que afirma como sua sabedoria.

Voltando-nos de causas para facetas de mudança (à medida que se podem distinguir os dois aspectos), destas últimas a mais fundamental é a antítese entre physis e nomos que se desenvolveu nesta época entre filósofos naturais e humanistas igualmente. (p. 25) [Osório diz: Natureza e Leis]

...o individualismo desmedido dos que, como Cálicles de Platão, defendiam que idéias de lei e justiça eram mero expediente da maioria de fracos para afastar o homem forte, que é o homem justo da natureza, do lugar que por direito lhe cabe.

Na idéia de que leis são assuntos de acordo humano, "alianças feitas pelos cidadãos", como Hípias as chamou (p. 130 abaixo)

Temos a essência da teoria do pacto social que se desenvolveu sobretudo na Europa dos sécs. XVII e XVIII.

Uma afirmação inequívoca da teoria contratual da lei é atribuída por Aristóteles a Licófron, discípulo de Górgias, e, em sua forma histórica, como teoria da origem da lei, é afirmada claramente por Gláucon na República como modo de ver corrente que ele gostaria de refutar.

Além de leis no sentido comum, a opinião contemporânea reconheceu-a existência de "leis não-escritas", e a relação entre ambas ilustra bem a natureza transitória deste período de pensamento. Para uns, a frase denotava certos princípios morais eternos, válidos universalmente e prevalecendo sobre as leis positivas dos homens porque tinham sua origem nos deuses. Esta noção é mais bem conhecida pelas esplêndidas linhas de Sófocles na Antígona (450ss), onde Antígona defende o funeral de seu irmão morto contrário ao edito de Crêon declarando: "Não foi Zeus nem foi a Justiça que decretaram estes nomoi entre os homens, nem julgo tua proclamação tão poderosa que tu, um mortal, possas subverter as leis seguras e não-escritas dos deuses". Mais tarde veremos outras referências a estas leis divinas que existiram em todo tempo, e sua superioridade sobre os decretos falhos e mutáveis dos homens. Contudo, com a difusão de idéias democráticas, a frase ganhou sentido novo e mais sinistro. A codificação da lei veio a ser considerada proteção necessária para o povo. Não só Eurípedes (Suppl. 429ss) considerou-a garantia para direitos iguais e baluarte contra a tirania, mas também na prática a democracia restaurada no fim da guerra do Peloponeso proibiu expressamente ao magistrado fazer uso de leis não-escritas (p. 119 abaixo). (p. 26) [Osório diz: lei não escrita era a burguesia!] [Osório diz: cada coisa no seu contexto!]

O crescimento do ateísmo e do agnosticismo nesta época também esteve conexo com a idéia de nomos. [Osório diz: Religião]

Para Crítias, os deuses foram invenção de um engenhoso legislador para prevenir que os homens transgredissem as leis quando não observados. ...deificação de objetos naturais úteis como o sol e os rios, trigo e uva, …

Um aspecto atraente da antítese nomos-physis é que ela patrocinou os primeiros passos rumo ao cosmopolitismo e à idéia da unidade do gênero humano. (p. 27)

Antífon foi mais longe (como Hípias também pode ter feito), e depois de censurar distinções baseadas em nascimento nobre e inferior passou a declarar que não há nenhuma diferença de natureza entre bárbaros e gregos. [Osório diz: Platão!]

A única testemunha no séc. V da existência de uma crença de que a escravidão é não-natural é Eurípides, cujas personagens expressam sentimentos deste tipo: “Somente o nome traz vergonha para um escravo: em tudo o mais ele não é pior que os livres, se ele for homem bom”. [Osório diz: Escravidão]

Protágoras começou com o axioma de que “há dois argumentos sobre cada assunto”.

Aos olhos de Górgias, "a palavra" era déspota que podia fazer qualquer coisa, mas como escravo da lâmpada estaria a serviço dos que faziam seus cursos. Lendo os restos que nos sobraram dos escritos de Górgias, não nos inclinamos a acusar Platão de deslealdade quando o faz desconhecer toda responsabilidade pelo uso que se pode fazer de seu ensino por outros. Era matéria subversiva, tanto moral como epistemologicamente, pois a convicção de que os homens podiam ser persuadidos de qualquer coisa casava-se naturalmente com a relatividade da doutrina de Protágoras segundo a qual "o homem é a medida" e com o niilismo do tratado de Górgias Sobre a natureza e o não-existente. [Osório diz: aqui o autor rói a corda!]

Eles pretendiam ensinar arete, mas seria isso algo que se poderia instilar pelo ensino? [Osório diz: isso é contraditório e idiota! Platão diz que a virtude não pode ser ensinada, mas maldade, seu oposto, pode! Ou ambas podem ser ensinadas ou ambas não podem sê-lo] [Osório diz: arete, no caso, é: aceite que alguém manda e alguém obedece. Manda quem nasceu no seis das famílias que nasceram para mandar. De indivíduo nada para família].

Arete, quando usada (p. 28) sem qualificação, denotava as qualidades de excelência humana que fazia o homem líder natural em sua comunidade, e até então crera-se que ela dependia de certos dons naturais e mesmo divinos que eram a marca do bom nascimento e geração. Eram definitivamente assunto da physis, cultivada, à medida que o rapaz crescia, pela experiência de viver com exemplo de seu pai e pessoas mais velhas buscando segui-lo. Assim eram, transmitidos naturalmente e raramente de maneira consciente, uma prerrogativa da classe que nasceu para governar. [Osório diz: Platão]

...anátema … ([latim eclesiástico anathema, -atis, do grego anáthema, -atos, oferenda, coisa maldita, maldição] adjetivo de dois gêneros. 1. Maldito, excomungado. substantivo masculino 2. Excomunhão com execração. 3. Pessoa anatematizada.)

O que veio acima é uma pregustação dos tópicos, de cálido interesse nos tempos em que Sócrates vivia, que serão examinados em capítulos posteriores: o status das leis e dos princípios morais, a teoria do progresso do homem da selvageria para a civilização substituindo a teoria de degeneração de uma idade áurea passada, a idéia do pacto social, teorias subjetivas do conhecimento, ateísmo e agnosticismo, hedonismo e utilitarismo, a unidade do gênero humano, escravidão e igualdade, a natureza da arete, a importância da retórica e o estudo da linguagem.(p. 29) [Osório diz: o que propunham os sofistas!]

Foi dito dos sofistas que eram herdeiros tanto dos filósofos pré-socráticos como dos poetas. W. Schmidt afirmou para Protágoras uma dívida para com Heráclito, Anaxágoras, os físicos de Mileto e Xenofonte, e lhe dá o crédito de tornar as conclusões paradoxais de Heráclito e Parmênides geralmente correntes em círculos instruídos.

Um ramo da filosofia pré-socrática exerceu profunda influência na sofistica como também em todo outro pensamento grego: o monismo extremado de Parmênides e seus seguidores. Seu desafio à evidencia dos sentidos, e rejeição de todo o mundo sensível como irreal, inspirou reação violenta nas mentes empíricas e praticas dos sofistas, que se lhe opuseram em nome do senso comum. Protágoras, diz-nos, afastou-se do ensino político da arete para escrever uma obra sobre o Ser que se dirigia contra “os que sustentam a unidade do Ser” e Górgias em seu Sobre o não-ser mostrou sua mestria no argumento eleático fazendo-o voltar contra seus [p. 48] inventores. Todavia os sofistas não podiam, não mais do que qualquer outro pretendente a pensamento sério, eliminar o dilema eleático, que forçava uma escolha entre o ser e o tornar-se, a estabilidade e o fluxo, a realidade e a aparência. Uma vez que não mais era possível tê-los a ambos, os sofistas abandonaram a idéia de uma realidade permanente atrás das aparências, em favor de fenomenismo, relativismo e subjetivismo extremos [p. 49]. [Osório diz:!!!]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. citadas entre colchetes).

 

 

12

 

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

2 – Do conhecimento religioso, mítico ao racional.

 

São em colônias gregas situadas no que esse povo chamava de Ásia menor (atual Turquia), que encontramos os primeiros registros do esforço humano, buscando superar o conhecimento religioso e mítico, por intermédio do pensamento dito racional. Lá encontramos os seguintes homens e suas contribuições na explicação ao esforço de pensar.

 

  1. Tales

 

Contribuição fundamental: colocou o problema do princípio único originário de todas as coisas, afirmando que o princípio (ou arché) de todas as coisas é a água.

 

Anaxímenes

 

Contribuição fundamental: afirma que o princípio (ou arché) de todas as coisas é o ar.

 

Anaximandro

 

Contribuição fundamental: Afirma que o princípio (ou arché) de todas as coisas é o apeiron (o indefinido ou o infinito).

 

Heráclito

 

Contribuição fundamental: Afirma que o princípio (ou arché) de todas as coisas é o fogo. Afirma, ainda, a existência do princípio (logos) como unidade múltipla, guerra e paz, luta e harmonia, discórdia e justiça, contradição e síntese dos opostos. O fogo é a manifestação empírica do logos.

 

Parmênides

 

Contribuição fundamental: sua doutrina nega, energicamente, a possibilidade do movimento, da mudança e da multiplicidade.

 

Empédocles

 

Contribuição fundamental: Inaugura o pluralismo, rompendo com a tradição eleata (dos pensadores originários da cidade de Eléia). Afirma que as coisas têm origem em “quatro raízes”, batizadas com nomes divinais: o fogo (Zeus), o ar (Hera), a terra (Aidoneus) e a água (Nestis).

 

Anaxágoras

 

Contribuição fundamental: entende que o universo, na sua totalidade, é constituído por inumeráveis partículas, infinitamente pequenas, invisíveis, divisíveis ao infinito, às quais dá o nome de sementes ou homeomerias. Introduziu na filosofia grega a ideia de um princípio unificador e ordenador da matéria, o nous (inteligência) de natureza espiritual.

 

Pitágoras

 

Contribuição fundamental: para ele, os números e a oposição finito-infinito, eram o princípio (ou arché), a substância de todas as coisas

 

Demócrito

 

Contribuição fundamental: Desenvolveu a teoria dos átomos de seu mestre Leucipo. A realidade é composta de átomos (as menores partículas nas quais as coisas poderiam se dividir) e de vazio.

 

Nietzsche tem uma tese muito interessante sobre os pré-socráticos, que pode assim ser descrita:

 

      1. A crítica de Nietzsche e Hegel sobre Tales de Mileto

 

Nietzsche através de seu texto "A filosofia na Época Trágica dos Gregos" se mostra um grande admirador da cultura e principalmente da filosofia grega. Mesmo elas tendo sofrido influências de elementos construídos por outros povos, os gregos usando de toda a sua inteligência, souberam construir a sua própria cultura e filosofia.

Falando sobre Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo grego, Nietzsche compara os saltos da imaginação de Tales com aquilo que ele chamou de "entendimento calculador". De acordo com Nietzsche, os pré-socráticos em seus estudos sobre a origem e a essência das coisas, submeteram os mitos ao pensamento lógico causal, sendo responsáveis pelo nascimento da filosofia. Segundo Nietzsche:

 

"A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas, em segundo lugar, porque faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: 'tudo é um'.".

 

Nietzsche diz que através de Tales podemos entender como procedeu a filosofia em todos os tempos. O pensamento filosófico possui extrema mobilidade, pois ele é alçado pela fantasia, usa os fatos apenas como apôio provisório, para depois, lançar-se à frente. Já o "entendimento calculador" caminha apenas depois de construir fundamentos sólidos: "a todo instante, detém-se desamparado, precisa antes construir fundamentos que sustentem seu passo pesado e cauteloso; por vezes isso não dá resultado, e então não há deus que possa auxiliá-lo a transpor o regato."

Nietzsche faz uma comparação entre a elaboração linguística da intuição filosófica e os versos do poeta: "O filósofo busca ressoar em si mesmo o clangor total do mundo e, de si mesmo, expô-lo em conceitos; enquanto é contemplativo como o artista plástico, compassivo como o religioso, à espreita de fins e causalidades como o homem da ciência, enquanto se sente dilatar-se até a dimensão do macrocosmo, conserva a lucidez para considerar-se friamente como o reflexo do mudo, essa lucidez que tem o artista dramático quando se transforma em outros corpos, fala a partir destes e, contudo, sabe projetar essa transformação para o exterior, em versos escritos." É inevitável que cogitemos uma aproximação entre a filosofia e a poesia, por serem ambas, uma forma de expressão linguística. Nietzsche diz que o poeta usa a imagem de seu eu empírico como forma de expressão, constrói um símbolo, através do qual representa seu próprio estado. Ora, demonstrar o "sentir" por meio de uma representação subjetiva, é o mesmo que submeter o seu significado a uma restrição que a vocação da filosofia desconhece. O impulso ao conhecimento universal arrasta o filósofo fazendo com que ele aprenda o "sentir" em seu sentido mais geral. O discurso filosófico deve ser conceitualmente construído, e para isso, na filosofia, qualquer traço de subjetividade, ou seja, do eu lírico deve ser aniquilado. No entanto, só através da virtualidade linguística desenvolvida pelos poetas seria possível pensar a independência da filosofia em relação aos padrões da língua.

O "entendimento calculador", por sua vez, parte da hipótese, a ele mesmo desconhecida, de que há na estrutura linguística uma verdade, e por isso considera o uso da linguagem como meio necessário para se alcançar o conhecimento. A verdade do entendimento calculador é constituída de uma aplicação da representação linguística à realidade. Sendo assim, a adequação da representação ao objeto é distorcida, pois o próprio mundo objetivo é construído a partir das leis gramaticais. Logo, a aplicação da estrutura e representação linguística ao objeto de estudo da filosofia corresponderia à falsificação desse objeto. A própria intuição filosófica compreende esse fato, ou seja, intuir o fundamento da realidade, implica em reconhecer a sua imensurabilidade em relação ao pensamento conceitual e à linguagem. Devido a esse motivo, a relação entre a intuição filosófica e o discurso da filosofia só se dá, quando este não está preso as leis estabelecidas pela linguagem. Neste âmbito do discurso filosófico, a linguagem não deve absorver o seu objeto, obrigando-o a acomodar-se dentro de estruturas já existentes, mas deve apenas entrar em "contato superficial" com ele. Através desse contato, o discurso filosófico torna-se capaz de expressar o "sentir" na medida em que se liberta dos grilhões da linguagem. (Tal liberdade é infinitamente maior na literatura e em qualquer outra forma de arte).

Na obra "Fragmentos Póstumos", de Nietzsche, é atribuída à filosofia um caráter de atividade fundamentalmente poética: "A filosofia é uma forma de arte poética. [...] A descrição da natureza do filósofo. Ele conhece na medida em que poetiza, e poetiza na medida em que conhece. [...] Ela é a poesia além das fronteiras da experiência." Aqui fica claro que Nietzsche acredita que os filósofos devem recusar a validade das convenções linguísticas. Para Nietzsche, a expressão de Tales "tudo é água", foi o meio que ele encontrou para expressar a unidade, a singularidade de tudo o que é. E por estar submetido ao condicionamento da linguagem, Tales se comunicou falando da água.

Hegel e Nietzsche concordam que a proposição de Tales, que diz "a água é o absoluto", é filosófica e que com ela a filosofia se iniciou. Mas para Hegel, a frase é filosófica porque ela nos mostra que o "um é a essência, o verdadeiro, o único que é em si e para si". Ele diz que: "Os gregos consideram o sol, as montanhas, os rios, etc. como forças autônomas, honrando-os como deuses, elevados pela fantasia a seres ativos, móveis, conscientes, dotados de vontade. Isto gera em nós a representação da pura criação pela fantasia, animação infinita e universal, figuração, sem unidade simples."

Para Hegel, esse segregar-se de uma infinidade de princípios, ou seja, toda essa representação de que um objeto singular é algo que subsiste para si, que possui autonomia, é substituída. E, assim, está posto que só existe um universal, o universal ser em si e para si, e de acordo com Hegel, o pensamento de que apenas o um é. O infinito, Deus, é um só, pois se fosse dois haveria a finitude, seria singular e o singular é passageiro, é finito, voltando novamente a tornar-se universal. Para Hegel, nada é em sua singularidade.

 

A filosofia grega parece começar com uma idéia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: "Tudo é um". A razão citada em primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e no-lo mostra como investigador da natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego. Se tivesse dito: "Da água provém a terra", teríamos apenas uma hipótese científica, falsa, mas dificilmente refutável. Mas ele foi além do científico. Ao expor essa representação de unidade através da hipótese da água, Tales não superou o estágio inferior das noções físicas da época, mas, no máximo, saltou por sobre ele. As parcas e desordenadas observações da natureza empírica que Tales havia feito sobre a presença e as transformações da água ou, mais exatamente, do úmido, seriam o que menos permitiria ou mesmo aconselharia tão monstruosa generalização; o que o impeliu a esta foi um postulado metafísico, uma crença que tem sua origem em uma intuição mística e que encontramos em todos os filósofos, ao lado dos esforços sempre renovados para exprimi-la melhor — a proposição: "Tudo é um".

 

É notável a violência tirânica com que essa crença trata toda a empiria: exatamente em Tales se pode aprender como procedeu a filosofia, em todos os 6 Os Filósofos Trágicos. Este título, que deve ser tomado estritamente em sentido nietzschiano, não é de Nietzsche: apenas obedece a uma indicação do autor, que diz: "Os filósofos antigos, os eleatas, Heráclito, Empédocles, são filósofos trágicos". Também não se trata de um livro de Nietzsche, mas de uma reunião de textos sobre os pré-socráticos. Os cinco primeiros pertencem ao ensaio A Filosofia na Época Trágica dos Gregos, de 1873 (edição Krõner, vol- I). Os três últimos são notas e planos de curso, do vol. XIX das Obras Completas* (edição de 1903). Assim prevenido de que este é um livro artificial, o leitor poderá também desmontá-lo* e aproveitá-lo em pelo meros dois sentidos muito fecundos: como suplemento ao estudo dos pré-socráticos ou como via de acesso à compreensão de Nietzsche. (N. do T.) " E o que se fez nesta edição, destacando cada parte para o respectivo pré-socrático comentado. (N. do E.) tempos, quando queria elevar-se a seu alvo magicamente atraente, transpondo as cercas da experiência. Sobre leves esteios, ela salta para diante: a esperança e o pressentimento põem asas em seus pés. Pesadamente, o entendimento calculador arqueja em seu encalço e busca esteios melhores para também alcançar aquele alvo sedutor, ao qual sua companheira mais divina já chegou. Dir-se-ia ver dois andarilhos diante de um regato selvagem, que corre rodopiando pedras; o primeiro, com pés ligeiros, salta por sobre ele, usando as pedras e apoiando-se nelas para lançar-se mais adiante, ainda que, atrás dele, afundem bruscamente nas profundezas. O outro, a todo instante, detém-se desamparado, precisa antes construir fundamentos que sustentem seu passo pesado e cauteloso; por vezes isso não dá resultado e, então, não há deus que possa auxiliá-lo a transpor o regato.

O que, então, leva o pensamento filosófico tão rapidamente a seu alvo? Acaso ele se distingue do pensamento calculador e mediador por seu vôo mais veloz através de grandes espaços? Não, pois seu pé é alçado por uma potência alheia, lógica, a fantasia. Alçado por esta, ele salta adiante, de possibilidade em possibilidade, que por um momento são tomadas por certezas; aqui e ali, ele mesmo apanha certezas em vôo. Um pressentimento genial as mostra a ele e adivinha de longe que nesse ponto há certezas demonstráveis. Mas, em particular, a fantasia tem o poder de captar e iluminar como um relâmpago as semelhanças: mais tarde, a reflexão vem trazer seus critérios e padrões e procura substituir as semelhanças por igualdades, as contigüidades por causalidades. Mas, mesmo que isso nunca seja possível, mesmo no caso de Tales, o filosofar indemonstrável tem ainda um valor; mesmo que estejam rompidos todos os esteios quando a lógica é a rigidez da empiria quiseram chegar até a proposição "Tudo é água", fica ainda, sempre, depois de destroçado o edifício científico, um resto; e precisamente nesse resto há uma força propulsora e como que a esperança de uma futura fecundidade.

Naturalmente não quero dizer que o pensamento, em alguma limitação ou enfraquecimento, ou como alegoria, conserva ainda, talvez, uma espécie de "verdade": assim como, por exemplo, quando se pensa em um artista plástico diante de uma queda d'água, e ele vê, nas formas que saltam ao seu encontro, um jogo artístico e prefigurador da água, com corpos de homens e de animais, máscaras, plantas, falésias, ninfas, grifos e, em geral, com todos os protótipos possíveis: de tal modo que, para ele, a proposição "Tudo é água" estaria confirmada. O pensamento de Tales, ao contrário, tem seu valor — mesmo depois do conhecimento de que é indemonstrável — em pretender ser, em todo caso, não-místico e não-alegórico. Os gregos, entre os quais Tales subitamente destacou tanto, eram o oposto de todos os realistas, pois propriamente só acreditavam na realidade dos homens e dos deuses e consideravam a natureza inteira como que apenas um disfarce, mascaramento e metamorfose desses homens-deuses. O homem era para eles a verdade e o núcleo das coisas, todo o resto apenas aparência e jogo ilusório. Justamente por isso era tão incrivelmente difícil para eles captar os conceitos como conceitos: e, ao inverso dos modernos, entre os quais mesmo o mais pessoal se sublima em abstrações, entre eles o mais abstrato sempre confluía de novo em uma pessoa. Mas Tales dizia: "Não é o homem, mas a água, a realidade das coisas"; ele começa a acreditar na natureza, na medida em que, pelo menos, acredita na água. Como matemático e astrônomo, ele se havia tornado frio e insensível a todo o místico e o alegórico e, se não logrou alcançar a sobriedade da pura proposição "Tudo é um" e se deteve em uma expressão física, ele era, contudo, entre os gregos de seu tempo, uma estranha raridade. Talvez os admiráveis órficos possuíssem a capacidade de captar abstrações e de pensar sem imagens, em um grau ainda superior a ele: mas estes só chegaram a exprimi-lo na forma da alegoria. Também Ferécides de Siros, que está próximo de Tales no tempo e em muitas das concepções físicas, oscila, ao exprimi-las, naquela região intermediária em que o mito se casa com a alegoria: de tal modo que, por exemplo, se aventura a comparar a Terra com um carvalho alado, suspenso no ar com as asas abertas, e que Zeus, depois de sobrepujar Kronos, reveste de um faustoso manto de honra, onde bordou, com sua própria mão, as terras, águas e rios. Contraposto a esse filosofar obscuramente alegórico, que mal se deixa traduzir em imagens visuais, Tales é um mestre criador, que, sem fabulação fantástica, começou a ver a natureza em suas profundezas. Se para isso se serviu, sem dúvida, da ciência e do demonstrável, mas logo saltou por sobre eles, isso é igualmente um caráter típico da cabeça filosófica. A palavra grega que designa o "sábio" se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem do gosto mais apurado; um apurado degustar e distinguir, um significativo discernimento, constitui, pois, segundo a consciência do povo, a arte peculiar do filósofo. Este não é prudente, se chamamos de prudente àquele que, em seus assuntos próprios, sabe descobrir o bem. Aristóteles diz com razão: "Aquilo que Tales e Anaxágoras sabem será chamado de insólito, assombroso, difícil, divino, mas inútil, porque eles não se importavam com os bens humanos". Ao escolher e discriminar assim o insólito, assombroso, difícil, divino, a filosofia marca o limite que a separa da ciência, do mesmo modo que, ao preferir o inútil, marca o limite que a separa da prudência. A ciência, sem essa seleção, sem esse refinamento de gosto, precipita-se sobre tudo o que é possível saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço; enquanto o pensar filosófico está sempre no rastro das coisas dignas de serem sabidas, dos conhecimentos importantes e grandes.

Mas o conceito de grandeza é mutável, tanto no domínio moral quanto no estético: assim a filosofia começa por legislar sobre a grandeza, a ela se prende uma doação de nomes. "Isto é grande", diz ela, e com isso eleva o homem acima da avidez cega, desenfreada, de seu impulso ao conhecimento. Pelo conceito de grandeza, ela refreia esse impulso: ainda mais por considerar o conhecimento máximo, da essência e do núcleo das coisas, como alcançável e alcançado. Quando Tales diz: 'Tudo é água", o homem estremece e se ergue do tatear e rastejar vermiformes das ciências isoladas, pressente a solução última das coisas e vence, com esse pressentimento, o acanhamento dos graus inferiores do conhecimento. O filósofo busca ressoar em si mesmo o clangor total do mundo e, de si mesmo, expô-lo em conceitos; enquanto é contemplativo como o artista plástico, compassivo como o religioso, à espreita de fins e causalidades como o homem de ciência, enquanto se sente dilatar-se até a dimensão do macrocosmo, conserva a lucidez para considerar-se friamente como o reflexo do mundo, essa lucidez que tem o artista dramático quando se transforma em outros corpos, fala a partir destes e, contudo, sabe projetar essa transformação para o exterior, em versos escritos. O que é o verso para o poeta, aqui, é para o filósofo o pensar dialético: é deste que ele lança mão para fixar-se em seu enfeitiçamento, para petrificá-lo. E assim como, para o dramaturgo, palavra e verso são apenas o balbucio em uma língua estrangeira, para dizer nela o que viveu e contemplou e que, diretamente, só poderia anunciar pelos gestos e pela música, assim a expressão daquela intuição filosófica profunda pela dialética e pela reflexão científica é, decerto, por um lado, o único meio de comunicar o contemplado, mas um meio raquítico, no fundo uma transposição metafórica, totalmente infiel, em uma esfera e língua diferentes. Assim contemplou Tales a unidade de tudo o que é: e quando quis comunicar-se, falou da água!”. (Fonte: NIETZSCHE, F. A Filosofia na Época Trágica dos Gregos, § 3. Em: Os Pré-Socráticos. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1973. p. 16/18).

 

A frase famosa de Protágoras – pronunciada no contexto acima, onde homens considerados sábios (Tales consta dentre os Sete Sábios da Grécia) não se entendem, cada um dizendo coisas diferentes, como água e fogo, por exemplo –, e que já recebeu inúmeras interpretações, especialmente aquelas que buscam desqualificar o autor e não compreender seu pensamento, é perfeita. Diz ele:

 

O homem é a medida de todas as coisas” (metron).

 

Nada mais apropriado que, naquele contexto de desentendimento entre os sábios, afirmar que “o homem é a mediada de todas as coisas”, isso por uma simples e fundamental razão: o homem é o único animal que valora!

Protágoras, em um determinado momento, percebeu as opiniões externadas pelos filósofos que o antecederam ou lhe eram contemporâneos, e pode comprovar que eles divergiam completamente nessas opiniões sobre o que seria a origem de todas as coisas, o princípio de tudo. Vejamos:

 

Para Tales de Mileto: era a água.

Para Anaximandro: era o ápeiron.

Para Anaxímenes: era o ar.

Para Xenófanes: era a terra.

Para Heráclito: era o fogo.

Para Pitágoras: era o número.

Para Empédocles: eram os quatro elementos (água, terra, fogo e ar).

Para Anaxágoras: eram as homeomerias.

Para Demócrito: eram os átomos.

 

Ora, estes homens eram os sábios, um deles, Tales é um dos Sete Sábios da Grécia, como, então, deveria comportar-se um homem diante de opiniões completa e diametralmente opostas?

Somente restou ao não menos sábio Protágoras chegar à conclusão que chegou! Qual seja, que “o homem é a medida de todas as coisas”.

Giovanni Reali assim explica o único comportamento que era possível a um pensador arguto como Protágoras:

 

Dizer que, sem os sofistas, Sócrates e Platão são totalmente impensáveis significa dizer que os sofistas representam algo totalmente novo e, de algum modo, operaram uma revolução com relação aos filósofos da physis: é esta revolução, junto com as razões que a produziram, que agora devemos esclarecer.

 

Em primeiro lugar, para compreender o surgimento e o desenvolvimento do fenômeno da sofística, é preciso ter presentes os resultados particulares aos quais chegou a especulação naturalista. Estes tinham então chegado ao ponto de se anularem mutuamente: os resultados do eleatismo contradiziam os do heraclitismo; os resultados dos pluralistas contradiziam os dos monistas; ulteriormente, as soluções dos pluralistas se excluíam mutamente, se não nos fundamentos, pelo menos na determinação do pensamento. Parecia, então, que todas as possíveis soluções tinham sido propostas e não eram pensáveis outras: os princípios são um, muitos, infinitos ou até mesmo não existem princípios (eleatas); tudo é móvel, tudo é imóvel; tudo depende de um ordenamento inteligente de uma Mente, tudo deriva de um movimento mecânico; e assim se poderia prosseguir no elenco das antíteses às quais chegara a filosofia da physis. Até a tentativa de alguns pensadores de retomar e voltar a defender, com oportunas correções, o pensamento de um ou outro dos antigos mestres (por exemplo, a tentativa de Hípon de defender Tales, ou a de Diógenes de Apolônia de defender a doutrina do ar de Anaxímenes) demonstra, como vimos acima, que, então, todas as vias estavam batidas e que a pesquisa do princípio de todas as coisas tinha esgotado todas as possibilidades e tocado os próprios limites. Era fatal, portanto, que o pensamento filosófico deixasse de lado a physis, e deslocasse o próprio interesse para outro objetivo. [Osório diz: a encruzilhada do conhecimento e o kairós dos sofistas. A grande sacada de Protágoras!].

 

O novo objetivo foi, justamente, aquele que os naturalistas descuidaram por completo, ou só marginalmente tocaram, vale dizer, o homem e tudo o que há de tipicamente humano. Diz muito bem Nestle: "[...] para os sofistas o homem e suas criações espirituais estão no centro da reflexão. Também para eles vale aquilo que Cícero' diz de Sócrates: `Ele fez descer a filosofia do céu sobre a terra, introduziu-a nas cidades e nas casas e obrigou-a a refletir sobre a vida e os costumes, sobre o bem e o mal'. Para o homem como ente individual e como membro da sociedade é que se volta a atenção da sofística"'. E por isso compreende-se que os temas dominantes da especulação sofística tenham se tornado a ética, a política, a retórica, a arte, a língua, a religião, a educação, tudo aquilo que nós hoje chamamos de cultura humanista. Com os sofistas, em suma, começa aquele que, com expressão correta, foi chamado de período humanista da filosofia antiga”. (Fonte: Sofistas, Sócrates e Socráticos Menores. Editora Loyola: São Paulo, 2009, p. 25-26).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

"Deve-se falar como o vulgo e pensar como os sábios”, Francis Bacon.

 

"Não se preocupe com a verdade, você jamais vai encontrá-la”, Osório Barbosa, eu, parafraseando Salvador Dalí (“Não se preocupe com a perfeição, você nunca irá consegui-la”).

 

 

Introdução:

 

Tudo indica que a vontade de saber, de conhecer, de aprender é inata ao ser humano, e tanto isso é mais afirmado quando se presta atenção nos “porquês” das crianças. Elas sempre estão perguntando, exatamente por estarem começando a conhecer o mundo, embora ainda não saibam, e poucos adultos também sabem, que este conhecimento não tem fim. Assim é que, após esgotarem o conhecimento dos seus pais com seus “porquês”, estes acabam dizendo que “não têm mais tempo”, que “é hora de dormir”, ou aquilo que a criança quer saber é “feio”! E, com uma mentira, os pais, põem fim à busca da “verdade” pelo infante! O que é paradoxal. (Ou ainda pode ocorrer algo pior: responderem os genitores com o tradicional e castrante “por que sim”!)

Mata-se a curiosidade infantil com os argumentos mais “fajutos”, inconsistentes possíveis, prejudicando, assim, o pleno desenvolvimento das crianças, que começarão a se retrair em suas perguntas, justamente por medo de serem castigados ou serem tidos por impertinentes. É muito lamentável!

E se a curiosidade infantil esbarrar em deus, o mundo desaba sobre as cabeças das crianças e estas acabam sendo rotuladas de “endiabradas”, “possuídas pelo demônio”! O abuso, portanto, só aumenta.

Se deus existe, onde ele está?”, esta é uma pergunta infantil que porá fim a qualquer carreira de um jovem investigador, de um amante do saber!

A historinha a seguir ilustra a pergunta que lhe dá título:

 

"Onde nos perdemos nos caminhos da linguagem?”.

 

Juarez passava o dia ansioso esperando o retorno do pai para casa, pois na noite anterior tinham combinado o seguinte:

Pai, o senhor compra um carrinho novo para mim?

Sim, fora a resposta paterna.

Quando o pai chegou, ele correu ao seu encontro para o abraço costumeiro, mas, já na corrida, foi se desapontando, pois não vira o embrulho de um presente nas mãos do pai.

O pai o abraçou e ele ao pai, logo disparando:

Pai, e o meu carrinho?

Acabei de lhe entregar.

Como assim?!

Não lhe dei o carinho?

Eles sorriram.

Pai, é carrinho e não carinho!

Você não gosta dos meus carinhos?!

Claro que gosto, mas você tinha me prometido um carrinho.

Sim, prometi, mas não disse para quando.

A face de Juarez, da irradiação da alegria, transformou-se em máscara de tristeza.

É que como o senhor não disse, pensei que fosse ser hoje.

Falamos. Não esclarecemos. Pensamos. Não nos entendemos!

Como assim?

Veja: você sabe que o pai somente recebe salário no dia 25 de cada mês...

Sim. Sei. “Só pode comprar depois do dia 25”!

Isso mesmo. E hoje é que dia?

Dia 14.

Pois é. Faltam poucos dias para o dia 25.

É que o senhor...

Sim, prometi, mas pensei que você lembrasse da nossa regra: somente dia 25.

Tinha esquecido.

Pois é! Para falarmos temos que nos lembrar de algo que ocorreu no passado. Sejam das regras, como a nossa, sejam das próprias palavras. Você já pensou como seria uma conversa se não nos lembrássemos das palavras ou dos significados que lhes atribuímos?

Nem imagino.

Pois é. Não teríamos conversa na realidade, uma vez que não saberíamos que palavras usar. Portanto, a memória, onde guardamos as palavras, é muito importante. Caso não fosse, terias que a cada conversa inventar um novo vocabulário com seus novos significados.

Vou fica contando os dias até o dia 25!

E como você saberá que é o dia 25?

Basta eu olhar no calendário!

E em qual dos muitos calendários?

Não sabia que tinham “muitos calendários”!

Mas têm. Os chineses usam um, os judeus outro, os cristãos outro. Só aí temos três, mas existem outros. Os próprios cristãos já tiveram mais de um calendário. O “gregoriano” e o “juliano”, que é o atual, por exemplo.

Por que eles têm esses nomes?

Eles receberam esses nomes a partir do nome dos papas que os criaram.

Então eu posso criar um calendário “juareziano”?

Sim, quando você for papa.

Riram.

Quer dizer, pai, que eu posso dar nome às coisas?

Sim, claro. Todas as coisas receberam os nomes que têm porque foram “batizadas”, receberam nomes dados pelos homens.

Eu poderia, ao invés de lhe chamar “papai”, chamar-lhe de “mamãe”, e a “mamãe” chamar de “papai”?

Sim. Não haveria problema se todos aceitassem sua proposta. Isso seria uma convenção do grupo de pessoas ao qual você pertence e ao qual fez a proposta.

Mas o que é uma “convenção”?

Convenção é um acordo que duas ou mais pessoas estabelecem e aceitam e passam a obedecê-la de modo que ela vai ser regra nas vidas das pessoas. Regras são imposições a serem obedecidas e essa obediência pode ser voluntária (quando a pessoa a cumpre normalmente) ou imposta pela força (quando, então, a pessoa, por ser mais fraca, é obrigada a cumprir).

Como quando o senhor manda eu dormir?

Isso mesmo! Se você vai quando eu mando, você cumpre a regra (crianças tem horário para dormir) voluntariamente, mas se eu tenho que lhe tomar pelo braço e levá-lo quando você resiste à ordem, à determinação para ir dormir, o cumprimento é imposto pela minha força, que é superior, maior que a sua.

Entendi!

Então é ora de ir para cama rapaizinho, pois amanhã tens escola pela manhã.

Beijaram-se e Juarez retirou-se da sala para o quarto, onde após escovar os dentes foi para cama.

 

Muitas palavras da língua portuguesa têm origem ou são derivadas de outras línguas (como o grego, o latim, o árabe, o tupi-guarani e outras).

Você já ouviu a palavra ontologia|?

Ela é de origem grega e significa: ontos = ser + logos = ciência, assim, ciência do ser, que é a parte da filosofia que estuda o ser enquanto ser, ou estuda os seres em si mesmos, a existência em geral. Estuda as coisas que existem no mundo.

 

Aldo Dinucci nos diz:

 

A origem da ontologia é a confusão no uso da linguagem. É provável que o tipo de confusão que gerou a ontologia talvez tenha aumentado muito depois de Parmênides. Até filosofias altamente avessas à mentalidade ontológica, como a de Demócrito, podem trazer traços de sua influência. Tendo como princípios o pleno e o vazio, ou seja, os átomos em movimento no vácuo, Demócrito se viu na circunstância de asserir que o ser [Osório diz: ser é a coisa] existe tanto quanto o não-ser, porque identificou o vazio com o não-ser. Esse simples embaraço linguístico (ter que decidir se o não-ser é ou não é), que não passa de um pseudoproblema, serviu depois para argumentar contra a existência do vácuo, com o raciocínio de que se houvesse vácuo um não-ser seria ser, o que é contraditório, logo, o vácuo não existiria. Felizmente nem todos desistiram de experimentar ou raciocinar com mais atenção e interesse para decidir sobre o caso. Pode-se continuar discutindo a existência do vácuo, mas, se for com base em mentes confusas emaranhadas na linguagem, a logomaquia [s.f. Disputa por meio de palavras: as discussões escolásticas constituíam muitas vezes mera logomaquia.] se torna instrumento de investigação física. Na verdade, Demócrito não precisava ter identificado o vácuo com o nada ou o não-ser, pois espaço vazio não é o mesmo que nada. Um espaço vazio pode ser medido, o nada não.

Não sabemos se a expressão confusa, obscura e, na verdade, grotesca, como o “o ser é” apareceu primeiro na comunicação cotidiana que, como se sabe fartamente, sujeita frequentemente uma língua à brutalidade e converte as deformações em costume, ou se apareceu primeiro na elaboração terminológica filosófica que, como é também sabido, forja frequentemente expressões ilusivas [adj. Falso, enganoso, aparente.] capazes de substituir o contentamento da aquisição de conhecimento pelo contentamento em inventar e fazer combinações atraentes, mas vazias, de palavras”. (Fonte: p. ?.)

 

Charles Baudelaire, poeticamente, já nos disse:

 

"O  mundo funciona somente graças ao mal-entendido. É mediante o mal-entendido universal que todos concordam. Pois, se, por falta de sorte, as pessoas se compreendessem umas às outras, jamais concordariam”. (Revista Língua Portuguesa, Ano 9, nº 96. Outubro de 2013, Editora Segmento, p. 5).

 

Trinta anos de estudo de Filosofia, não poderia ser, pensava o estudante Osório, jogados fora!

 

Há cerca de trinta anos Osório iniciava a estudar Filosofia pura, especialmente a Filosofia grega, aliás, há quem diga que é até bom que não se saia dela, pois, nos últimos vinte e cinco (25) séculos nada se produziu de novo. Nada se disse que lá já não se tenha dito. Costuma Osório dizer que os gregos inventaram a fotografia, os que vieram depois apenas coloriram-na.

Osório vivia preso nesse sistema até que, sem querer, descobriu os Sofistas, os quais as Histórias da Filosofia e das Religiões, vêm, faz cerca de dois milênios e meio, tentando matá-los retirando-os do mundo do conhecimento, embora, contraditoriamente, sejam elas que os conservaram. Mal sabiam que...

O movimento sofístico abriu-lhe os olhos para algo muito simples, mas que o pensamento filosófico-religioso ou religioso-filosófico nos impede de ver: que existem pessoas que pensam diversamente das outras! E essas pessoas nem sempre estão erradas em seu pensar, ou mesmo que esse pensar não seja correto, não significa que não seja verdadeiro, pois pode servir de base, de fundamento, para outro pensar, exatamente por este passar a ter existência por ter tido um ponto de partida, uma base, justamente no pensamento que iniciou combatendo. Na eletricidade, a luz não existe se não houver combinação de positivo e negativo.

Assim é que, na história da filosofia, enquanto centenas de páginas dos livros são dedicadas a um determinado movimento filosófico, apenas duas ou três delas são “dedicadas” ao movimento sofístico. Nisso, até os fiéis e fanáticos seguidores de Platão, por exemplo, não conseguem seguir o exemplo de seu mestre, já que este dedicou inúmeros de seus diálogos, justamente, ao combate ao referido movimento, tanto assim que os intitulou com o nome de sofistas insignes também: O sofista, Protágoras, Górgias, Hípas etc.

Platão, exatamente na sua tentativa de extirpar o movimento sofista acabou sendo o seu principal preservador, já que o pensamento dos retores constam apenas de fragmentos, tendo quase todas suas obras sido destruídas ao longo dos séculos, exatamente na tentativa de que, ao sumir com essas obras se sumisse também com os pensamentos que elas continham. Felizmente os diálogos foram um ledo engano, e hoje Platão é a maior fonte a subsidiar o movimento de restabelecimento do pensamento sofístico ao seu devido lugar: o movimento que produziu a virada filosófica que até hoje está se desenvolvendo.

Assim, é preciso revisionar todo o pensamento da Filosofia dita Ocidental.

É o que tenta expor para pedir, e pede, as observações de Osório.

Sempre, como se diz, quem lê Filosofia come pela mão de Platão e Aristóteles, não se tendo sido capaz de fugir do labirinto montado por estes dois mestres gregos.

Assim vivia Osório, impressionado pela existência (ou não!) do ser, da verdade, da metafísica.

Essas correntes o prendiam ao que determinavam seus algozes.

Platão propôs para resolver o insolúvel um tal de mundo das formas (mundo das ideias) pelo qual explica tudo e não explica nada! Valeu-se, também dos números, sem observar algo muito simples, e daí sua contradição profunda, os números que ele tinha como perfeitos, são uma construção humana!

E por que Platão propôs a sua Teoria das Formas? Veremos isso mais adiante.

Kant irá retomar Platão e propor o mundo da moral, também, principalmente, metafísico. Também se valerá dos números em suas fundamentações.

Tudo isso irá ruir quando não mais nos conformamos com o mundo prometido para o amanhã, até por que não se pode afirmar que o mundo de amanhã existirá. Tem-se, assim, que construir o mundo do hoje, e este mundo não se harmoniza com as propostas platônicas-kantianas.

Foi, justamente, por essa promessa de um mundo invisível-inverídico, não constatável, não provável (impossível de passar pelo exame das provas), porém muito bom para determinados fins, que as religiões abraçaram de corpo e alma as filosofias dos gregos (Platão e Aristóteles) e do alemão (Kant), tentando jogar para debaixo do tapete, aqueles de quem a trinca citada discorda.

Com a Filosofia e as Religiões reunidas e combatendo do mesmo lado, ficou quase que fácil impor o pensamento (as ideias) que fosse mais conveniente aos seus propósitos. Foi o que aconteceu e acontece.

Todos que iniciam ou tentam iniciar seus estudos filosóficos caem nas mãos dos filósofos “aceitos” pelas religiões, até porque foram elas que preservaram os antigos pensadores, e se os preservaram, preservaram apenas aqueles que, inicialmente, lhes eram interessantes. Tanto é assim que os filósofos ditos pagãos, quando de interesse do cristianismo, são tidos como cristãos, por exemplo, invertendo até um fato, uma vez que Cristo irá nascer bem depois, mas, dizem os religiosos, os pagãos teriam sido cristãos se Cristo tivesse existido antes deles. Eles anteciparam muitas coisas que cristianismo apoderou-se, costuma-se dizer. É o que Freud disse de Édipo: “o complexo de Édipo é anterior ao próprio Édipo”! Os “aprovados” pelas religiões seriam “cristãos por antecipação”!

 

Eugênio Bucci disse algo preciso: “o passado pode aprisionar a nossa imaginação. O passado nos pode raptar.” (O passado como cárcere, O Estado de S. Paulo, 22.04.2010.).

 

Osório foi educado (ou deseducado!) nesse sistema filosófico-religioso cristão!

Estava preso a este passado, que havia raptado sua alma.

Trinta anos de estudos: uma vida quase perdida, poderia ele dizer hoje.

Eis que, desinteressadamente, começou a ler os Sofistas, e seu mundo foi mudando. As bases sólidas foram ruindo, seus castelos de pedras, tanto como os de outros materiais, haviam sido construídos sobre a móvel areia.

Filosofar é desconfiar, afirmam alguns falsamente, “da boca para fora”, esperando que você, realmente, de nada duvide, especialmente do que os que dizem isso ensinam.

Duvide, menos do que eu digo”!, é o lema.

Quem pensa em um Deus que sabe e pode tudo, não pode filosofar, pois a primeira questão a ser posta em dúvidas é, exatamente, a existência desse Deus! E como duvidar da existência de Deus?!

A onda definitiva, que pôs abaixo os castelos de Osório, foi Nietszche, soprado por Jean Granier. Um livrinho minúsculo foi capaz de proporcionar a mesma vontade que acometeu vários poderosos, especialmente aqueles que queimaram milhares de livros: queimar tudo que ele já tinha lido sobre Filosofia nos últimos trinta anos, com a exceção do revisionismo que se está fazendo do pensamento sofístico.

Aliás, várias das teorias apontadas como “último modelo”, não passam de paráfrases de teses sustentadas pelos Sofistas, especialmente no mundo da linguagem e no mundo do conhecimento (se é que é possível conhecer sem linguagem, diria alguém).

 

Anthony Gottlieb, ao falar sobre a linguagem, nos alerta:

 

Não dispomos de registros (escrita, fotos, filmes etc.) de quando e onde os homens começaram a fazer convenções entre si a respeito da linguagem, que é a forma mais primitiva (antiga) de transmissão do conhecimento, e pela qual as pessoas buscam entender umas as outras.”. (Fonte: xxxxxxxxxxxx)

 

A linguagem como algo material (Anthony Gottlieb, ao falar sobre Parmênides).

 

Kant afirma que “só compreendemos o que construímos”, como tudo que o homem constrói, é produto de acordo entre eles, como veremos mais adiante, a frase é perfeita.

Tendo como norte a lição kantiana acima, procuramos demonstrar neste estudo como se deu a evolução da Teoria do Conhecimento, a fim de que possamos vir a compreendê-la, uma vez que os inúmeros escritores que se ocuparam do tema têm partido do pressuposto, acertado, de que seus leitores já possuem conhecimentos prévios capazes de suportar a entrada direta no tema que abordam, pois este sempre é apresentado, nos cursos, depois de o aluno ter cursado várias matérias que funcionam como pré-requisitos ao novo conhecimento. Assim, por pressuporem particularidades que já creem sabidas, deixam de mencionar inúmeras outras que lhes são necessárias e imprescindíveis antecedentes. Essa pressuposição professoral, na maioria das vezes, é falsa, pois, mesmo que tenham ocorrido as apresentações que são os alicerces ao novo conhecimento que se expõe, não raras vezes, ou quase sempre, o foram de forma fragmentária e em períodos longínquos, o que requer do estudante capacidade para reunir, relembrar e concatenar todo o conhecimento anterior com o qual um dia manteve contato e, assim, pô-los a serviço da teoria que ora estudamos.

Muitas ocorrências, ou muitos casos, são apresentados como o início de tudo, como se seus autores fossem capazes de criar, a partir do nada, “ab-ovo”, aquilo que apresentam e é aceito como o caso primeiro de determinado instituto, teoria ou fundamento. Esquecem que o conhecimento humano tem sido marcado por um evoluir, onde cada etapa vai se concatenando com a anterior e tirando dela o aprendizado capaz de servir-lhe de premissa e sustentáculo para os novos voos e alicerce para novas construções.

O que são os modernos aviões que não o desenvolvimento da ideia pioneira de Dédalo, pai de Ícaro, o ser mitológico que foi capaz de voar com asas feitas de pena e coladas com cera em seus braços? Hoje temos as asas das aeronaves feitas de alumínio ou fibra de carbono e coladas com pinos de aço, ambos capazes de resistir a altas temperaturas e não derreter, como aconteceu com a cera do herói.

Aqui procuraremos, justamente, reunir de forma linear o desenvolvimento de todos as práticas e estudos que levaram ao que hoje se denomina Teoria do Conhecimento.

Esse evolver progressivo passa pelo surgimento do próprio homem na face da terra; pelo homem e sua prole e a natureza que os une; pelos homens se comunicando, a fim de se fazerem entender; pela reunião de homens formando povoados e cidades; pelos homens organizando o modo de conviver entre si socialmente.

Essa a nossa aventura, as vezes tratando de assuntos que, aparentemente, nada têm a ver com o estudo a que nos propusemos, bem como que não atendem aos interesses imediatistas daqueles que se veem premidos pela urgência de e em saber, e que, portanto, se contentam tão somente em saber que dois mais dois são quatro, e não se preocupam sequer em saber que a matemática é uma invenção humana, e não uma linguagem divina, como querem alguns, é destinada a formar no espírito e nas mentes, um conhecimento esclarecedor e sólido, e que permita pensar e fundamentar o pensamento e não apenas repetir o que disse fulano ou beltrano sem saber porque o disseram.

É dada a Aristóteles a primazia de ter dito que “o homem é naturalmente um animal político, destinado a viver em sociedade”.

Aristóteles escreveu esta frase no seu livro A Política. O autor nasceu na cidade greco-macedônica de Estagira, na Calcídia, em 384 antes da era atual (a.e.a) e morreu em 322 a.e.a. Portanto, sua vida pode ser fixada no Século IV a.e.a. Este autor será um dos nossos guias nessa exposição.

Do mesmo modo a contagem do tempo foi dividida pelo cristianismo em antes e depois de Cristo (embora sequer se saiba, ao certo, em que ano isso se deu), a história da Filosofia é dividida em duas partes, antes e depois de Sócrates. Assim, todos os filósofos que o antecederam, são conhecidos como pré-socráticos, embora esse marco divisor tenha pouco interesse para o nosso tema, uma vez que Sócrates é quase indiferente ao ponto fulcral ao qual pretendemos chegar, uma vez que ele não o abordou, ao que se sabe.

Antes de Aristóteles viveu um outro grego, o pré-socrático Anaximandro (acredita-se que tenha vivido entre 610 e 547 a.e.a). Foi ele o primeiro que deixou consignada a seguinte observação:

 

O aleitamento humano da infância, as necessidades biológicas de substância, a incapacidade na natureza individual humana de auto-preservação da espécie, levaram-no a admitir uma inevitável evolução da espécie: 1ª) “dado o fato de que os outros animais se nutrem desde cedo sozinhos, enquanto que o homem é o único a precisar de um aleitamento prolongado”...; 2ª ) dado que, “no começo, o homem não poderia ter subsistido se a sua natureza fosse tal qual é agora”...; dado esses fatores, foi levado a firmar que, “no começo, o homem foi gerado a partir de animais de espécies diferentes”. Ou seja, o homem, pela sua natureza, carece de extraordinários cuidados para a sua sobrevivência na infância, e por isso não poderia, no começo, ter subsistido sozinho com uma constituição assim tão frágil. Segue-se, portanto, que a sua sobrevivência, na gênese de sua origem, só poderia ter dado certo, prosperado, no interior de uma espécie diferente.

 

Ou seja, um século e meio depois do pioneirismo de Anaximandro, Aristóteles sintetizou sua lição, sem, contudo, dar as razões pelas quais o homem é um ser gregário, como o fez seu antecessor.

Antes de ambos os citados, por volta do Século VIII a.e.a., teria vivido, ainda, outro grego, o poeta Homero, que “escreveu”, ou “compilou”, duas obras, dois poemas, que são referências até hoje, a Ilíada e a Odisséia (Essas obras só foram transcritas para um suporte material [pergaminho, talvez] no século VI a.e.a, a mando do tirano de Atenas de nome Pisístrato).

Dos três gregos citados, apenas de Aristóteles se pode afirmar a existência concreta. Do dois outros, tudo que sabemos é por indicação de terceiros que a eles se referem. Duvida-se até da existência do próprio Homero, embora não se duvide da sua obra. Duvida-se de quem seja o autor, mas não se duvide das obras, justamente por elas terem sido preservadas por escrito.

Seriam, assim, pela ordem Homero, Anaximandro e Aristóteles os primeiros humanos a fazerem as constatações que eles fizeram? Dificilmente saberemos, pois o mundo já era mundo, e velho, antes das passagens desses homens pela vida dele. O que podemos afirmar, contudo, é que eles foram os primeiros a deixar gravados à posteridade suas observações, com o que acabaram de ficar com a glória do pioneirismo.

Homero narra em suas epopeias [narração de assuntos grandiosos], lendas seculares, que apreendeu por “ouvir dizer”, por narrativas orais que passavam de geração para geração. Mas, como era a vida em Tróia antes da famosa guerra que lá ocorreu e que é narrada na Ilíada? Como sobreviviam, como eram dirigidos, como trabalhavam seus habitantes?

Jamais teremos respostas para essas e inúmeras outras perguntas que poderiam ser formuladas em relação aos gregos e aos outros povos que lhes são mais antigos, como os sumérios e egípcios, por exemplo, embora haja um esforço constante por parte dos arqueólogos em busca de tais repostas, os quais, mesmo que obtenham sucesso, esse será apenas relativo, uma vez que a própria precariedade dos meios de que dispunham os antigos para fixar suas informações, jamais nos permitirá conhecer o passado de nossos ancestrais. Deles, tudo que sabemos é por conjectura, suposição mais ou menos fundamentada, e a partir de uma visão bem recente, historicamente falando, e por intermédio de técnicas mais novas ainda, e sobre as quais ainda pairam sérias dúvidas quanto à sua fidedignidade.

Toda essa precariedade, não nos impede de olharmos o nosso passado e dele tirarmos conclusões que são plenamente sustentáveis a partir de um desenvolvimento racional de que só o homem é capaz.

As informações que se seguem são as que fundamentam a exposição sobre o evoluir do pensamento humano, embora algumas vezes duvidemos das próprias afirmações que utilizamos, em especial em momentos difíceis, como são aqueles vividos durantes as guerras, quando, segundo Espinosa, “ninguém presta atenção nos malfeitos uns dos outros, tudo sendo visto como normal, ou, pelo menos, como necessário diante das condições”, uma vez que se é levado a isso pela barbárie praticada, levando-se a acreditar até em uma involução da humanidade. Mas, nos momentos de calma e sóbria reflexão, não podemos deixar de reconhecer que a humanidade evolui sim, e que a saudade daquele passado distante, sempre sonhado por todos aqueles escritores que deixaram algo consignado, não passa de uma saudade apenas do que foi bom, o qual obviamente deve ser preservado, mas pode-se perceber que esse bom vem sendo cada vez maior e melhor, bastando citar a quase eliminação das pestes que atingiam a humanidade. Assim, se o escritor grego Hesíodo, que teria vivido no século VIII a.e.a, falava de um passado remoto já na sua época de sua Grécia como o de uma idade de ouro, certamente hoje se encantaria com as cirurgias e vacinas que curam inúmeros males que afligiram a si e a seus contemporâneos.

Portanto, que apredamos com o passado as únicas duas lições que ele pode nos dar: preservar o que nele aconteceu de bom e não repetirmos os erros que nele foram cometidos. Embora essa última lição seja um desafio que nós, aparentemente, insistimos em não aprender.

O homem traz consigo duas características congênitas [que possuiu antes até do nascimento], o desejo de saber o futuro que o espera e a vontade de que alguém que com ele não conviveu, conheça o seu passado, sua existência, especialmente os detalhes de que somente ele tem conhecimento. É fundamentado nessas qualidades humanas que os astrólogos, adivinhos e futurólogos de todos os gêneros mantêm sua imorredoura atividade. A simples permanência dessas atividades é a demonstração de que muitos nelas acreditam. Entretanto, acreditando ou não, elas nos trazem lições bem concretas. Assim é que acreditamos poder descobrir o passado da humanidade, embora aqui, concretamente, contemos com alguns dados concretos, como a produção de cerâmica, por exemplo, onde há resquícios de registros do passado. Acreditamos, também, na possibilidade, embora hoje ainda mera ficção, da construção de máquinas do tempo com as quais poderíamos viajar pelo e no tempo, visitando o futuro e o passado.

Hoje, contudo, já dispomos de filmes e fotografias gerados a partir do fim do Século XIX e início de Século XX, bem como dispomos de gravações de áudio. Com esses retratos do passado, somo capazes de ver e ouvir pessoas e fatos que já desapareceram da face da terra há algum tempo. Com eles, portanto, somos capazes de “saber” sobre o passado de seus personagens. São espécies de máquinas do tempo que nos transmitem informações visuais e auditivas.

Mas tudo isso são invenções muito recente, infelizmente! Mostram, contudo, uma evolução na técnica de guardar informações e dados, consequentemente, uma evolução do pensamento humano, especialmente se compararmos os meios atuais em que arquivamos informações para transmiti-las a outrem com os meios de que dispunham as primeiras civilizações de que temos conhecimento. Progredimos da argila (barro, argila), como se verá mais adiante, para o disco rígido do computador!

A despeito de todo esse potencial, contudo, tem um outro fator inibidor de aproveitamento de sua plena potencialidade. Refiro-me ao mau uso dos equipamentos, mau no sentido de ser ainda muito pouco usado, explorado. Vejam, por exemplo, que Martin Heidegger, tido como um dos maiores filósofos do século XX, que morreu em 1976, quando todos esse manancial tecnológico já estava à disposição, deixou muito pouco de seu ensinamento fixado nesses meios audiovisuais.

Nessa busca incessante para conhecer o seu passado, o homem tem obtido alguns avanços significativos, decifrando enigmas que pareciam fadados a devorá-lo. Assim é que, dentre esses avanços consta a possibilidade de datar alguns achados arqueológicos muito antigos. É o que acontece fazendo-se uso do carbono 14, com o qual, ou por intermédio do qual, o homem, com razoável aproximação, fixa o período em que viveu determinada civilização, chegando a isso, especialmente, pelo estudo dos “rastros” por ela deixados. Um osso, uma fogueira, um tecido, resto de comida, um caco de cerâmica, uma pedra etc., tudo pode ser submetido a testes que darão, se não uma visão completa, uma aproximação alentadora capaz de subsidiar racionalmente teorias plenamente viáveis, a despeito da incerteza que trazem em si.

O uso do carbono 14 para datação de objetos arqueológicos é bastante controvertida, como, aliás, são todas as criações humanas.

Ele é usado para datar artefatos de origem biológica (que tiveram vida, daí o bio, que é vida, em grego).

Portanto, já é essa uma limitação no seu uso.

Todos os artefatos biológicos têm em si a presença de carbono, cuja quantidade vai se esvaindo ao longo do tempo, sendo que, após 50 mil anos, nenhum deles possui mais em si a substância carbonífera.

Esta uma segunda limitação no uso do carbono, que somente data objetos como ossos, madeiras, plantas, tecidos etc. até 50 mil anos passados. Mas é o que temos, até o momento.

Hipóteses, hipóteses e conjecturas e conjecturas!

Aceitando-se, por tudo isso, as informações dos cientistas que se debruçaram sobre os temas que ora nos interessam, temos o seguinte:

- A própria origem dos homens ainda é envolta em um grande mistério, tanto assim, que estão relacionados com os grandes símios, chipanzés e gorilas, pois possuem a mesma estrutura anatômica básica e constituição genética similar. Acredita-se que ambos são descendentes de um ancestral comum, que viveu acerca de dez milhões de anos. Essa idade é calculada com base em provas, fosseis e pesquisa molecular. As duas espécies passaram a trilhar caminhos diversos há acerca de entre cinco e oito milhões de anos.

Veja-se que, aqui, já trabalhamos com a noção de milhões de anos!

Os estudos demonstram que o homem adaptou-se ao andar ereto (bipedalismo) acerca de quatro milhões de anos. A prova mais segura do bipedalismo foi a localização de um esqueleto que ficou conhecido como sendo de Lucy, um ser do gênero feminino que viveu na Etiópia, África, há acerca de 3,4 milhões de anos. Pertencia Lucy à classe dos Australopitecíneos, que combinavam características dos símios com traços humanos.

O Homo habilis, ou homem habilidoso, aquele que fabricava seus próprios utensílios apareceu por volta de 1,7 milhões de anos e 200 mil anos a.e.a.

Depois do Homo habilis vem o Homo erectus, hominídeo que viveu entre 1,7 milhões e 200 mil anos a.e.a., e pode ser considerado a forma primitiva do Homo sapiens (ou homem racional) de cuja linhagem originaram-se os seres humanos modernos.

Por volta de 250 mil a.e.a. tem-se o Homo sapiens neanderthalensis (ou homem de Neandertal), povoando a Europa e a Ásia Ocidental. São considerados uma forma primitiva do Homo sapiens.

Com as características do homem moderno os fosseis mais antigos, até hoje conhecidos, datam de 90 mil e 110 mil a.e.a.

Embora ainda haja muito a se descobrir sobre a origem do homem, se é que isso um dia será possível, pode-se afirmar que o homem moderno, por volta de 30 mil a.e.a., já estava instalado na maior parte do mundo habitável.

Sabe-se hoje que esses nossos ancestrais eram nômades, que viviam da caça e da coleta, uma vez que a agricultura surgiu por volta de 10 mil anos a.e.a.

É o aparecimento da agricultura que irá transformar os homens de nômades em sedentários (fixar-se-ão em casas, vilas e “cidades”), fato que trará consigo reflexos importantíssimos para o nosso estudo, de que é exemplo o aglomeramento populacional e o aparecimento da escrita, de que já falamos anteriormente, mas vale a pena voltar ao tema.

A invenção ou desenvolvimento da escrita, ou seu ápice, ou primeiras manifestações de que temos notícias ocorreram por volta de 3.300 a.e.a., na região da Mesopotâmia [Mesopotâmia vem do grego e é formada por meso = a meio e potamia = a rio, justamente por fica situada entre os rios Tigre e Eufrates. Fica onde atualmente situa-se o Iraque], com as características que lhe foram dadas na Suméria. Tratava-se de uma escrita pictográfica ou, mais exatamente ideográfica, com sinais para palavras individuais ou conceitos. Isso, contudo, era incômodo, sendo que, em seguida símbolos foram utilizados para ações ao invés de ideias. As imagens adquiriram formas e significados arbitrários. Na própria Mesopotâmia tem-se um sistema bem-sucedido, onde o estilo terminado em forma retangular foi utilizado para escrever impressões em forma de cunha em placas de barro, daí a denominação de escrita como cuneiforme. Essa escrita era ideográfica [ ou seja, eram símbolos gráficos usados para representarem palavras ou conceitos abstratos] e não fonética [fonemas – que são unidades sonoras de uma língua –, não são letras, letra é grafema, a representação do fonema], como a japonesa na atualidade, por exemplo.

Se no início a escrita se baseava em pictogramas que representavam objetos ou conceitos, à medida que as culturas foram tornando-se mais complexas, ela evoluiu para registrar pensamentos mais abstratos e ações, para isso recorrendo a símbolos versáteis, ou caracteres, que podiam ser combinados para expressar os mais diversos significados. Na língua suméria, por exemplo, a junção dos símbolos “boca” e “tigela de comida” significava “comer”. (Atlas da História do Mundo, National Geographic. Editora Abril. São Paulo: 2004, p. 18.).

Com o tempo, os signos passaram a representar os sons das palavras. O sinal referente a “casa”, por exemplo, podia designar tanto uma casa como o mesmo som em outra palavra de sentido diverso, como “casamento. Esse processo pelo qual um signo passou a ter finalidades diferentes permitiu aos escribas reproduzir o que faltava por meio de um conjunto finito de caracteres, que variavam de várias centenas (no Egito) até os milhares (na China). O domínio de todos os caracteres e suas combinações exigia um longo aprendizado. Mas aos poucos a tarefa se simplificou, à medida que os caracteres gravados em pedra, argila ou papiro ficaram menos pictóricos, mais abstratos e mais fáceis de formar. (Atlas da História do Mundo, National Geographic. Editora Abril. São Paulo: 2004, p. 18.).

Cabe ressaltar que a criação do sistema alfabético, cujos caracteres representavam os sons da língua falada, data do segundo milênio a.e.a.

O que teria ocorrido entre o aparecimento do homem moderno, por volta de 110 mil a.e.a., apenas para ficarmos com a data mais recente, e o aparecimento da escrita, há cerca de 3.300 ou 5.000 anos a.e.a.?

Dificilmente saberemos, fato que não nos impede de conjecturarmos, de lançarmos hipóteses.

Quando falamos da escrita, falamos de sua forma embrionária, especialmente se consideramos o número de escribas existentes, os poucos e trabalhosos caracteres com que eles trabalhavam, o material sobre o qual eram apostas (a despeito de ter sido abundante, a argila, era de demorada transcrição e de difícil manuseio e conservação), o reduzido espaço geográfico que retratavam, tudo isso indica que pouca coisa, pouquíssima mesmo, ficou registrada.

Há quem afirme que 99% de nossa história desenvolveu-se antes da invenção da escrita! (Noberto Luiz Guarinello, Gilgamesh, rei de Uruk, prefácio, Ars Poetica, São Paulo: 1992, p. 15.).

Com o tempo apontado entre o aparecimento do homem na face da terra e a invenção da escrita, bem como as dificuldades apontadas para desenvolvê-la, é perfeitamente aceitável que o percentual de apenas 1% de nossa história tenha ocorrido depois da invenção da escrita.

Essa constatação se torna ainda mais palpável se considerarmos que, mesmo no mundo da informação que vive o Século XXI, ainda existem milhões de analfabetos no planeta, os quais não conseguem transmitir para a posteridade o seu cotidiano, criações, crenças, mitos, lendas, poesia, música etc.

Perguntar-nos-á o leitor que venceu este livro até aqui: o que tudo isso tem a ver com os Sofistas e a história do conhecimento?

Numa primeira aproximação de resposta, pode-se dizer o seguinte: é incompreensível o caminho pelo qual o pensamento humano chegou ao seu produto final – pelo menos enquanto não superado por outro produto melhor elaborado – sem essas informações que lhe dão sustentação, consistência e tentam explicá-lo.

Não se sabe quando o homem começou a pensar, pois disso não temos registros, tendo a escrita sido inventada muito tempo depois do homem estar sobre a terra, pois, como acontece ainda hoje, primeiro o homem nasce e cresce, só depois aprende a escrever, e foi a escrita que melhor conservou a história do pensamento, repita-se.

 

Resumindo, nos diz H. G. Wells o seguinte:

 

"A história do nosso mundo ainda é uma história que conhecemos de modo precário. Até algumas centenas de anos atrás, os homens dominavam pouco mais do que a história dos três mil anos precedentes. O que se passara antes desse período era um enigma e gerava lendas e especulações. Em grande parte do mundo civilizado, acreditava-se e ensinava-se que a Terra havia sido criada de súbito em 4004 a.C., embora algumas autoridades afirmassem que a criação ocorrera na primavera e outras garantissem que ocorrera no verão. Esse equívoco fantasticamente preciso se baseava numa interpretação literal da Bíblia hebraica e em suposições teológicas bastante arbitrárias, derivadas dessas leituras. Tais ideias foram abandonadas muito tempo atrás pelos pensadores religiosos, e hoje é plenamente aceito o fato de que o universo no qual vivemos tem, segundo todas as aparências, uma origem extraordinariamente remota, numa existência sem fim. As aparências podem ser ilusórias, é claro, como uma sala pode parecer interminável quando suas paredes são revestidas por espelhos. A ideia de que o universo no qual vivemos existe há apenas 6 ou 7 mil anos, porém, pode ser vista como algo totalmente desacreditado", (Uma breve história do mundo, L&PM, Porto Alegre, 2011, p. 13).

 

Do que se tem registrado, acredita-se (nada de certeza! Apenas suposição), que no início do pensar, Filosofia, Ciência e Religião se misturavam, sendo uma coisa só. Tendo quem afirme que: “Foi o mito, e não a filosofia, que abriu o caminho do conhecimento, quando intuir era superior a pensar e saber era uma aventura que se bastava na simplicidade de uma narrativa despretensiosamente simbólica” (Jaya Hari Das, A transvaloração da educação, em Coleção Guias de Filosofia, Editora Escala, São Paulo: sem data, p. 35).

No Ocidente, e desconheço como é no Oriente, apenas sei que há diferenças, ensina-se que teria sido nas colônias Gregas da Ásia Menor (onde hoje é a atual Turquia) que os primeiros questionamentos humanos registrados sobre o conhecimento apareceram. Aí despertou o saber! Embora seja fácil intuir que o homem já pensava antes disso, como admitem os próprios gregos aos se reportarem aos egípcios, babilônios e outros, embora nada nesse sentido tenhamos registrado que saibamos seja oriundo especificamente desses povos.

"Os gregos foram os primeiros a apresentar, descobrir ou inventar, [quase tudo]” (Stephen Batchelor, Os gregos Antigos para leigos, tradução de Iara Piffer, Alta Books, Rio de Janeiro, 2012: p. 311).

Embora Julio Medem, no seu romance “Aspasia – amante de Atenas”, nos diga que os eram ou foram muito mentirosos em seus registros, de uma coisa não podem ser acusado: de terem sido tão negligentes quanto aos demais, como os persas, por exemplo, em seus registros.

Então, só nos resta nos socorremos deles!

É na Grécia que vamos encontrar, de forma já melhor organizada, registros sobre a curiosidade do homem, sobre sua vontade e disposição para conhecer.

Repito: “os gregos inventaram a fotografia! Os que vieram depois apenas coloriram-na”!

 

"Eu penso muito no primeiro homem que comeu uma ostra. Não penso muito nele, aliás. Penso na fome que o devorava. Ele olhou para uma pedra e concluiu: 'tem comida aí. Quem sabe se eu quebrar essa pedra acho coisa aí dentro?' Então lutou contra a pedra laminada e achou a gosma a que chamamos ostra. Não foi suficiente para demovê-lo. 'Já que estamos aqui, vamos até o fim'. Comeu doze. E nascia aí a tradição grega (tudo o que é antigo é grego) de se pedir uma dúzia de ostras. Apesar de tudo, não existe um único obelisco em todo o planeta homenageando este indivíduo.”. Autor: André Laurentino. ( Jornal OESP, 19.10.12).

 

É essa curiosidade, impulsionada pela necessidade, que irá ser a força motriz, propulsionadora do conhecimento.

A escrita é uma criação do mundo da cultura, ou seja, é obra do homem, tendo por ele sido idealizada e executada como uma forma de se comunicar com os demais, mas, também, e especialmente, com a finalidade de perpetuar, pela preservação, seu pensamento. A escrita é uma forma de memória estendida do homem, a qual ele pode trazer à mente com mais facilidade e quando tiver necessidade, interesse.

A escrita teria nascido há cinco mil (5.000) anos no Oriente Médio, na Suméria, na Mesopotâmia.

Nessa época, a escrita começa a organizar-se de forma sistemática por exigência de uma sociedade que estava em crescimento e os dados a serem preservados eram superiores à capacidade humana de memorização.

No entanto, se entendermos como escrita a arte de deixar para a posteridade um vestígio permanente daquilo de que ocupa ou preocupa o homem, a escrita nasceu antes dos sumérios gravarem suas placas de barro, ou seja, há mais de trinta mil anos, quando nossos primitivos antepassados deixaram escritos nas rochas, em cores naturais e utilizando ferramentas como as suas próprias mãos ou simples objetos pontiagudos, desenhos que, simultaneamente, correspondiam a mensagens. Quando os homens que habitavam as cavernas de Altamira, na Espanha, por exemplo, pintavam um bisão ou um cavalo, essa representação não era puramente estética, mas possuía uma função informativa: aludia claramente ao perigo potencial que esses animais constituíam, ou ainda, as possibilidades de serem caçados.

Os primeiros caracteres escritos eram desenhos muito simplificados representando o objeto aludido. Assim, uma cabeça de boi representava o animal e a repetição dos desenhos de cabeças o número de reses. São os chamados pictogramas [desenhos ou pinturas da pré-história (antes da história)]. Todavia, logo se deu um passo para a abstração que a escrita exige, e um símbolo do sol, por exemplo, passou a representar não apenas o astro, mas também a ideia de dia; ou, se surgisse por detrás de uma montanha, a ideia de amanhecer.

Os ideogramas (que são sinais a exprimir ideias, e não som ou articulação) foram um passo importante na criação de um código escrito, especialmente quando passaram a ter um significado fonético.

A escrita dos sumérios era denominada cuneiforme, e já apresentava um certo nível de abstração. (A arte da escrita, nº 2 – Canetas de Colecionador, Editora Salvat, São Paulo-SP, 2003.).

Os gregos terão, também, importância fundamental na história da escrita, pois são eles que aperfeiçoarão o alfabeto fenício dando-lhe a forma que temos até hoje. É neste momento de “fixação do pensamento na forma escrita” que o homem irá criar, ou perceber, a existência de um problema insolúvel, até hoje, na relação pensamento-escrita, onde a pergunta fundamental é: “É possível escrever ou transcrever o pensamento?”.

Essa pergunta terá desdobramentos que fez o homem perder-se no universo paralelo que ele criou e que é, justamente, o universo das palavras.

 

Jaa Torrano nos diz:

 

"Homero já tinha falado sobre os deuses gregos, a Hesíodo ele abriu caminho para dizer mais em seu livro Teogonia - a origem dos deuses. Portanto, outros já tinham passado por este caminho: por isso a novidade de tudo o que eu digo de novo está na força da repetição. A força do sábio está em saber dizer o já dito com o mesmo vigor com que foi dito pela primeira vez.

Hesíodo tratou no seu trabalho sobre o numinoso, ou melhor, sobre o sagrado.

Sua poesia é arcaica, pois foi composta há muito tempo na Grécia.

Embora Platão, no livro Fedro, por seu personagem Sócrates, esboce quase que uma reprimenda para o uso do alfabeto e suas conseqüências, especialmente por seu caráter deletério para a memória, esses males estão ausentes e afastados da poesia teogônica.

Algumas informações, são necessárias para a compreensão da Teogonia. Na comunidade agrícola e pastoril, anterior à constituição da pólis e à adoção do alfabeto, o aedo, ou poeta-cantor representava o máximo poder da tecnologia de comunicação, como os jornais atuais, por exemplo. As palavras cantadas em grego, se diz musas. Daí, ainda hoje, andarem sempre juntos os poetas e suas musas. Basileus, eram os reis, nobres locais que detinham o poder de conservar e interpretar as fórmulas pré-jurídicas não-escritas e administrar a justiça entre as partes que que nela contendem e que encarnavam a autoridade mais alta entre os homens. Imenso era o poder que os povos ágrafos, ou que não tinham escrita, sentiam na força da palavra e que a adoção do alfabeto arruinou até quase destruir. É que a força da palavra instaura uma relação quase mágica entre o nome e a coisa por ele nomeada, pela qual o nome traz consigo, uma vez pronunciado, a prescrição da própria coisa. Quem pronuncia a palavra colher, já tem na própria mente, e na mente daquele que ouve, a imagem do objeto com que fazemos refeições. [Osório diz: certamente que esta é a visão de Parmênides que Górgias irá combater].

Só muito tempo depois da Teogonia surge, com Arquíloco de Paros, a poesia lírica. Por esse mesmo tempo, os logógrafos (autores de registros de fundações de cidades-colônias e de genealogias da nobreza) começam a elaboração da prosa; é, então, que a língua grega começa a adquirir palavras abstratas. Com os pensadores, a linguagem põe-se a caminho de tornar-se abstrata-conceitual, racional, hipotática (baseada em relação de subordinação) e desencarnada (na perfeição do processo, o nome se torna um signo convencionado para a coisa nomeada, como bem mostrará, depois, Platão na sua obra Crátilo)1. Com os poetas líricos, a linguagem investiga a realidade do indivíduo humano, examina seus sentimentos, valores e motivações, até começar a transmutá-los e transportá-los, de forças divinas e cósmicas que eram (v.g. Éros, Éris, Aidós, Apáte, Áte, Lyssa etc.) para sentimentos próprios do ser humano (amor, rivalidade, pudor, engano, loucura, furor etc.). O que era características dos deuses, passa a ser dos homens. O que estava no céu, desce para a terra, podemos dizer.

Poetas líricos e pensadores colaboram inicialmente na grande tarefa de elaborar uma linguagem formada por conceitos abstratos, aqueles que não se referem às coisas em concreto (como a beleza, por exemplo), tornando-a apta como instrumento de análise tanto do cosmo como da realidade humana. A tentativa globalizadora da narração breve dos mitos com a qual a Teogonia se esforça por organizá-los em torno da figura da soberania brilhante de Zeus é de fato o primeiro (ou um dos primeiros) trabalho da atividade unificante, totalizante e subordinante do pensamento racional. O canto de Hesíodo, assim, já é o primeiro impulso do pensamento racional.

Sendo a poesia arcaica, está ligada formalmente à épica homérica (hexâmetros ou versos, arte poética com estilo próprio à composição oral), ligada como antecipação e modelo das duas mais importantes correntes culturais que viriam depois dela (a dos pensadores e a da poesia lírica), expondo uma concepção de poesia caracteristicamente não escrita, mas somente falada e expondo-se rigorosamente segundo essa concepção.

A linguagem, que é concebida e experimentada por Hesíodo, como uma força múltipla e numinosa, ou sagrada, que ele designa com o nome de musas, é filha da memória, ou seja: deste divino poder de trazer à presença o não-presente, coisas passadas ou futuras. Ora, ser é estar presente, como aparição (alethéa), e a aparição se dá sobretudo por intermédio das musas, das palavras, estes poderes divinos provenientes da memória. Só quem se lembra tem memória, por falar sobre o passado, o presente e o futuro. O ser-aparição portanto, dá-se por via da linguagem e na linguagem. O ser-aparição, é o desempenho (ou, é a função) das musas, das palavras. E o desempenho das musas é ser-aparição. É na linguagem que se dá o ser-aparição e também o simulacro, as mentiras. É na linguagem que impera a aparição (alethéa) e também o esquecimento (lesmosyne). O ser se dá na linguagem porque a linguagem é a sagrada força-de-nomear. E a força-de-nomear repousa sempre no ser, isto é: tem sempre força de ser e de dar ser. Não se trata portanto de uma relação, mas de uma presença inseparável e recíproca: o ser está na linguagem porque a linguagem está no ser (e vice-versa). Na expressão de Hesíodo: as musas falam as aparições (e também os simulacros de aparições) porque (ou, em todas as vezes que) as musas se fazem presentes como força numinosa, ou sagrada, que são das palavras cantadas.

A linguagem é uma estrutura que encerra para o homem não só todos os eventos e todas as relações possíveis entre eles, mas ainda a própria consciência que o homem tem de si e do mundo. A consciência é o círculo absoluto que encerra todos os eventos e entes possíveis: o âmbito da consciência, na imediatez concreta do pensamento mítico, cinge o âmbito do mundo. A força de coerência da linguagem mantém em suas ligações relacionais a coerência do mundo; a força presentificante do nome (ou melhor: da nomeação) é que mantém a coisa nomeada no reino do ser, na luz da presença, o não-nomeado pertence ao reino do esquecimento e do não-ser.

O homem arcaico sente que a força da linguagem o subjuga e que sua consciência se firma sobre a linguagem e é por ela dirigida. No caso de um cantor, que diuturnamente trabalha sua consciência das palavras e das estruturas lingüísticas, esta percepção do poderio avassalador e governante da linguagem torna-se ainda mais intensa e mais nítida.

A palavra cantada era, é e continuará sendo uma força tão grande que conhece poucas iguais. Imaginem se estivessem reunidos, em vez de filósofos, cantores e bandas de rock. Imaginem se estivessem reunidos os Beatles, a imensidão de pessoas que os estaria cercando para ouvir o seu cantar.

Mas o que no caso de Hesíodo, é o mais real é especificamente as palavras. E as palavras falam do que é real e do que não é real, apresentando-os quando e como elas querem. As palavras falam tudo, elas apresentam o mundo. Sendo as palavras por excelência o mais real e consistindo seu poder especificamente num poder de tornar presente aquilo que não está presente, ou de presentificação, nas palavras é que reside o ser.

Se na Teogonia há uma inseparabilidade recíproca entre a linguagem e o ser, esta inseparabilidade se dá pela recíproca imanência entre linguagem e poder, o poder de configurar o mundo e de decidir quais possibilidades nele se oferecerão em cada caso ao homem.

Zeus é a expressão suprema do exercício de poder. Toda a cosmogonia, ou origem ou formação do mundo, do universo conhecido, na visão de Hesíodo, converge e centra-se quando Zeus assume a realeza universal. A Teogonia é, em verdade, um hino às façanhas e à excelência guerreiras de Zeus; nela, tudo se dispõe na convergência para este aperfeiçoamento que é a assunção deste último e definitivo soberano divino, (re-)distribuidor de todas as honrarias e encargos e que mantém a ordem e a justiça. Zeus é a própria expressão do poder, e toda realeza e exercício de poder têm sempre a sua fonte em Zeus.

Como já assinalou Clémence Ramnoux, com absoluta razão, “os gregos conheciam três maneiras de se impor: pela violência (bía), pela persuasão (peithó) e pela sedução”.

Logo, o poderoso Zeus, com suas armas (o trovão e o raio), chega à vitória sobre seus predecessores e conquista o poder, impondo a perfeita ordenação do mundo e a (re-)distribuição de honrarias que levou a cabo ao assumir a soberania. Esse o tema da Teogonia: o poder e a ordem de Zeus, e a luta feroz pela qual ele se impõem.

O bom êxito dos reis em sua função de julgar dependia sobremaneira de suas “palavras de mel”, do dom da sedução com que convenciam. Esta capacidade de “persuadir com brandas palavras”, tanto quanto a conveniência geral da sentença dada no julgamento, é que asseguravam aos reis o gozo da boa reputação e popularidade. Além disto, a administração da justiça não era de modo algum um ato meramente cívico, mas também de caráter religioso e até mágico na medida em que a ordem social não se distinguia ainda, para a mentalidade mítica e arcaica, da ordem natural e até da ordem temporal (isto é, cronológica). A injustiça social acarretaria distúrbios nas forças produtivas e na ordem da natureza: peste e esterilidade nos rebanhos, escassez nas colheitas e portanto penúria e fome, e ainda filhos que não se assemelhavam aos pais ou que já nascem com cabelos e barba brancos (como diz Hesíodo no seu livro Os trabalhos e os dias). A manutenção da boa ordem social pelos reis era solidária da ordem da natureza e dos acontecimentos, a sacralidade da justiça social transcendia o caráter civil das ações, ao envolver o próprio cosmo e suas forças fecundantes e produtivas. [Osório diz: Isso muda um pouco meu pensar!]

Encontrar a fórmula correta, pronunciá-la com autoridade e incutir sua aceitação no âmbito daqueles que disputavam é praticar a reta justiça, e assegurar a pacificação social e a ordem da natureza (pela reciprocidade desta com a justiça). E essa atividade se funda no uso eficiente das palavras, tanto quanto a do cantor. Por outro lado, este poder de pronunciar a fórmula justa e eficiente é um dom com que as musas, como fadas-madrinhas, dotam os reis a cujo nascimento elas assistem e aos quais elas honram, o que implica uma vocação que acompanha o indivíduo ao longo da vida e para a qual ele deve ter-se preparado desde idade precoce. [Osório diz: exposição totalmente sofística! Exceto no que tange ao rei, pois os sofistas eram democráticos].

A ordem social não é senão o aspecto que entre os homens assume a ordem da natureza: uma e única. Vige em ambas a harmonia invisível, mais forte e mais poderosa do que todas as suas manifestações. Na administração da justiça, baseada no uso correto e eficaz da palavra, os reis colaboram com a manutenção desta ordem cósmica com que asseguram à sua comunidade o equilíbrio, a opulência e o futuro próspero. Os reis são operadores e colaboradores dos acontecimentos que se dão no cosmos, porque são senhores da palavra. O poder que têm da palavra lhes dá o poder sobre acontecimentos sociais e cósmicos. Isso pode ser visto ainda hoje, quando milhões de pessoas param para ouvir o que vai dizer um presidente de uma República ou um primeiro-ministro: embora o seu discurso seja uma avalanche de bobagens, milhões o ouvem, enquanto um discurso sábio, infinitas vezes, talvez não é ouvido por ninguém, pois o seu autor não dispõe das palavras asseguradas pelo poder. [Osório diz: exposição totalmente sofística! Exceto no que tange ao rei, pois os sofistas eram democráticos].

 

Este privilegio incomparável, que irmana reis e cantores, é que Hesíodo deu a autoridade para repreender e atacar com violência os reis venais, cujas sentenças e justiça são subornáveis mediante presentes. Fez esse ataque no seu livro Os Trabalhos e os dias.

Vejam o modo como o pensamento arcaico procede: jamais aborda um objeto de uma única e definitiva vez [Osório diz: Isto é Marx!], descartando-se dele depois, mas sempre o retoma dentro de outras referências, estudando-o por meio de enfoques sucessivos e por vezes contrastantes, como em verdade se verifica por toda a Teogonia.

A terra, além da clareza do nome, tem uma frase, ou epíteto que lhe define o ser: “de todos sede permanente sempre”. É a segurança e firmeza inabaláveis, o fundamento firme de tudo (pánton hédos), nela e por ela têm a sua sede os deuses olímpicos. É esta atualidade numinosa ou sagrada (expressa nos deuses Olímpicos) que Hesíodo lembra ao nomear a terra como potência original, porque a aparição e presença da terra como sagrada origem de tudo implica já uma experiência atual que é a destes deuses habitantes do Monte Olimpo, os seus mais perfeitos e belos descendentes, estes “deuses doadores de bens”, como costumo designar.

O tártaro é nevoento (invisível) e fica no fundo da terra de largos caminhos. Num de seus versos Hesíodo, o situa “tão longe sob a terra quando é da terra o céu”. A simetria, ou correspondência, estabelecida por este verso é altamente significativa, já que o céu é uma espécie de duplo da terra. “Vasto abismo” (khásma mega) é o tártaro, “temível até para os deuses imortais”, é o lugar onde “se estabelece a casa temível da noite trevosa, aí oculta por escuras nuvens”.

Eros [Osório diz: Existem dois Eros! Este o aquele outro conhecido como “Cupido”] é a potência que preside a união amorosa: o seu domínio estende-se irresistível sobre os deuses e sobre os homens (“de todos os deuses e de todos os homens doma no peito o espírito e a prudente vontade”). Ele é um desejo de acasalamento avassalador para todos os seres, sem que se possa opor-lhe resistência: ele é solta-membros (lysimelés). O melhor comentário que conheço a este epíteto de Eros é uma ode de Safo [Osório diz: poeta grega da ilha de Lesbos] em que ela descreve seu estado de paixão amorosa que, num crescente, beira a lassidão, ou devassidão, abandono e palidez da morte, enquanto sua bem-amada entretém-se com um homem. Ouçam o que diz a poeta de Lesbos:

 

"Parece-me par dos deuses

ser o homem que ante a ti

senta-se e de perto te ouve a doce voz

o riso desejoso.

Sim, isso me atordoa o coração no peito:

tão logo te olho, nenhuma voz me vem

mas calada a língua se quebra,

leve sob a pele um fogo me corre,

com os olhos nada vejo, sobresumbem os ouvidos,

frio suor me envolve, tremo

toda tremor,

mais ver que relva estou,

pouco me parece faltar-me para a morte.

Mas tudo é ousável e sofrível...”

 

Eros é um dos quatro elementos que são a origem de tudo.

Tal como Eros (Éros) é a força que preside à união amorosa, Caos (Kháos) é a força que preside a separação, ao dividir-se em dois. A imagem que aparece quando falamos o nome Eros é a da união do par de elementos masculino e feminino e a resultante procriação da descendência deste par. A imagem evocada pelo nome Caos é a de um bico (de ave) que se abre, fendendo-se em dois o que era um só. Eros é a potência que preside a procriação por cissiparidade, ou, por separação.

Há na Teogonia duas formas de procriação: por união amorosa e por cissiparidade. Os primeiros seres nascem todos por cissiparidade: uma divindade originária biparte-se, permanecendo ela própria e ao mesmo tempo em que dela surge por separação, ou esquizogênese, uma outra divindade. Assim Érebo e Noite nasceram do Caos, por exemplo. Assim a Terra primeiro pariu igual a si mesma o Céu constelado, pariu as altas Montanhas e depois o Mar infértil.

Toda a descendência de Caos nasce por cissiparidade, exceto Éter e Dia, que constituem exceção também por serem dentro desta linguagem, os únicos positivos e luminosos. Tudo o que provém de Caos pertence à esfera do não-ser; todos os seus filhos, netos e bisnetos (exceto Éter e Dia) são potências tenebrosas, são forças de negação da vida e da ordem. Seus filhos são Érebo e Noite. Érebo é uma espécie de ante-câmara do Tártaro e do reino do que é morto. Noite, após parir Éter e Dia unida a Érebo em amor, procria por cissiparidade, ou separação, as forças da debilitação, da penúria, da dor, do esquecimento, do enfraquecimento, da aniquilação, da desordem, do tormento, do engano, da desaparição e da morte, em suma tudo o que tem a marca do Não-Ser, tema que será aprofundado por Parmênides. Estas potências negativas, toda a linhagem de Caos, são geradas por cissiparidade; Éter e Dia, potências positivas, são exceções desta linhagem e gerados por união amorosa.

Dia e Noite aqui são princípios ontológicos a exprimirem por imagem a esfera do Ser e a do Não-Ser. Dia e Noite, Ser e Não-Ser, guardam em si uma relação íntima e profunda entre si: o Ser vige e configura-se segundo uma estrutura configurada pelo Não-Ser, de tal forma que o pensamento que pensa o que é o Ser não pode pensar o Não-Ser. [Osório diz: é essa afirmativa que Górgias combaterá].

Falemos um pouco sobre a compreensão dos homens, já tentando separá-los dos deuses, pois sabemos que nas obras imortais de Homero, homens e deuses ainda caminhavam juntos sobre a terra, deuses participavam de guerras e de conchavos entre eles e homens.

No teatro grego, para encenação de suas tragédias, utilizavam-se os atores de máscaras, denominadas persona, por intermédio das quais eram expressas a vontade do personagem, afastando-se, com esse artifício, a vontade do ator, ou a autonomia do sujeito. Daí nasceu a instituição cultural denominada pessoa. Esta metáfora veio coroar o esforço dos dramaturgos atenienses e fez a palavra persona transpor o âmbito do teatro para com maior glória designar isto que hoje cada um de nós entende que somos, qual seja, pessoa.

A compreensão que o homem tem de sua própria essência e condição, de seu próprio corpo e das funções de seus órgãos corporais, não tem nada de inerente a uma natureza humana, mas é dada culturalmente, tal como a ideia que o homem possa fazer de seu(s) deus(es). O que na moderna perspectiva cristã se cinge exclusivamente ao Divino, os gregos arcaicos o compartilhavam em sã consciência com os seus deuses, já que estes estavam entre eles, pode-se dizer, em carne e osso. [Osório diz: nós, homens, somos nossos deuses].

O deus não é senão a sua superabundante presença e está todo ele presente em todas as suas manifestações, já que presença não é senão manifestações, negação do esquecimento, verdade (alétheia).

A presença de um deus coincide com o âmbito de seu domínio. O panteão (ou o conjunto das divindades de uma religião politeísta, de vários deuses) grego se configura nessa recíproca oposição de domínios, de âmbitos divinos, que não são senão presenças numinosas, divinas; é um jogo de forças que neste mútuo confronto se determinam a si mesmas, estruturam-se e encontram sua própria expressão atentamente vigiadas, estando cada deus zeloso (phthonerós) de conservar íntegro o seu âmbito (sua timé).

Neste contexto, não é difícil entendermos como Heráclito tenha encontrado no combate (pólemos) e na diferença (diapherómenom) a causa e o fundamento de todos os seres, e que tenha sentido como uma instância deontológica (deontologia é o estudo dos princípios, fundamentos e sistemas de moral), o “saber que combate é comum, a justiça é o conflito e todos os seres surgem através do conflito e da necessidade”.

O céu, ao cobrir a terra fecunda-a hierogamicamente (isto é, com ovos divinos) através da uma chuva-sêmen. [Osório diz: daí a importância das chuvas sobre a terra para o nascimento e permanências das coisas/seres que vivem].

Cronos, o pai de Zeus, tinha por hábito tocaiar e engolir seus filhos recém-nascidos, expediente com o qual ele toma o poder e procura preservá-lo. O seu modo de pensamento é dito curvo, tortuoso (ankylométes) porque ele só age obliquamente e sob ardil: e nisso está ao mesmo tempo a sua mais eficaz arma (o curvo pensar, a foice recurva, o ocultar-se e o engolir) e o seu irremediável limite (o ocultar-se e engolir não impõem sua presença real como uma soberania, nem atingem a matriz donde provêm a ameaça e a realeza).

Os inimigos de Zeus são vencidos, não extintos; não são mortos porque são divinos imortais tanto quanto o próprio Zeus e os deuses olímpicos. Eles apenas podem ser expulsos e terem o exercício de seus poderes restringido a esferas remotas, longínquas; e de lá poderiam regressar, se não os impedisse a irredutível vigilância do espírito de Zeus e suas armas fulminantes. O reinado de Zeus e a sublime vida dos olímpicos têm o seu fundamento na previdente e ininterrupta vigilância sobre as monstruosas forças que, para constituírem-se, esse reinado e essa vida olímpicos combateram, reclamaram e mantêm sob custódia. De Zeus é o grande espírito (mégas nóos), o que em grego significa, primeiramente, a grande percepção, o irrelaxável estado de alerta.

Zeus casa-se com Métis, a oceânida; com Têmis, a urânida; com Eurínome, a oceânida; com Deméter, a crônida sua irmã; com Memória, a urânida; com Leto, neta de Céu e Terra; e com outra irmã sua, Hera; e assim constitui o seu reino.

Para assegurar que seu poder não será superado e que o domínio que ele exerce sobre seu pai não será por sua vez superado, Zeus recorre a núpcias, que são alianças políticas. Zeus, ao iniciar seu reino, desposa uma divindade de natureza aquática, Métis, e uma de natureza terrestre, Têmis. Era, além de deus, um hábil político.

Com esses dois casamentos inaugurais, Zeus garante o seu controle sobre esses âmbitos donde provieram as potências sob as quais Cronos se viu dominado e superado: o aquático âmbito da manhosa previdente (Afrodite, Métis) e o terrestre âmbito da lei inabalável (Erínias, Têmis. As Erínias eram as guardiãs da Justiça).

São esses dois âmbitos, o Mar e a Terra, de onde pode surgir a ameaça ao poder e a retaliação à tomada mesmo do poder, que Zeus concilia e controla ao unir-se a Métis (Afrodite) e a Têmis (Erínia).

Filhas de Têmis, as Hôrai (“Estações”) são três: Eqüidade, Justiça e a viçosa Paz. Os nomes das três estações põem em evidência quanto o pensamento arcaico apreende como uma ordem única e unitária o que, posteriormente, veio a ser cindido em distinções como ordem político-social, ordem natural e ordem temporal. Uma das crenças profundas de Hesíodo era a de que as injustiças sociais acarretavam não só perturbações e danos às forças produtivas da natureza mas, também, subvertiam a própria ordem temporal.

Ao instaurar-se e manter-se, o reinado de Zeus não implica a destruição e aniquilação dos reinos de Cronos e do Céu, mas, ao contrário, delimita-os, define-lhes com maior precisão o âmbito, e, de um certo modo e até um certo ponto, engloba-os em si. Cada uma das três fases cósmicas delimita a precedente e engloba-se em parte.

Como sua filha primogênita Palas Atenas, Zeus se caracteriza pela vontade centrada no espírito (epí-phrona boulén); o que constitui a essência de suas ações é serem fundadas e centradas no espírito (epi-phrosyneisin); as forças que por Zeus são combativas se guiam por uma atenta percepção e pela vontade centrada no espírito (atenei te nóoi kaì epíphroni boulêi). Por ter recebido de Métis o saber, Zeus é também sapiência, que, semelhante ao rio Oceano, abraça a totalidade do que é, do que existe.

Ao casar-se com Mêtis, Zeus, o soberano do Olimpo, incorpora a si uma sapiência que lhe assegura o poder sobre o imprevisível, sobre todos os ardis que em todos os tempos e em todos os lugares se possam tramar, pois com Mêtis ele conhece o bem e o mal.

Zeus cercou-se de providências que garantissem o seu reinado, pois além do seu pai deposto por ele, não podia esquecer que a descendência é sempre uma explicação da natureza dos genitores. Portanto, seus filhos tinham, também, a sua natureza, eram, ou poderiam ser, iguais a ele.

Zeus tem poderes sobre a constituição (isto é, nascimento-natureza) dos deuses “anteriores” à constituição do próprio Zeus e de seus poderes.

Pelo fato de o tempo ser múltiplo e não único, adjetivo e não substantivo, a inter-relação dos deuses não é de ordem crono-lógica (ou não é uma ordem temporal lógica), mas crato-onto-lógica (do grego krátos = poder, força, solidez + ontos = ser + logía = ciência, assim, força da ciência do ser): os deuses se ligam, se organizam e se hierarquizam segundo a força de ser, não obedecendo uma ordem temporal, pois aquele que nasceu depois pode interferir sobre quem nasceu primeiro. (Por que eles são imortais).

Na Teogonia, portanto, o tempo e a temporalidade se subordinam ao exercício dos poderes divinos e à ação e presença das potências divinas. Para Hesíodo, o tempo não é de modo algum uma categoria absoluta e nem sequer uma categoria. Nem há, na sua língua, uma palavra que designe o tempo (como também não há uma que designe o espaço) de um modo abstrato. Nela, o tempo sempre se indica através de expressões adverbiais, adjetivas ou verbais; o tempo não é substantivo e deve sempre subordinar-se às exigências do ser. E o ser, na Teogonia, se revela como a força-de-ser, isto é, o poder de ele mesmo fazer-se presença, de se presentificar, de se apresentar. [Osório diz: o tempo, em Hesíodo, é muito interessante para a compreensão da Mitologia].

A fala gerada por Zeus é geratriz de Zeus e do Mundo.

A concretude das suas percepções e concepções fazem com que o mito do eterno retorno seja trabalho de um pensamento já bastante afeito à abstração; portanto, estranho, ao seu pensar.

Para concluir, pode-se dizer que o que Hesíodo fez foi cantar sob a proteção e o nome das nove musas (Glória, Alegria, Festa, Dançarina, Alegra-coro, Amorosa, Hinária, Celeste e Belavoz), a Origem dos deuses, os quais primordialmente, eram quatro: Caos (o que primeiro nasceu); depois nasceu Terra (de amplo seio e de todos sede insubstituível); em seguida nasceu o Tártaro (nevoento no fundo do chão de amplas vias); por fim, nasceu Eros (o mais belo entre desuses imortais, solta-membros).

Homero nos apresentou os deuses nas suas obras Ilíada e Odisséia, mas não nos disse de onde eles vieram, como nasceram, viveram e geraram outros deuses. Coube a Hesíodo essa gigantesca tarefa, a qual nos apresenta na sua obra tantas vezes citada, a Teogonia, para cuja leitura e/ou re-leitura todos ficam convidados”. (Teogonia – a origem dos deuses – tradução e estudo de Jaa Torrano. Massao Olmo – Roswitha Kemp / Editores, Sem local e data de publicação, p. 11 a 126.

 

Como se pode observar no pensamento mítico, presente já está a questão da linguagem, que receberá a contribuição forte, importante e, que eu diria, fundamental vinda dos Sofistas.

Mas o que teria acontecido com o pensamento do Hesíodo caso não tivesse sido ele fixado pela escrita?

Poderia ter-se perdido como milhares de outros que lhe antecederam e mesmo que lhe sucederam estão perdidos. Daí a importância inarredável da escrita.

A escrita é uma criação do mundo da cultura, ou seja, é obra do homem, tendo por ele sido idealizada e executada como uma forma de se comunicar com os demais, mas, especialmente, com a finalidade de perpetuar seu pensamento.

A escrita teria nascido há 5.000 anos no Oriente Médio, entre os rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia.

Nessa época, a escrita começa a organizar-se de forma sistemática por exigência de uma sociedade que estava em crescimento.

No entanto, se entendermos como escrita a arte de deixar para a posteridade um vestígio permanente daquele que ocupa ou preocupa o homem, a escrita nasceu antes dos sumérios gravarem suas placas de barro, ou seja, há mais de trinta mil anos, quando nossos primitivos antepassados deixaram escritos na rocha, em cores naturais e utilizando ferramentas como as suas próprias mãos ou simples objetos pontiagudos, desenhos que, simultaneamente, correspondiam a mensagens. Quando os homens que habitavam as cavernas de Altamira, no norte da Espanha, pintavam um bisão ou um cavalo, essa representação não era puramente estética, mas possuía uma função: aludia claramente ao perigo potencial que esse animal constituía, ou ainda, às possibilidades de ser caçado.

Os primeiros caracteres escritos eram desenhos muito simplificados representando o objeto aludido. Assim, uma cabeça de boi representava o animal e a repetição de cabeças o número de reses. São os pictogramas. Todavia, logo se deu um passo para a abstração que a escrita exige, e um símbolo do sol, por exemplo, passou a representar não apenas o astro, mas também a ideia de dia; ou, se surgisse por detrás de uma montanha, a ideia de amanhecer.

Os ideogramas foram um passo importante na criação de um código escrito, especialmente quando passaram a ter um significado fonético.

A escrita dos sumérios era denominada cuneiforme, e já apresentava um certo nível de abstração. (A arte da escrita, nº 2 – Canetas de Colecionador, Editora Salvat, São Paulo-SP, 2003.).

Platão opor-se-á a escrita, embora seja um dos seus maiores usuários, tanto assim que nos deixou seus inúmeros diálogos nessa forma de transmissão de conhecimento e somente por intermédio dela eles chegaram até nós!

É sabido que Sócrates não escreveu nada sobre Filosofia: ‘pois a escrita, o faz explicar Platão no Fedro: é similar nisso à pintura, tem o mesmo defeito; também os produtos desta estão presente diante de ti como pessoas vivas; porém se os interrogas, eles calam majestosamente, e assim sucede com os discursos escritos”.2 [Osório diz: A Platão, que será um eterno contraditória, caberia perguntar-lhe: por que você escreveu?].

"Mas estas são dificuldades menores, se comparadas com as seguintes: como as nações, desprovidas de leis, podiam ter sido fundadas? E como no Egito, antes de Mercúrio, já haviam sido fundadas as dinastias? Como se fossem da essência das leis as letras, e assim não fossem leis aquelas de Esparta, onde em virtude da lei de Licurgo era proibido conhecer as letras! Como não tivessem podido coexistir essas ordens na natureza civil: - de conceber oralmente as leis bem como torná-las públicas oralmente, - e não se encontraram em Homero senão duas sortes de assembleias: uma chamada [em grego. No vernáculo: Conselho], secreta, onde se reuniam os heróis para consultar oralmente as leis; e outra chamada [em grego. No vernáculo: Reunião], pública, na qual também oralmente as tornavam públicas! Como que, finalmente, a providência não tivesse socorrido essa humana necessidade: que, pela falta das letras, todas as nações, em sua barbárie, fundassem primeiramente os costumes, e, civilizadas, fossem governadas mediantes as leis! Assim como na barbárie regressada [A Idade Média] os primeiros direitos das nações novas da Europa nasceram como os costumes, de que os mais antigos são os feudais; o que deve ser lembrado para o que diremos em seguida: que os feudos foram as primeiras fontes de todos os direitos que vieram depois das nações tanto antigas quanto modernas, e, portanto, o direito natural das gentes, não pelas leis, mas pelos costumes humanos se estabeleceram.” (Giambattista Vico, A Ciência Nova. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 69/70).

 

Aceitando-se ou não o acima (“o direito natural das gentes não pelas leis, mas pelos costumes humanos se estabeleceram”), que serve não só para o Direito, mas para todos os ramos do saber, o certo é que todo o conhecimento humano acabou por vir a ser estabelecido/criado pela lei, logo pelas leis escritas, acabou que, sendo pela escrita fixado, o que terminou por redundar em maior conhecimento das leis por parte das pessoas e, também, maior segurança por parte delas.

Sócrates/Platão combateram a escrita! Queriam o “Homem livro”!

Eis o que diz Martin Burckherdt:

 

"Por exemplo, Sócrates nunca se cansa de criticar a devoção às letras. Seu antídoto revela de maneira óbvia o quanto a escrita é notavelmente importante para ele, porém ele cura seus pupilos desse mal tentando, de forma irônica, transformá-los em livros vivos. (Pequena história das grandes ideias, tradução de Petê Rissatti, Tinta Negra: 2011, p. 19).

 

Colhamos, no Fedro, o que Platão disse:

 

"A invenção da escrita

 

SÓCRATES: - Bem, ouvi dizer que na região de Náucratis, no Egito, houve um dos velhos deuses daquele país, um deus a que também é consagrada a ave chamada íbis. Quanto ao deus, porém, chamava-se Thoth. Foi ele que inventou os números e o cálculo, a geometria e a astronomia, o jogo de damas e os dados, e também a escrita. Naquele tempo governava todo o Egito, Tamuz, que residia ao sul do país, na grande cidade que os egípcios chamam Tebas do Egito, e a esse deus davam o nome de Amon. Thoth foi ter com ele e mostrou-lhe as suas artes, dizendo que elas deviam ser ensinadas aos egípcios. Mas o outro quis saber a utilidade de cada uma, e enquanto o inventor explicava, ele censurava ou elogiava, conforme essas artes lhe pareciam boas ou más. Dizem que Tamus fez a Thoth diversas exposições sobre cada arte, condenações ou louvores cuja menção seria por demais extensa. Quando chegaram à escrita, disse Thoth: “Esta arte, caro rei, tornará os egípcios mais sábios e lhes fortalecerá a memória; portanto, com a escrita inventei um grande auxiliar para a memória e a sabedoria.” Responde Tamuz: “Grande artista Thoth! Não é a mesma coisa inventar uma arte e julgar da utilidade ou prejuízo que advirá aos que a exercerem. Tu, como pai da escrita, esperas dela com o teu entusiasmo precisamente o contrário do que ela pode fazer. Tal coisa tornará os homens esquecidos, pois deixarão de cultivar a memória; confiando apenas nos livros escritos, só se lembrarão de um assunto exteriormente e por meio de sinais, e não em si mesmos. Logo, tu não inventastes um auxiliar para a memória, mas apenas para a recordação. Transmites para teus alunos uma aparência de sabedoria, e não a verdade, pois eles recebem muitas informações sem instrução e se consideram homens de grande saber, embora sejam ignorantes na maior parte dos assuntos. Em conseqüência, serão desagradáveis companheiros, tornar-se-ão sábios imaginários ao invés de verdadeiros sábios.

FEDRO: - Com que facilidade, Sócrates, inventas histórias egípcias assim como de outras terras, quando isso te apraz!

[...]

SÓCRATES: - Imagina que alguém expõe por escrito as regras da sua arte e um outro aceita o livro como sendo a expressão de uma doutrina clara e profunda; esse homem seria tolo, pois, não entendendo a advertêcia profética de Amon, atribuiria a teorias escritas mais valor do que o de um simples lembrete do assunto tratado. Não é assim?

FEDRO: - Perfeitamente.

SÓCRATES: - O uso da escrita, Fedro, tem um inconveniente que se assemelha à pintura. Também as figuras pintadas têm a atitude de pessoas vivas, mas se alguém as interrogar conservar-se-ão gravemente caladas. O mesmo sucede com os discursos. Falam das coisas como se as conhecessem, mas quando alguém quer informar-se sobre qualquer ponto do assunto exposto, eles se limitam a repetir sempre a mesma coisa. Uma vez escrito, um discurso sai a vagar por toda parte, não só entre os conhecedores mas também entre os que o não entendem, e nunca se pode dizer para quem serve e para quem não serve. Quando é desprezado ou injustamente censurado, necessita de auxílio do pai, pois não é capaz de defender-se nem de se proteger por si.

[...]

SÓCRATES: - Refiro-me ao discurso conscienciosamente escrito com a ciência da alma, ao discurso que é capaz de defender a si mesmo e que sabe diante de quem convém falar e diante de quem é preferível ficar calado.

[...]

SÓCRATES: - Tu bem vês que aquele que conhece o justo, o bom e o verdadeiro não irá escrever na água essas cousas, nem usará um caniço para semear os seus discursos, pois eles se mostrarão incapazes de ensinar eficientemente a verdade.

FEDRO: - Provavelmente não fará isso.

SÓCRATES: - Claro que não. Naturalmente, semeará nos jardins literários apenas por passatempo. Se escrever, será na intenção de acumular para si mesmo um tesouro de recordações para a velhice, se chegar até lá; porque os velhos esquecem tudo. Escreverá também para os que caminham na mesma rua com ele, e se alegrará vendo crescer as tenras plantas. E enquanto outros se divertem em banquetes e prazeres semelhantes, esse homem se recreará com as coisas que mencionei”. (Fonte: ?)

 

Há sempre quem proponha uma interpretação benevolente para salvar tamanha tolice!

E é tolice por que, na época deles, já havia os incentivadores do usa da escrita, tanto assim que eles se viram compelidos a combatê-los propondo essa passagem vergonhosa.

Foi a dupla xifópaga Sócrates/Platão que, além de proporem o “homem livro”, questionaram a possibilidade de a virtude ser ensinada! “Qual virtude pode ser ensinada, [...] é apenas uma maneira de expressar, em linguagem fora de moda, o que queremos dizer quando afirmamos que pela educação as pessoas podem mudar a sua situação na sociedade.”. (O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyla, 1999, p. 11).

Será que algum maluco, desde há muito e na atualidade ainda duvidaria que a virtude pode – e deve – ser ensinada?

Pois saiba que vários fanáticos ainda repetem essa estupidez!

E são fanáticos por dizerem que estão repetindo apenas para mostrar como ocorreu a evolução histórica, o que é mentira, pois os repetidores não dizem o quê e quem Platão, especialmente, combatia e, o pior, o motivo pelo qual combatia!

Mas qualquer um sabe, e as crianças que leram a “História da carta levada pelo indiozinho” melhor ainda, “que pela educação as pessoas podem mudar a sua situação na sociedade”. (O movimento sofista, idem.).

 

Relembremos a historinha:

 

"Um fazendeiro enviou para outro fazendeiro quatro bananas e uma carta, na qual, além de contar algumas novidades, dizia do envio das quatro bananas. No meio do caminho o portador, um indiozinho, ficou com fome e resolveu comer uma das bananas. Chegando no destino entregou a carta e as três bananas ao destinatário. Este, ao ler a carta, perguntou ao portador pela quarta banana. O portador disse-lhe que eram apenas três as bananas. O destinatário disse que na carta estava dito que eram quatro. Surpreso, o portador pergunta: e essa coisa vê e fala?! Dias depois o patrão do indiozinho envia nova carta ao fazendeiro e também quatro outras bananas. Novamente, com fome, o portador come uma banana, mas, antes, tem o cuidado de sentar-se sobre a carta para que ela não veja o que ele ia fazer e assim contar, de novo, seu ato ao destinatário!”.

 

Essa historinha mostra a importância da escrita e como ela pode sim ajudar, e muito, no ensino da virtude, a fim de que a educação das pessoas possa mudar as suas situações nas sociedades”, como um pouco acima.

Com a escrita veio o problema, também insolúvel, até o presente momento, que permeia a relação entre os homens e a lei, bem como com todos os demais escritos, o qual se tentou solucionar por intermédio da interpretação.

É que, acredita-se, que a escrita seja uma forma de fixação do pensamento, levando, assim, informações sobre ele. E, de fato, em princípio, o é.

Por exemplo: ninguém pode negar que em uma carta em que o informante afirma que envia juntamente com ela quatro frutas, vá quatro frutas!

Porém, como surgiu essa ligação entre pensamento e coisa você já leu acima na exposição do escrito de Jaa Torrano.

Mas este é um conhecimento (pensamento-coisa) superficial, pois, entrando em cena o intérprete, em especial os advogados, sempre prenhes de má fé, podem dizer que o subscritor da carta se esqueceu de entregar as furtas após a entrega da carta ao portador, por exemplo! Ou que, em vez de quatro, contou errado e entregou apenas três e, assim, a interpretação vai ao infinito!

Fundou-se, então, uma ciência para estudar a interpretação, chama-se Hermenêutica, cujo nome origina-se do nome do deus grego Hermes, que era o mensageiro dos deuses: ouvia a mensagem do remetente (um dos deuses) e a transmitia ao destinatário (um dos outros deuses ou um humano)! Era o elo que ligava as duas partes em comunicação. Esta é a função do intérprete, mas como ele pode bem desincumbir-se dela? Infelizmente não temos nenhuma garantia de que ele chegará a tal desiderato, a tal objetivo!

A literalidade (a escrita) é a porta de entrada para interpretação da comunicação escrita. Grave bem: disse-se apenas a porta! E porta não se confunde com toda a casa!

Por falta de coisa melhor, trabalha-se com a hermenêutica, que, sinceramente, é como se trabalhar com ilusão: a ilusão hermenêutica! Mas que não pode ser abandonada enquanto não se encontrar coisa melhor, por que tudo é uma questão de e da linguagem!

 

"A linguagem não é apenas mais um lugar do filosofar, como frequentemente falamos em Filosofia Política, Ética ou Estética, é antes o próprio horizonte do filosofar.

Não há conhecimento que não se comunique, linguisticamente.

O autor, não entendido, é claro, como o indivíduo falante que pronunciou ou escreveu um texto, mas o autor como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de sua coerência.” (Foucault citado por Danilo Marcondes, Textos básicos de linguagem – de Platão a Foucault, Zahar, Rio de Janeiro: 2010, p. 130).

 

Esta afirmação pode até ser bonita, mas não diz nada que contribua para a resolução do problema!

Para que serve a fala? Para nos comunicarmos;

Para que serve nos comunicarmos? Para nos fazermos entender;

Para que serve nos fazermos entender? Para nos comunicarmos.

Se o comunicador (emissor, aquele que emite a mensagem) se fez entender com o seu interlocutor (receptor, aquele que recebe a mensagem) a comunicação atendeu ao seu objetivo.

Interessa a forma pela qual o comunicador se fez entender pelo receptor da mensagem?

Não, acredito que não interessa, o que interessa é que o receptor tenha sido capaz de compreender o teor da mensagem que lhe foi dirigida.

Mas isso se complica quando a comunicação deixa de ser individual, entre dois indivíduos, como o olhar do pai que já diz ao filho que deve retirar-se da conversa entre adultos, mas que não serve para o filho de outro pai!

Algumas formas, obviamente, abreviam o trabalho de decodificação (entendimento) do receptor, especialmente pela sua clareza.

Mas qual seria essa clareza?

Ela depende tanto do emissor quanto do receptor!

Não posso exigir de meu interlocutor com surdez, que compreenda a minha mensagem vocal.

Meu interlocutor mudo não pode exigir que eu entenda a sua linguagem gestual (embora seja aconselhável que eu a saiba, mas aí é outra questão).

Existem várias formas de linguagem, todas elas capazes de atingir o fim de toda comunicação: que é o de que todos os interlocutores entendam-se.

A escrita é apenas uma das formas de linguagem, e está a serviço desta, e não o contrário, ou seja, a linguagem não está a serviço da escrita.

Devemos ver que os próprios signos da escrita variam incomensuravelmente, enormemente, nem por isso devemos dizer que os hieróglifos e ideogramas não comunicam.

Podemos até dizer, acredito, que o talento está mais no receptor que compreende e decodifica a mensagem, do que na própria mensagem e em seu emissor.

Se, por acaso, o acima dito for verdadeiro, por que a preocupação com a escrita dita escorreita, límpida, sem erros?

Por que, numa linguagem escrita, como a da língua portuguesa, por exemplo, onde várias regras comportam inúmeras exceções e inúmeras exceções contam com incontáveis regras, as pessoas se melindram tanto em “corrigir” “o que não tem conserto nem nunca terá”?

Tenho que o domínio da escrita escorreita (de todo elogiável e que deve ser buscado), não deve ser um fim em si mesmo, especialmente para aquele que a domina não diga que não entendeu a mensagem porque, em vez do escritor grafar “invadiu a minha casa”, grafou “invadiu a minha caza”. Isso é preciosismo que em nada contribui para a compreensão mútua, fim da linguagem. Quando muito, serve isso para se fugir, esquivar-se às responsabilidades (em especial quando se é autoridade pública), como, no caso do exemplo citado, sair-se com essa: “devolva-se ao autor para corrigir e voltar em termos”!

Isso sem falar na manutenção da cultura bacharelesca, que dá voltas e voltas e não sai do lugar.

Sobre essa cultura, tem obra recente: “Amar-te a ti nem sei se com carícias”, de Wilson Bueno, Editora Planeta.

No processo comunicacional o que vale é o fim, não a forma, que é meio. Qualquer que seja a forma utilizada, desde que o emissor consiga se fazer entender pelo receptor, a comunicação é válida.

A linguagem gestual, mímica, pode ser eficaz para o fim ao qual ela se direciona. Tanto assim que se paga para assistir um espetáculo mímico!

Ninguém reclama do tipo de sonoridade emitida pelo apito do guarda de trânsito. O importante não é a musicalidade, mas que o guarda se faça ouvir.

No Direito, trabalha-se com um aforismo resumido pelo Direito francês, denominado de "pas de nulité sans grief", que significa que “os atos processuais devem ser aproveitados quando atingirem sua finalidade, mesmo que tenham sido praticados sem a observância das formalidades que eram previstas para a sua prática”. É, no caso, uma repulsa ao formalismo inútil.

Em e na comunicação podemos asseverar que os fins justificam os meios.

Adoniran Barbosa, com sua “táuba de tiro ao Árvaro”, comunica muito mais e de forma mais prazerosa que o acadêmico José Sarney com seus “Marimbondos de fogo”!

A barreira imposta por aqueles que dizem dominar a linguagem funciona, na verdade, como uma forma de manutenção de um poder que o dominador pensa que tem. Explique-se:

Dizem que dominam, porque poucos dominam, ou melhor, ninguém domina, para sermos francos, já que, como dissemos, as divergências entre aqueles que dizem dominar são profundas, como explica Marcos Bagno em sua obra “Preconceito linguístico”.

Forma de manutenção de um poder porque afasta o interlocutor da possível concorrência pela ocupação de um espaço, especialmente com a desqualificação do emissor por não saber dizer o que quer, muito embora o receptor tenha compreendido a mensagem emitida pelo outro. Exemplo claro disso temos na frase, demonstradora de falsa espirituosidade, que diz: “a crase não foi feita para humilhar ninguém”, cuja paternidade é atribuída, dentre outros, ao poeta Ferreira Gullar.

A “inocente” frase é capaz de encerrar qualquer diálogo, especialmente se pronunciada com forte entonação repreensiva e em público, muito embora o receptor esnobe tenha, com ou sem a crase, entendido, perfeitamente, a mensagem que lhe foi dirigida.

Aliás, segundo Mário Sérgio Cortella, “o conhecimento serve para encantar, não para humilhar as pessoas”, como muitos fazem constantemente.

Temos que a busca da linguagem perfeita, meta louvável, não deve ocorrer ao ponto de o interlocutor não responder ao questionamento que lhe é transmitido pelo simples fato de a palavra dita ferir-lhe os ouvidos ou de a palavra escrita ferir-lhe os olhos, embora carreguem consigo a mensagem imediatamente decifrável.

Gabriel Garcia Marquez confessa que, se dependesse de conhecer a gramática espanhola, não seria escritor!

Carlos Heitor Cony (mestre da escrita, e nem tanto da indenização), não sabe dizer, junto com Lygia Fagundes Teles, se após o parêntese, cabe a vírgula!

Gramáticos e filólogos discutem há anos sobre determinadas construções sem que haja convencimento de uma das partes.

Os americanos, que devem ser admirados em poucas coisas, sempre nacionalizam grafias e pronúncias que lhes interessam, numa clara demonstração de que o importante é se fazer entender. Não é sem razão que dois grandes lingüistas são daquelas bandas (Chomsky e Charles Pierce).

Por tudo isso, apelo a todos aqueles que dominam a língua para que, ao invés de simplesmente corrigirem uma grafia ou uma fala, que também se predisponham a discutir o teor da mensagem, já que ela foi compreendida.

Mas, afinal, por que não nos entendemos no amor e na vida, por exemplo?

Descartes cunhou a frase “penso, logo existo[Osório diz: em latim: cogito ergo sum], passando ela à condição de máxima do racionalismo, pois ela leva ao entendimento que o homem é capaz de pensar!

Veio, então, Nietzsche e sobre a máxima cartesiana (Descartes em latim era Cartesius) ponderou:

"Ora, mas para dizer esse 'basta', o que Nietzsche faz para nos convencer? Simples, ele lança mão de duas estratégias. Primeiro: ele ataca a própria figura do sujeito [Osório diz: do homem], mostrando-o como alguma coisa que não tem os poderes que a filosofia lhe conferiu. Segundo: ele ataca a noção de verdade dos lógicos, mostrando-a como nada além de mais um artifício retórico. No caso do sujeito, o que ele faz é defender a ideia de que a vontade autônoma, baseada na liberdade, que seria própria de todo e qualquer sujeito, enquanto sujeito filosófico, não existe.

No caso da verdade, o que ele faz é tentar expor como que o conceito de metáfora está presente em qualquer uso de nossa linguagem e, então, também no que batizamos como verdade.

No primeiro caso, o combate de Nietzsche é simples. Ele repete o 'Eu penso' de Descartes para lembrar que ninguém pode, honestamente, dizer essa frase com o grau afirmativo que em princípio se diz. Ninguém pode dizer 'Eu penso' isso e aquilo e não aquela outra coisa. Não! Nietzsche lembra que o pensamento ganha do 'eu' pois ele, pensamento, é que vem quando ele deseja, sem seguir o sujeito, o eu, e mesmo sem pedir licença para este. Assim, se notarmos bem a experiência do 'Eu penso', veremos que o cogito que ele apresenta e que se faz modelo da subjetividade moderna, se apresenta já com superpoderes de decisão que não possui. Fala como se estivesse exercendo autonomia em um mundo livre e que lhe dá liberdade, mas isso é uma ilusão. Nenhum de nós decide pensar e o que pensar e consegue assim fazer. No meio do que achamos que decidimos pensar, outros pensamentos que não chamamos, não invocamos, não criamos, surgem e ocupam espaço. Certamente, durante as seis meditações, Descartes pensou muito mais coisa do que aquilo que diz que pensou, no exército do seu 'Eu penso', naquela semana que ficou nu diante da lareira. As Meditações relataram apenas o que foi possível dizer. Como se o Eu fosse determinador e determinante do que foi dito durante aqueles dias.

Assim lembrando, Nietzsche quebrou as pernas do 'eu'. Mostrou que a ideia de um sujeito livre, como uma instância que controla o pensamento e a ação, não se verifica.

Então, a própria noção de sujeito filosófico que por definição, em geral, pode ser vista como 'o eu consciente de seus pensamentos e responsável pelos seus atos', não diz algo que possamos ver efetivamente funcionando. Não se trata de driblar a diferença entre sujeito e indivíduo psicológico. Não! Trata-se, sim, de mostrar que o sujeito filosófico é definido de um modo que o faz artificial demais. 'Eu penso' implica um ego livre, autônomo. Ora, mas quando fazemos o exercício de pensar, nós mesmos, a partir da experiência de Descartes (que é um eu empírico que tenta aos poucos funcionar como um sujeito filosófico, um avô do sujeito transcendental), percebemos que não exercemos a autonomia com a qual Descartes diz operar já de início. Ficamos desconfiados, então, que embutir a liberdade da vontade no sujeito é uma operação artificial demais.” (Revista de Filosofia. Volume III. Editora Escala, São Paulo: sem data, pp. 78 e 79).

[Osório diz: um exercício de memória, de lembrança, em que a posição de Nietzsche apareceu muito clara é o seguinte: quantas vezes você, mesmo não querendo pensar nisso, já pensou em você matando seu pai ou mãe, ou em seus filhos ou irmão sendo mortos em acidentes? E tem várias outras coisas que você não quer lembrar, como a ex-namorada, mas ela não “sai de sua cabeça”].

Com Descartes temos a ilusão que pensamos, mas vem Nietzsche e nos mostra que é o pensamento que nos pensa!

Portanto, o “penso logo existo” de Descartes foi desmentido por Nietzsche, pois não somos nós que pensamos, mas o é pensamento que pensa por si mesmo em nós. Não conseguimos pensar o que queremos, é o pensamento que nos vem à mente sem que, muitas vezes, queiramos que ele venha. Assim acontece quando pensamos coisas que não queríamos pensar. Por exemplo, matar a nossa própria mãe!, como já o disse.

O sofista Protágoras colocou-nos o problema da instabilidade do pensar, diante das mudanças constantes das coisas (da natureza).

Não conseguimos estabilizar pensamentos por longo tempo pois as coisas se sucedem na vida constantemente. O que hoje é remédio, amanhã será veneno. O amor de hoje é o ódio de amanhã.

Como, então, estabelecer certezas?

Freud, salvo engano, mostra que a sexualidade é instinto e não pensamento (concordando, assim, com Nietzsche). Tanto que muitos se “castigam” (flagelam) para “espantar/destruir” pensamentos que julgam nefastos. Outros não dão vazão as esses pensamentos por causa da repressão social, a qual temem por medo da repreensão moral que recai sobre os que agem livremente.

Os estudos demonstram que temos determinadas “taras” [Osório diz: desequilíbrio mental] que muitas vezes têm origem em desilusões e repressões. Lembro do caso que me foi relatado de um noivo que, ao ser abandono pela noiva, passou a buscar prazer sexual com garrafas!

O pensamento é tão independente que não escolhemos de quem gostar amorosamente. Às vezes chegamos à raia de gostar de nosso inimigo ou algoz (a afirmação nos é dada pela chamada “Síndrome de Estocolmo”, que ocorre quando a pessoa sequestrada se apaixona pelo seu sequestrador). Acontece e pronto. A única coisa a dizer, parece, é: “Fudeu-se!” ou “Tocar um tango argentino”.

O gostar não é, ou raramente é, recíproco. Quanto mais se quer agradar, por exemplo, mais se contribui para que a pessoa a quem se tenta agradar se afaste daquele que a tenta agradar (ocorrendo assim um agradar que desagrada!). E um dos grandes problemas está no “grau ou limite” do amor dado a outrem. Erra-se por se dar pouco (quando corre-se o risco de parecer desinteressado). Erra-se por se dar muito (quando corre-se o risco de “sufocar” o outro). E o equilíbrio é extremamente difícil de ser encontrado. O que nos leva à famosa indagação: “qual a medida do amor afinal?”.

Santo Agostinho disse que “a medida do amor, é o amor sem medida”. Mas ele, certamente, não falava do amor carnal, sexual, daquele que existe ou pode existir entre um homem e uma mulher. Sua religiosidade talvez não permitisse isso, falava do amor fraternal a existir na humanidade, embora, ele tenha sido um mundano, tanto assim que pediu: “Deus, dei-me a castidade, mas não agora”!

O que se pode observar é que cada ser humano é um universo. Uma individualidade que não se repete. Cada um tem a sua digital única. E como a digital tudo o mais. Nos bilhões de pessoas que habitam a terra, jamais encontraremos duas iguais. Seja em aparência, seja no querer, seja nos gostos etc.

Dir-se-á, romanticamente, que, sendo assim, ninguém doma seu próprio coração para gostar deste e não daquele. É o “coração” quem decide por si mesmo. E, às vezes, chegamos até a perceber a besteira que ele fez mas não temos força para vencê-lo.

(Será que é por ele ser tão rebelde, que temos tantas doenças do coração?).

E se ninguém o doma, é impossível saber o que é o belo, o querido ou o gostoso para mais de uma pessoa. Cada indivíduo decide sozinho quanto a isso. Não adianta conselhos e ponderações. O belo para mim não é o mesmo para ti.

Conselhos, aliás, às vezes funcionam em sentido contrário, levando ou despertando no aconselhado pensamentos que até então ele não tinha e o aconselhador não tinha como, anteriormente, saber disso!

Quando a namorada briga com o namorado por ele está olhando para uma outra mulher, e ele não estava, desperta nele a curiosidade de olhar, até para saber as razões de sua namorada! A partir daí muita coisa pode acontecer, inclusive a namorada ser trocada pela outra que até então não era observada!

As pessoas costumavam, quando da separação e do novo casamento do príncipe Charles, querer fazer o julgamento que somente ele podia fazer!

É imperdoável e incompreensivo ele trocar a bela e jovem Diana pela feia e idosa Camila Parker Bowles!

Não há critério para tal julgamento! Definitivamente.

Somente o transcorrer da vida, que chamamos de tempo é capaz de borrar, porém jamais apagará as marcas de uma paixão, de um amor (embora eu não faça distinção entre ambos, já que estão umbilicalmente ligados).

Como nós nos perdemos na linguagem, achando que ela é capaz de trazer soluções para nossas incertezas, costumamos dizer que uma das saídas é conversar. O que parece ser um engano, pois as palavras nem sempre são postas da maneira que o emissor queria e, muito menos, compreendidas da forma que queria o emissor que o receptor as entendesse. Está formada a confusão. Confusão que é pré-diálogo, pois quem não quer iniciar um relacionamento (entendimento) nem muito menos continuá-lo já tem sua decisão tomada e ela é, quase sempre – e a longo prazo é sempre –, irrevogável.

Muitas vezes, entre o casal, o odor, o cheiro, o hálito, por exemplo, supera o poder das palavras. Se for bom, fica-se com o feio. Se for ruim, abandona-se o bonito.

São tantas as variáveis que é impossível ordená-las, menos ainda controlá-las, pois são voláteis como o pensamento e suas bases.

Além do odor temos ainda o tato. Determinadas carícias são enlouquecedoras. Mas será que elas têm prazo de validade? E esse prazo é maior ou menor dependendo de outras tantas variáveis, como conversa, cheiro e uma certa folga financeira capaz de proporcionar, no mínimo, uma vida sem privações do básico?

Mas o que é o básico?

Prisioneiro deste querer sem querer. Dessas dúvidas irrespondíveis. Desses medos com ou sem motivo. Do amor não correspondido. Do não saber a medida do agir. O que deve o homem fazer?

Héracles (ou Hércules), o maior de todos os heróis gregos, que era filho de Zeus e depois tornou-se um semi-deus,num acesso de loucura, matou todos os filhos de seu primeiro casamento”!

Medéia (depois transformada em Medusa), num acesso de ciúmes, matou os dois filhos que teve com o herói Jasão, para, deste modo, vingar-se da traição do marido!

São casos mitológicos, mas a mitologia foi criada pelo homem a partir do nada?

Responda-me baixinho.

Recentemente, no Rio Grande do Sul, um homem matou a esposa e o filho do casal!

A saída mais cômoda para todos nós é condená-lo!

E você acha que não deveria ser assim? Você pode me perguntar. Ao que eu lhe responderei:

- É claro que ele, o matador, tem que ser condenado. Existe uma lei, a qual ele aderiu, que impõe isso. Ninguém, jamais, “em sã consciência” irá aplaudir tamanha barbaridade.

Mas, apenas para efeito de prolongar nossa conversa, eu perguntaria:

Qual a diferença entre o gaúcho e o herói grego?

Qual a diferença entre o gaúcho e a infeliz Medéia?

Se um semideus praticou o mesmo ato, o que se esperar de um ser humano normal (fraco e inseguro) diante dessa gama infinita de conjecturas, paixões, temores, pulsões, descontroles, ciúmes etc.?

É claro que jamais perdoaremos o infeliz gaúcho. E ele, e nem nós no lugar dele, mereceríamos qualquer perdão.

Mas, vivendo o que ele estava vivendo (ou achava que estava vivendo), será que nas mesmas condições agiríamos diferente?

Será que já superamos a constituição animalesca que nos une aos demais animais ditos irracionais? Onde guardamos nossos desejos primitivos? Nós os controlamos ou eles podem aflorar a qualquer momento, como afloram alguns desejos que conseguimos, a duras penas ou por medo de castigos, reprimir?

Ainda temos muitas máscaras e, inúmeras vezes, não sabemos qual usá-la, ou usamos aquela que, justamente, não caberia ser usada naquela ocasião, para interpretar aquele papel.

Não sejamos hipócritas!

Condenemos aquele homem, mas com a certeza de que, se estivéssemos no lugar dele, talvez os condenados fôssemos nós.

Por fim, um empurrão para o abismo nos é dado por Alejandro Jodorowsky quando crava:

 

Entre o que eu penso, o que quero dizer, o que digo e o que você ouve, o que você quer ouvir e o que você acha que entendeu, há um abismo.

 

Começaremos agora!

 

1Sócrates é convidado por Hermógenes a tomar parte na disputa que está entabulando com Crátilo sobre a justeza dos nomes, ou seja, a relação entre palavras e coisas. Sócrates confessa sua ignorância no referido assunto, mas aceita participar do diálogo. Seus dois interlocutores já possuem posições bemdefinidas. Hermógenes afirma que a correção dos nomes é uma questão simplesmente de convenção e uso da linguagem. Tal posição passou para a história da semântica com o nome de convencionalismo. Crátilo defende a tese segundo a qual, entre palavras e coisas há uma coincidência natural, é o chamado naturalismo linguístico. Duas posições que, além de divergentes, são extremas. E que portanto, como diz Gadamer (1996, p.488), ‘[...] objetivamente não necessitam excluir-se’. O que parece tentar mostrar Platão através de Sócrates que, no decorrer do diálogo, por vezes mordazmente irônico e zombeteiro, aponta para a insuficiência de ambas as teorias, sem contudo explicitar uma solução que, se aparece, só o faz de maneira implícita, cabendo a nós, se possível, explicitá-la através de uma análise do texto platônico.” Diz Fausto dos Santos em Filosofia Aristotélica da linguagem. Argos. Chapecó, 2002: p. 22).

2 Tradução livre de: “Sabido es que Sócrates no escribió nada sobre filosofia: ‘pues la escrita le hace explicar Platón em el Fedro: similar en esto a la pintura, tine el mismo defecto; tambien los productos de ésta están presentes ante ti como personas vivas; pero si los interrogas callan majestosamente, y así sucede com los discursos escritos’”. (Rodolfo Mandolfo, Problemas y metodos de investigacion en la historia de la filosofia, Eudeba Editorial Universitária, Buenos Aires: 1960, p.119).

 

Sofística

(a biografia do conhecimento)

 

Í N D I C E

 

Introdução ........................................................................................................................................................ 1

 

1 – Do conhecimento religioso, mítico ao racional …................................................................….................. 2

2 – Antecedentes da revolução Sofística ...………………...................................................…………………... 3

3 – Atenas riqueza e democracia. Ambiente do e para o nascimento da Sofística ......................................... 4

4 – Ler e escrever em Atenas ….........……….................................................................................................. 5

4.1 – O estabelecimento da escrita na Grécia …..…....................................................................................... 6

5 – Democracia – seu início e seus perigos …………....................................................……………………….. 7

6 – Aristocracia, sua crise .........………………………………...................................................………............... 8

7 – Florescimento da Sofística (Grécia Clássica) ….........................................................................…............. 9

8 – O que é um sofista? ....………………………………................................................................................... 10

9 – O que é a Sofística? ....……………………................................................................................................. 11

9.1 – Sofística (o que é): para Platão e Aristóteles …..................................................................................... 12

9.2 – Sofística vista pelo aristotelismo ....…………………………..............................................………........... 13

9.3 – Sofística e retórica e dialética, para Aristóteles ….........…..................................................................... 14

9.4 – Sofística e dialética – diferenças, para Aristóteles ……...................................................…………........ 15

 9.5 – Sofística e retórica – diferenças, para Aristóteles ....…..............................................………................ 16

 10 – Sofística: sua defesa pela “Segunda Sofística” ..................................................................................... 17

 11 – Sofística e Psicanálise ................................................…….................................................................... 18

12 – Disputa entre os sofistas .....................................…................................................................................ 19

13 – Sofística: da Física à Política ..........................................................................................….................... 20

14 – Sofística – movimento espiritual ............................................................................................................. 21

15 – O que dava unidade à Sofística .........…................................................................................................. 22

16 – Hegel e os sofistas ................................................................................................................................. 23

17 – Os sofistas eram (são) Filósofos? .......................................................................................................... 24

18 – Como conhecemos os sofistas (fontes)? ......................................................................................…...... 25

19 – Quais os sofistas do período clássico grego (ou da “Primeira sofística”, os únicos)? ............................ 26

19.1 – Protágoras ........................................................................................................................……............. 27

19.2 – Górgias ................................................................................................................................................. 28

19.3 – Antifonte ................................................................................................................................................ 29

19.4 – Hípias .................................................................................................................................................... 30

19.5 – Pródico .................................................................................................................................................. 31

19.6 – Licofronte ...........................................…................................................................................................ 32

19.7 – Trasímaco .....................................................................................................................…..................... 33

19.8 – Crítias ..................................................................................................................…............................... 34

19.9 – Alcidamas ..............................................................................................................…............................. 35

19.10 – Anônimo de Jâmblico ....................................................................................................….................. 36

19.11 – Duplos Discursos (Dissoi Logoi) …..................................................................................................... 37

20 – Cálicles, de Platão, não era um sofista ...............................................................................…................ 38

21 – Antístenes era um sofista? ..................................................................................................................... 39

21.1 – Antístenes e a impossibilidade de dizer o falso ................................................................................... 40

22 – Aristóteles: um “quase” sofista .........…................................................................................................... 41

22.1 – Aristóteles e sua hostilidade aos sofistas …........................................................................................ 42

22.2 – O homem medida justificado por Aristóteles ....................................................................................... 43

22.3 – Princípio de não-contradição de Aristóteles ….................................................................................... 44

22.4 – O princípio de não-contradição e sua confusão ................................................................................. 45

22.5 – A linguística aristotélica, onde é derrotada por Górgias .................................................................. 46

22.6 – Aristóteles e a escravidão ................................................................................................................... 47

22.7 – As partes e o todo – Aristóteles ..........................................................................................…............. 48

22.8 – Aristóteles arrasa o Crátilo, de Platão ..................................................................................…........... 49

22.9 – Aristóteles do e no Crátilo e o mundo do sentido ............................................................................... 50

22.10 – Aristóteles contra Platão ...........................…..................................................................................... 51

22.11 – Resumo da Teoria aristotélica do conhecimento (ontologia) ......................................................…... 52

22.12 – Divergência fundamental entre as Teorias de Platão e Aristóteles ................................................... 53

22.13 – Teoria das Ideias, de Platão ...................…........................................................................................ 54

23 – Sócrates: um “sofista” ..............................................................................................……....................... 55

23.1 – Sócrates – identidade e pensamentos .................................................................................…............ 56

23.2 – Sócrates – o antidemocrático .............................................................................................................. 57

23.3 – Sócrates e a Astronomia …................................................................................................................. 58

23.4 – Sócrates e o erro .........................................................................................................….................... 59

23.5 – Temperança, para Sócrates ................................................................................................................ 60

23.6 – Sócrates e a definição de justiça, ou não! …....................................................................................... 61

23.7 – Sócrates e por que se deve obedecer à lei …..................................................................................... 62

23.8 – Sócrates: o homem que não podia questionar à lei …......................................................................... 63

23.9 – Sócrates, por Aristófanes ..................................................................................................................... 64

23.10 – Sócrates, por Platão .......................................................................................................................... 65

23.11 – Interlocutores de Sócrates ................................................................................................................. 67

23.12 – Sócrates, o sofista ............................................................................................................................. 68

23.13 – Sócrates e o seu débito para com os sofistas ................................................................................... 69

23.14 – A defesa de Protágoras por Sócrates ................................................................................................ 70

23.15 – Apologia de Protágoras no Teeteto ................................................................................................... 71

23.16 – Sócrates e o círculo de Péricles .................................................................................................................................. 72

23.17 – Sócrates como um Diógenes, o cínico (minha proposta) ................................................................. 73

24 – Platão, a fonte difamadora, mas fonte ..................................................................................................................... 74

24.1 – Platão – características pessoais .......................................................................................................................... 75

24.2 – Platão e suas contradições ................................................................................................................…................. 76

24.3 – Platão e suas comparações inadequadas .......................................................................................................... 77

24.4 – Platão e suas distorções ...............................................................................................................…...................... 78

24.5 – Platão e as ideias de Protágoras que ele se apropriou (plagiário?) .................................................. 79

24.6 – Platão – antidemocrático ..................…….............................................................................................................. 80

24.7 – Platão e a Síndrome de Siracusa …..............................................................................….................................. 81

24.8 – Platão: contra o que ele briga ............................................................................................................................... 82

24.9 – Platão contra Parmênides ...................................................................................................................................... 83

24.10 – Platão e o fluxo (o movimento) ........................................................................................................................... 84

24.11 – Platão e a Teoria das formas como fuga .......................................................................................................... 85

24.12 – Platão e a linguagem ............................................................................................................................................. 86

24.13 – Platão e sua discordância com os sofistas ............................................................................................................. 87

24.14 – Platão e sua hostilidade aos sofistas ......................................................................................................…...... 88

24.15 – Platão explica os sofistas em Atenas ...............................................................................................................…..... 89

24.16 – Platão, o antijuventude .......................................................................................................................................... 90

24.17 – Platão incentivando Sócrates a morrer …................................................................................................................ 91

24.18 – Platão – enfim um acerto dele! ...........................................................................................................................….. 92

24.19 – Platão e quem deveria ser “a medida de todas as coisas” …..................................................................... 93

24.20 – Platão, o homem que busca a verdade com mentiras …............................................................................. 94

25 – Sofistas – professores (itinerantes) da Grécia …................................................................................................. 95

26 – Existiu uma “Escola Sofística” ou Sofista? ............................................................................................................ 96

27 – Os sofistas e suas formações culturais ...............................................................................................…............... 97

28 – Sofistas e seus instrumentos de trabalho .............................................................................................................. 98

29 – Cronologia do embate entre os sofistas e os demais pensadores ................................................................. 99

30 – Matérias estudadas pelos sofistas ….................................................................................................................... 100

31 – O que os sofistas ensinavam e qual a sua finalidade? …........…................................................................... 101

32 – O ensino dos sofistas ...........................…................................................................................................................ 102

32.1 – Organização .............................................................................................................................................................. 103

32.2 – Currículos ensinados ....................................................................................................................……................ 104

32.3 – Métodos de ensino dos sofistas ........................................................................................................................ 105

32.4 – Quem eram os alunos dos sofistas? ................................................................................................................ 106

33 – Revolução que os sofistas promoveram …........................................................................................................ 107

34 – Quais as influências que eles exerceram? ....................................................................................................... 108

35 – Os sofistas e seus herdeiros, dentre eles Aristóteles .................................................................................... 109

36 – Por que a mudança de sentido da palavra que levará os sofistas de “sábios” a “enganadores”?.... 110

37 De que os sofistas são acusados (cobrança de honorários)? ..…............................................................... 111

38 – Para falar sobre algo, com propriedade, precisa-se conhecê-lo ................................................................ 112

39 – Por que e por quem os sofistas foram combatidos (a quem incomodavam)? .................................. 113

40 – Sócrates era um sofista? ............................................................…...................................................................... 114

41 – Temas correlatos às doutrinas dos sofistas …................................................................................................. 115

41.1 – Saber – o prazer humano de .........................….............................................................................................. 116

41.2 – Tradução e seu mal radical .......................…................................................................................................... 117

41.3 – Fragmentos e a dificuldade de e em contextualizá-los …........................................................................ 118

41.4 – Funcionários públicos – surgimento (início) …............................................................................................ 119

41.5 – Governo das leis ou dos homens? ................................................................................................…............ 120

41.6 – Humanismo – início de seus estudos ........................................................................................................... 121

41.7 – Império (conceito) ..........................................................................................................................................… 122

41.8 – Juventude ..................................................................................................................................................…...... 123

41.9 – Termos indefiníveis ........................................................................................................................................... 124

41.10 – Tucídides – quem era ..............................................................................................................................….. 125

41.11 – Alguns nomes de personagens gregos seriam inventados? .............................................................. 126

41.12 – Iluminismo grego, a Sofística ...................................................................................................................... 127

41.13 – O homem como criador de coisas ................…......................................................................................... 128

41.14 – Progresso da humanidade ........................................................................................................................... 129

41.15 – Poetas e sofistas ............................................................................................................................................. 130

41.16 – Natureza ou convenção, segundo os sofistas ….................................................................................... 131

41.17 – Partidarismo no estudo dos sofistas ......................................................................................................... 132

41.18 – Por que os sofistas incomodavam? ........................................................................................................... 133

41.19 – A forma como os sofistas são combatidos …........................................................................................... 134

41.20 – República – significado .........................................................................................................................…..... 135

41.21 – Sucesso na Grécia Clássica, o que significava …................................................................................... 136

41.22 – O professor pode ser responsabilizado pelo uso que o ensino seu aluno faz do seu ensino? .. 137

41.23 – Realidade – o que é .................................................................................................................................…... 138

41.24 – Poesia, seu uso pela Sofística, em especial, por Górgias ................................................................... 139

41.25 – Homossexualidade na Grécia Antiga ......................................................................................................... 140

41.26 – Homossexualidade e oligarquia .........................................……….....................................................….... 141

41.27 – Matemática e verdade ......................…......................................................................................................... 142

41.28 – Aporia – o drama da (sem resposta, inclusão de tudo) ...….......................................................................... 143

41.29 – Eutidemo e Dionisodoro – identidades e ensinamentos ............................................................................... 144

41.30 – Heródoto e os deuses ..............................................................................................................................…...... 145

41.31 – Eurípides e os deuses ............…….................................................................................................................. 146

41.32 – Gregos versus bárbaros …...…........................................................................................................................ 147

41.33 – Heráclito e a imobilidade, precursor de Platão! ............................................................................................. 148

41.34 – Epideixis – significado ...............…………….........….......................................................................... 149 e xxx

41.35 – O Corpus Hipocrático – identidade e ensinamentos ................................................................................... 150

41.36 – Mal e ignorância ….....................…..................................................................................................................... 151

41.37 – Péricles e suas relações com sofistas e outros intelectuais ................................................................. 152

41.38 – Professor – para Platão e seguidores ....................................................................................................…...... 153

41.39 – Sectarismo dos seguidores de Sócrates e Platão ..................…............................................................... 154

41.40 – Sorteio como forma de escolha dos governantes – não era bem assim! …......................................... 155

41.41 – Sofistas na história da Filosofia (detratores e defensores) …........................................................................ 156

41.42 – A covardia ou temerosidade do autor na exposição da Sofística …............................................................. 157

41.43 – Kerferd – o autor – pede perdão por ousar! …........…............................................................................. 158

41.44 – Abelha e capital ............................................................................................................................................. 159

41.45 – Aidós ...................................................................................................…......................................................... 160

41.46 – Analogia – o que é ........................................................................................................................................ 161

41.47 – Arendt arrasa Platão e Heidegger ............................................................................................................ 162

41.48 – Apreender e enunciar ........................................................................................................................…...... 163

41.49 – Arte e natureza .............................................................................................................................................. 164

41.50 – Catastrofar ...................................................................................................................................................... 165

41.51– Constituição – o que é ......................................................................…........................................................ 166

41.52 – Ente – significado .................................................................................................................................…..... 167

41.53 – Fazer ver o que se diz ................................................................................................................................. 168

41.54 – Filosofia – diferença da Dialética e da Sofística, para Aristóteles ........................................... 169

41.55 – Heidegger contra Aristóteles – falar por falar ........................................................................................ 170

41.56 – Heidegger sofista .............................................................................................................................…......... 171

41.57 – Historiador – contra a Sofística ................................................................................................................. 172

41.58 – Monopólio - invenção do ............................................................................................................................. 173

41.59 – Mundo – modelos – físico e político ........................................................................................................ 174

41.60 – Paradoxo do mentiroso ............................................................................................................................... 175

41.61 – Pólis – significado ..............................................................................................................................…....... 176

41.62 – Política ............................................................................................................................................................. 177

41.63 – Pragmatismo e relativismo e lógos ...........................................................................................................178

41.64 – Primeira e Segunda Sofística – o que foram ..........................................................................….. 179

41.65 – Princípio da publicidade ............................................................................................................................. 180

41.66 – Problema – significado ........................................................................................................................... 181

41.67 – Romance – nascimento e fim da verdade filosófica ….............................................................. 182

41.68 – Sofisma em Freud ...............................................................................................................................….... 183

41.69 – Fenômeno – o que é .....….......................................................................................................................... 184

41.70 – Meontologia ................................................................................................................................................... 185

41.71 – Fenomenologia – etimologia ..............................................................................................................…... 186

41.72 – Fenomenologia – clareza do seu discurso – contradição …............................................................. 187

41.73 – Fenomenologia e o falso ............................................................................................................................ 188

41.74 – Como a Sofística vê a Filosofia ................................................................................................................ 189

41.75 – Da Filosofia à Literatura .............................................................................................................................. 190

42 – Questões postas pelos sofistas – importância ........................................................................................... 191

43 – As doutrinas dos sofistas ................................................................................................................................. 192

44. – Logos (discurso) – significado, segundo a Sofística …........................................................................... 193

44.1 – Discurso como guia de tudo ............................................................................................................…........ 194

45 – A ficção e o fim-ruptura com a Filosofia ....................................................................................................... 195

46 – Protágoras .......................................................................................................................................................... 196

46.1 – O homem medida, de Protágoras .............................................................................................................. 197

46.2 – Duplos discursos ou Dissoi Logoi (Antilogia), de Protágoras ............................................................. 198

46.3 – Antilogia na Política ............................................…........................................................................................ 199

46.4 – Antilogia no Direito .......................................................................................................................................... 200

46.5 – Discurso forte e discurso fraco, de Protágoras ....................................................................................... 201

46.6 – Deuses, por Píndaro ................................................................................................................................….. 202

46.7 – Sobre os deuses, por Protágoras ............................................................................................................... 203

46.8 – Sobre os deuses, por Pródico ..................................................................................................................... 204

46.9 – Protágoras, o legislador ................................................................................................................................ 205

46.10 – Que governo adotaria Protágoras ........................................................................................................... 206

46.11 – Indicações sobre o tratado A verdade de Protágoras ….................................................................... 207

46.12 – Influência sobre Heródoto exercida por Protágoras ........................................................................... 208

46.13 – Sobre se a virtude pode ser ensinada, por Protágoras …................................................................. 209

46.14 – O mito de Prometeu, por Protágoras <