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Como pensam os ricos - Paul Krugman

Pobres plutocratas

Paul Krugman


Folha de São Paulo, 21/07/2012.

 


"Vou lhes falar sobre os muito ricos. Eles são muito diferentes de você ou de mim". Foi o que escreveu F. Scott Fitzgerald - e ele não queria dizer simplesmente que eles têm mais dinheiro. O que estava afirmando, ao menos em parte, era que muitos dos mais ricos contam com um nível de deferência que os demais de nós jamais experimentaremos, e se sentem profundamente perturbados quando não recebem o tratamento especial que tomam como direito; sua riqueza "torna-os fracos onde somos fortes".
 
E porque o dinheiro fala, essa fraqueza - o ponto fraco dos plutocratas, digamos - se tornou um fator importante na vida política norte-americana.
 
Não é segredo que, a essa altura, muitas das pessoas mais ricas dos Estados Unidos - entre as quais diversas antigas partidárias do presidente - odeiam, simplesmente odeiam, Barack Obama. Por que? Bem, de acordo com elas, porque ele "demoniza" o mundo dos negócios, ou, nas palavras de Mitt Romney alguns dias atrás, "ataca o sucesso". Quem os ouve imaginaria que o presidente é um Huey Long reencarnado, pregando o ódio de classes e a necessidade de tirar dos ricos.
 
Nem seria preciso dizer que isso é loucura. Na verdade, Obama costuma sair de seu caminho para declarar apoio à livre empresa e sua crença em que não há nada de reprovável em enriquecer. Tudo que ele fez foi sugerir que as empresas ocasionalmente se comportam mal, e que esse é um dos motivos para que precisemos de coisas como a regulamentação financeira. Pouco importa: basta uma simples admissão de que os ricos nem sempre merecem elogios para enlouquecer os plutocratas. Já faz pelo menos dois que Wall Street, em especial, vem se queixando: "Manhê, ele está me olhando feio!"
 
E as coisas não param por aí. Não só muitos dos norte-americanos mais ricos se sentem profundamente magoados com a ideia de que qualquer pessoa de sua classe mereça críticas como insistem em sua percepção de que o fato de que Obama não goste deles é a raiz de nossos problemas econômicos. As empresas não estão investindo, alegam, porque os líderes empresariais não se sentem valorizados. Romney também repetiu essa linha de argumentação, afirmando que, porque o presidente ataca o sucesso, "temos obtido menos sucesso".
 
Isso também é loucura (e é perturbador que Romney compartilhe dessa visão profundamente iludida sobre as causas de nossos problemas econômicos). Não há mistério sobre os motivos para que a recuperação econômica tenha sido tão fraca. A habitação continua deprimida, depois de uma grande bolha, e a demanda de consumo vem sendo comprimida pelo alto nível de endividamento domiciliar que também resulta da bolha. O investimento empresarial na verdade se sustentou até que bem, dada a fraqueza na demanda. Por que as empresas investiriam mais se não têm clientes suficientes para fazer uso pleno da capacidade instalada de que já dispõem?
 
Mas isso pouco importa. Porque os ricos são diferentes de você e de mim, muitos deles são incrivelmente egocêntricos. Nem percebem o quanto é engraçado atribuir a fraqueza de uma economia de US$ 15 trilhões aos seus sentimentos feridos - e o quanto parecem ridículos ao fazê-lo. Afinal, ninguém lhes diz essas coisas porque vivem protegidos em uma bolha de lisonjas e deferência.
 
A menos que disputem um cargo público, claro.

Como todo mundo mais que vem acompanhando as notícias, fiquei atônito por as questões sobre a carreira de Romney na Bain Capital - o grupo de capital privado que ele co-fundou- e sua recusa em divulgar declarações de renda terem apanhado a direção de sua campanha tão desprevenida. Será que um homem muito rico que disputa a presidência - e tendo por base a premissa de que seu sucesso nos negócios o qualifica para o posto - não deveria ter antecipado que a natureza desse sucesso fosse colocada em debate? Não deveria ter sido óbvio que recusar a divulgação de suas declarações de renda anteriores a 2010 despertaria toda espécie de suspeita?
 
Aliás, embora não saibamos o que Romney está escondendo em suas passadas declarações, o fato é que ele continua resistindo a divulgá-las, a despeito de apelos não só de democratas como de republicanos para que o faça, o que sugere que elas podem conter algo de seriamente prejudicial.
 
De qualquer forma, o que se tornou aparente a essa altura é que a campanha de Romney estava completamente despreparada para essas questões óbvias, e reagiu à decisão do comando de campanha de seu oponente de colocá-las em debate com uma histeria que certamente vem do alto. Romney claramente acreditava que poderia disputar a presidência sem sair da bolha plutocrática que o protege, e por isso está chocado e zangado com a descoberta de que as regras que se aplicam aos outros também valem para pessoas como ele. Fitzgerald de novo, sobre os muito ricos: "No fundo, eles se acham muito melhores que nós".
 
Bem, vamos fazer uma pausa. A verdade é que muitos, talvez a maioria, dos muito ricos, não se enquadram à descrição de Fitzgerald. Há muitos norte-americanos muito ricos que têm senso de perspectiva e se orgulham de suas realizações sem acreditar que o sucesso lhes confira o direito de viver sob outras regras.
 
Mas Mitt Romney não é uma dessas pessoas, ao que parece. E essa descoberta pode ser uma questão ainda maior do que aquilo que está escondido nas declarações de renda que ele se recusa a divulgar - o que quer que "aquilo" seja.
 
Tradução de Paulo Migliacci


Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às segundas, no site da Folha, e aos sábados, na versão impressa de "Mundo".